É célebre o paradoxo da intolerância exposto por Karl Popper em 1945 em seu “The Open Society and Its Enemies”.(1) O autor sustenta que a tolerância ilimitada leva, paradoxalmente, ao fim da tolerância. Explica-se: segundo Popper, caso seja permitido o emprego, sem limitações, da intolerância, os tolerantes serão suprimidos e a tolerância restará desaparecida. Assim, o que o autor propõe é que, caso não seja possível a argumentação racional com os intolerantes, as suas manifestações sejam suprimidas em razão do risco que provocam à manutenção de um ambiente tolerante. Isto é, seria necessário ser intolerante com os intolerantes, a fim de que se possa manter a ordem democrática. Ainda que localizada em uma obra de cunho filosófico, a questão colocada pelo autor frequentemente ganha concretude em diversos momentos de sociedades distintas: até que ponto a democracia permite a aceitação de manifestação de ideias que lhe são contrárias à sua própria existência? Esta indagação parecia ter perdido o sentido no transcurso recente da história mundial. Afinal, após o fim da Guerra Fria, propagava-se “o fim da história” diante da expansão e consolidação da democracia liberal, cujo triunfo como narrativa fez com que intelectuais e políticos viessem a acreditar que o modelo democrático liberal encerraria as grandes questões e intempéries da humanidade. Parecia inevitável o esgotamento da preocupação com o risco proporcionado por movimentos políticos antidemocráticos. No entanto, na segunda década do século XXI, diversos movimentos políticos antidemocráticos e iliberais ganharam evidência; vários governos passaram a ser ocupados por líderes da extrema direita. O Brasil, infelizmente, não escapou a essa sina. Essa onda antidemocrática levou à necessária reflexão acerca da presença, ou não, de mecanismos de defesa da democracia dentro da organização político-constitucional dos Estados Democráticos, vinculados não somente ao Poder Judiciário, mas igualmente aos Poderes Legislativo e Executivo. Esse tema voltou à ordem do dia. Na filosofia política, ciência política e teoria constitucional internacionais é, tradicionalmente, discutido sob os conceitos de “democracia militante” ou de “democracia defensiva”. Tendo o cenário brasileiro mais contemporâneo como pano de fundo, a presente disciplina tem por objetivo – a partir de um diálogo entre o Direito Administrativo e o Direito Constitucional - empreender análises e reflexões sobre a influência e aplicação das construções dogmática e jurisprudencial sobre o fenômeno da “democracia defensiva”, iniciando-se por (i) um delineamento do conceito para, depois, (ii) realizar uma breve incursão no direito comparado nos quais a democracia defensiva é reconhecida normativa e jurisprudencialmente, com destaque para Alemanha e Israel. Na sequência, fixados os contornos fundamentais da democracia defensiva, (iii) avaliar-se-á o cenário no Brasil contemporâneo, considerando a utilidade do conceito a partir da análise do histórico da jurisprudência constitucional brasileira que tenha enfrentado direta ou indiretamente as temáticas imanentes à Democracia Defensiva, conferindo-se maior atenção ao que se sucedeu no transcurso do Governo Bolsonaro (2019-2022). (1)POPPER, Karl. The open society and its enemies – one volume edition. Princeton university press, 2013.