A disciplina “Tópicos Especiais” é uma modalidade de curso que funciona para se aproveitar a passagem de um professor visitante, pesquisador em fase de pós-doutorado pelo departamento e/ou para abrir espaço para uma reflexão vinculada a um projeto de pesquisa ou nova área temática no qual uma professora ou professor esteja dedicado no momento. A disciplina ora proposta visa aproveitar as experiências etnográficas e os levantamentos realizados a partir de três projetos internacionais que envolveram pesquisadores da África do Sul, de Moçambique, do Zimbábue, do Brasil em diálogo também com outros colegas da Universidade de Princeton, Portland University e CUNY nos Estados Unidos. Estas iniciativas, que agora ganham uma versão para a sala de aula, tiveram apoio do CNPq, da Fapesp, da Capes (quando da realização do Estágio Sênior em Princeton) e da USP. Os projetos, que estiveram sob minha coordenação, PROAFRICA/CNPq “A Vizinhança nas entrelinhas: alianças e conflitos, trocas (des)iguais e cooperação entre Moçambique e África do Sul”, a pesquisa ora finalizada “Sob o comando de um deus racista: políticas sexuais na África do Sul” Edital Universal/CNPq e a investigação em curso “Bacharéis, empregados e clérigos: um estudo sobre a dinâmica das interações sociais numa cidade sul-africana” tiveram como cenário o sul da África, mas o Brasil sempre esteve presente de modo ora explícito ora implícito operando de modo comparado.
Deste modo, essa disciplina terá como foco especial, mas não exclusivo, a região austral da África. As leituras e aulas foram pensadas para atender a um duplo objetivo: compreender certas dinâmicas para além da lógica colonial que, em geral, organiza os estudos e reflexões, tendo como base a relação dos países e grupos da região com suas colônias. Ainda que a multifacetada conexão colônia/metrópole seja considerada, o percurso foi deslocado para se pensar estes territórios etnográficos como uma região com uma particular dinâmica. Assim, mesmo sendo contempladas, não serão apenas as diferenças de lugar e ação do império português, alemão, britânico ou holandês o objetivo direto deste curso. Colocar-se-á em questão a geopolítica das guerras e conflitos pós-coloniais, inquirindo-se uma geografia moral que invoca a falência da civilização, ao refletir sobre a violência em território europeu, ao mesmo tempo que relativiza aquela vivida em contextos africanos.
A África como palco de disputa da guerra fria será considerada tanto em suas versões racistas da extrema direita religiosa sul-africana, também presentes na Namíbia e no Zimbábue, quanto das experiências socialistas de Moçambique e Angola. A economia moral que sustentou regimes ditatoriais, assim como o humanismo que informou as democracias recentes serão contemplados ao longo das leituras. Concomitantemente, objetiva-se colocar em perspectiva o “afro-brasileiro”, observado a partir do contraste, da violência e, sobretudo, dos nexos possíveis que podem ser surpreendidos entre um regime de produção do saber marcado por viagens, deslocamentos e choques culturais que articulam também a produção de si.
Analisar-se-á, assim, contextos locais, mas igualmente trânsitos transnacionais da relação “Sul-Sul” na recente reivindicação e uso de categorias como genocídio, abuso colonial e racismo, trauma e a transmissão do trauma em histórias familiares, dor e luto, ressentimento, reparação, solidariedade em contexto africano (e brasileiro, mas em menor medida), articuladas de modos mais ou menos explícitos a marcadores sociais da diferença como gênero, classe, deficiência geração e sexualidade.
Para tanto, iremos trabalhar de modo comparado: autores e etnografias antropológicas clássicas cotejados com análises contemporâneas e bem atuais. No programa final, também serão incluídos textos literários de autoras/es africanas/os e brasileiras/os para leitura e análise. Será cobrada leitura, presença e participação das/os estudantes ao longo do semestre.