Fala e Escrita: a questão do meio | Oralidade e Escrituralidade
Reflexões importantes
(Essas reflexões seguem de perto os apontamentos de Segundo (2019), além de reportar ao que apresentamos em aula do dia 27/09).
1. Fala e Escrita: a questão do meio
2. Oralidade e Escrituralidade: o continuum de práticas discursivas A complexidade das interações mediadas por computador, por exemplo.
Introdução
“Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia” (MARCUSCHI, 2001, p. 17). Atualmente, seria melhor falar em escrituralidade nessa citação, conforme observa Segundo (2019). Urbano (em 2006, 2011) também utiliza a noção de "escrituralidade" no lugar de "escrita".
Stubbs (1980) → a fala tem uma ‘primazia cronológica’ indiscutível sobre a escrita.
A fala é adquirida naturalmente via socialização, ao passo que a escrita tende a ser adquirida em contextos formais da prática educacional, ou seja, na escola.
Consequência → maior prestígio da escrita.
Fala x Escrita; Oralidade x Escrituralidade; Letramento x Alfabetização
Oralidade: práticas discursivas que envolvem gêneros textuais do domínio da proximidade comunicativa.
Escrituralidade: práticas discursivas que envolvem gêneros textuais do domínio da distância comunicativa.
Fala: processo de produção textual que envolve formas sonoras de comunicação.
Escrita: processo de produção textual que envolve formas materiais de constituição gráfica.
Letramento: processo de domínio de gêneros textuais do domínio da escrituralidade.
Alfabetização: processo de aprendizado do código escrito/grafemático.
Letramento ≠ Alfabetização: em geral, esses processos estão correlacionados, mas é possível estar inserido em práticas de letramento sem ser alfabetizado (vide exemplos do slide 12 do ppt da aula do dia 27/09).
Além disso, deve-se pensar em graus de alfabetização e de letramento (cf. Tfouni, 2004 apud Marcuschi, 2007, p. 34; slide 13 e 14 do ppt da aula dia 27/09).
(Falsas) Dicotomias (Bernstein, 1971; Labov, 1972; Ochs, 1979), segundo Marcuschi (2001, 2004)
Fala |
Escrita |
Contextualizada |
Descontextualizada |
Dependente |
Autônoma |
Implícita |
Explícita |
Redundante |
Condensada |
Não planejada |
Planejada |
Imprecisa |
Precisa |
Não normatizada |
Normatizada |
Fragmentária |
Completa |
[Quadro extraído de Marcuschi (2001, p. 29)]
Tal concepção, forte durante a década de 70, postulava uma menor complexidade à fala em relação à escrita. Além disso, considerava a primeira como o lugar do erro e do caos gramatical, enquanto concebia a escrita como a modalidade da norma e do bom uso gramatical. Não havia, à época, uma distinção entre fala e oralidade; escrita e escrituralidade.
(Falsas) Dicotomias (Olson, 1977; Ong, 1982; Goody, 1977), segundo Marcuschi (2001)
Cultura oral |
Cultura letrada |
Pensamento Concreto |
Pensamento Abstrato |
Raciocínio prático |
Raciocínio lógico |
Atividade artesanal |
Atividade tecnológica |
Cultivo da tradição |
Inovação constante |
Ritualismo |
Analiticidade |
Biber (1988) destaca a importância da linguagem escrita para o desenvolvimento da arte, da ciência e para o estabelecimento de uma educação formal. Entretanto, nega a polarização absoluta da visão culturalista da década de 70 e do início da década de 80, tal qual exposta no quadro acima, de Marcuschi (2001).
Três problemas emergem de tal dicotomização:
Oralidade e escrituralidade em continuum; Fala e Escrita como meios
“A hipótese que defendemos supõe que: as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica entre dois polos opostos” (Marcuschi, 2011, p. 37). Atualmente, os termos oralidade e escrituralidade parecem mais condizentes.
A proposta de Oesterreicher (2006): meio x concepção (cf. slides 15, 16, 17 e 18 do ppt da aula do dia 27/09).
Meio corresponde à manifestação física do discurso — oral, por meio de sons (fones), ou escrita, por meio de símbolos fixados em determinado suporte (grafemas).
Concepção, por sua vez, abrange as condições de comunicação do texto e as estratégias adotadas para sua formulação, tendo em vista o modo como o evento discursivo fora concebido ou estruturalmente planejado, de forma a revelar graus em um continuum entre proximidade e distância comunicativa tipicamente associado a gêneros textuais/discursivos.
Perfil Concepcional dos Gêneros Discursivos Proximidade x Distância Comunicativa
(cf. Oesterreicher 1997; Koch e Oesterreicher 1985, 2013), de acordo com os slides 17, 18 e 19 da aula do dia 27/09)
+ Oralidade (proximidade comunicativa) |
+ Escrituralidade (distância comunicativa) |
Caráter privado de comunicação |
Caráter público de comunicação |
Intimidade ou familiaridade interpessoal; maior conhecimento partilhado |
Ausência de intimidade ou familiaridade; menor conhecimento partilhado |
Forte participação emocional |
Falta de participação emocional |
Inserção do discurso no contexto situacional |
Não inserção do discurso no contexto |
Referencialização direta (eu-aqui-agora) |
Referencialização indireta (ele-lá-então) |
Intensa cooperação |
Fraca cooperação |
Dialogicidade |
Monologicidade |
Espontaneidade |
Reflexão |
Pluralidade temática |
Fixação temática |
A proposta de Oesterreicher (2006) procura abarcar toda a realidade genérico-interacional a partir de perspectivas relacionadas a condições de produção comunicativas, em tese, universais. Os componentes arrolados na tabela são potenciais e marcam pontos em um continuum que, na extrema esquerda, corresponderia a uma conversação espontânea entre pessoas íntimas (proximidade comunicativa) e, na extrema direita, ao discurso acadêmico ou jurídico escritos, por exemplo (distância comunicativa).
Correlacionando meio e concepção em termos de gêneros discursivos
Conforme aponta Paulo Segundo (2018), não é a melhor representação gráfica, mas ela permite entrever que há múltiplas possibilidades combinatórias.
Problemas:
KOCH, Peter & OESTERREICHER, Wulf. Sprache der Nahe – Sprache der Distanz. In: Romanistisches. Jahrbuch (1985) 36, 15-43.
KOCH, Peter.; OESTERREICHER, Wulf. Linguagem da imediatez – linguagem da distância: oralidade e escrituralidade entre a teoria da linguagem e a história da língua. Trad. Hudinilson Urbano e Raoni Caldas. Revista Linha D’Água, n. 26, v.1, p. 153-174, 2013.
MARCUSCHI, L. Da
fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001, Cap. 1.
MARCUSCHI, L; DIONÍSIO. A. P. Fala e escrita. 1. ed., 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
MORAES, Jorge Viana de. Oralidade e letramento; Fala e escrita. São Paulo: USP-Moodle, 2021. (ppt).
OESTERREICHER, Wulf. “Pragmática del discurso oral”. In: BERG, Walter Bruno y SCHÄFFAUER, Markus Klaus (eds.) Oralidad y Argentinidad – Estudios sobre la función del lenguaje hablado en la literatura argentina. Tubingen: Gunter Narr Verlag, 1997, p. 91.