A Comuna de Paris: uma curtíssima experiência política, de 72 dias, de março a maio de 1871, com longas sobrevidas. Nas análises “a quente” de uma série de participantes, atores e pensadores políticos (Bakunin, Marx, Morris, Reclus, Kropotkin, Michel), que continuam até hoje a ser lidas, debatidas e criticadas. Nas influências em inúmeras obras das ciências humanas (Gustave Le Bon, Sigmund Freud ou Elias Canetti, por exemplo) sobre o papel das massas, multidões, corpos em movimentos nas ruas e espaços públicos que retomam antigas polêmicas do pensamento político. Em uma forma-comuna, plural, reivindicada por uma miríade de organizações políticas contemporâneas.

As poucas semanas da Comuna são precedidas por uma guerra, mas sobretudo por uma efervescência. As reuniões populares fervilham a partir de 1868, quando o Segundo Império relaxa um pouco suas leis repressivas e abranda a censura. Embora os sindicatos fossem proibidos, a partir da década de 1860 cai o delito de coalizão e se permite as associações de trabalhadores. Vai se formando um corpo coletivo contestatário, em greves (legalizadas em 1864), em restaurantes em regime de cooperativa e em espaços como salões de danças, sala de concertos e armazéns onde se juntavam multidões ávidas por rebelião. Nesses clubes, as “colmeias zumbidoras” espraiam a ideia de uma comuna social nas classes perigosas. A polícia (e seus numerosos espiões) sempre estudiosa das sementes da oposição vai acompanhar isso de perto – um fervoroso adversário da Comuna vai chamar as reuniões públicas de “Collège de France da insurreição”, percebendo essa escola de elaboração coletiva desobediente.

Daí se encarna um notável experimento político na forma de um conjunto de atos de destituição do Estado e suas instituições burocráticas por homens e mulheres comuns. Por isso, um dos seus principais trunfos ser sua existência mesma. Não decreta nem proclama o fim do Estado e do sistema capitalista, mas agencia ambos com medidas concretas que ali se esboçam, como a supressão do exército permanente e do caráter político da polícia, substituindo-os pela população em armas. Seus conselheiros municipais são eleitos pelo sufrágio universal, com mandatos imperativos e permanentemente revogáveis e o mesmo ocorre com os demais funcionários públicos – como magistrados e juízes – que passam a receber salários de operários. O financiamento público da Igreja é cortado e seus bens expropriados. As fábricas e oficinas abandonadas são transformadas em cooperativas. Institui-se a liberdade de imprensa e a moratória dos alugueis, expulsões e dívidas. O casamento passa a ser livre e a Comuna adota as crianças não reconhecidas e torna gratuita e para todos a educação, além de organizar cursos noturnos e salas de leituras em hospitais e creches nos bairros operários.

Como essa experiência se compreende em determinados momentos históricos e como se insere no presente? O que dizem sobre as ideias e práticas de autogoverno, federação, democracia? Em que sentidos nos dão ferramentas ou não para nos situar num contexto de contundente questionamento da legitimidade dos sistemas políticos, alta desconfiança da representação e gravíssima crise civilizacional-ambiental?

Esse curso propõe estudar uma certa tradição política (autogoverno) a partir da Comuna de Paris. Isso envolve três momentos, começando por se debruçar sobre o experimento político de março a maio de 1871, suas ações, contextos, significados e ressonâncias. Em seguida, nos dedicamos à análise de quatro momentos-chave, nos quais esse princípio político estava em operação, cada um com suas especificidades e particularidades. Enfim, trabalhamos e refletimos sobre experiências contemporâneas de autogoverno que dialogam indireta ou diretamente com o gesto inaugural communard, tecendo alguns fios históricos, espaciais e políticos.