Alguns motivos linguísticos mais presentes na configuração de
áreas toponímicas são:
•Áreas dialetais indígenas;
•Áreas fronteiriças;
•Variantes lexicais na toponímia;
•Tipos de formações morfológicas ou estruturais que podem caracterizar uma área.
•Áreas etnográficas: como já se mostrou na aula anterior, são mais abrangentes que as áreas toponímicas;
•Áreas toponímicas indígenas:
–Históricas;
–Vinculadas à presença atual dos grupos: relações com a dialetologia.
UM PARÊNTESIS: DIALETOLOGIA
•Dicionário de Linguística de DUBOIS, entrada 422: “Estudo da variação dialectal. Fonte: WARDHAUGH (1987). P. 378
•Geografia linguística (entrada 421): “Metodologia originada pelos estudos e
cunho histórico-comparativo dos neogramáticos e que procura explicar as
diferenças linguísticas como resultado da evolução diacrónica e do
distanciamento espacial dos falantes. Em virtude das suas raízes históricas, a
geografia linguística privilegiou tradicionalmente o estudo de áreas rurais
pouco povoadas, vista mais conservadoras do que as áreas urbanas.”
CARACTERÍSTICAS GERAIS DA TOPONÍMIA INDÍGENA BRASILEIRA
•Nomeação direta e indireta;
•Períodos que revelam interferências políticas ou administrativas
(século XVIII e XX);
•Convergência com áreas dialetais no território (nomeação direta);
•Revela línguas pertencentes aos dois grandes troncos linguísticos indígenas (tupi/makro jê);
•Nomeação indireta à língua geral (XVII e XVII); artificial (XIX a XXI).
É POSSÍVEL
IDENTIFICAR ALGUMAS ÁREAS INDÍGENAS NA TOPONÍMIA BRASILEIRA;
•decorrentes de áreas dialetológicas correspondentes às áreas etnográficas traçadas por antropólogos (sincronia);
•decorrentes de áreas históricas correspondentes à situação dialetológica nos primeiros séculos do período colonial;
•áreas artificiais nas cidades.
Dificilmente áreas toponímicas indígenas nas ruas de cidades são naturais e revelam algo da presença indígena.
Contato linguístico no litoral e a situação linguística (séc.
XVI e SS):
Litoral, século XVI: a primeira área de contato entre indígenas
e europeus.
Vários povos aparentados, falando línguas próximas (gerou no
contato o tupinambá; língua geral da costa).
A grande área entre Maranhão e São Vicente (SP) é tupi; de São
Vicente para o Sul há a presença guarani.
• TRONCO OU BLOCO LINGUÍSTICO: Parentesco sistemático entre línguas. “Esta situação é entendida como devendo-se a que as línguas ancestrais (ou
proto-línguas) dessas famílias constituíram, por sua vez, num passado mais
remoto, uma família com seu próprio ancestral comum. Essa família mais antiga é
o que convencionamos chamar tronco linguístico.” (Rodrigues, 1985, 41-42)
Troncos linguísticos indígenas no Brasil: https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/linguas/troncos-e-familias
Quadro comparativo com vocábulos de línguas e famílias de
troncos linguísticos podem ser encontradas em texto da bibliografia:
RODRIGUES, Ayron Dall’Igna. Línguas brasileiras – Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo, Edições Loyola, 1986
Mapa IBGE distribuição grupos indígenas século XXI: http://www.indigenas.ibge.gov.br/mapas-indigenas-2.html
ÁREAS HISTÓRICAS, ÁREAS DECORRENTES DA
DIALETOLOGIA E ÁREAS ARTIFICIAIS
a. ÁREAS TOPONÍMICAS HISTÓRICAS
1. Tupi
•Litoral
Norte até São Vicente: Toponímia de nomeação direta.
•Tupi
antigo, Língua
Geral da costa e nheengatu
–Tupi
antigo: até
século
XVI
–Língua Geral: até segunda metade do séc. XVIII
–Nheengatu:
segunda metade do séc. XIX
•Permanência do topônimo.
–Litoral
paulista: Itanhaém, Guarujá , Bertioga, Peruíbe, Engaguaçu.
–Litoral
brasileiro: Pernambuco, Sergipe, Paraíba...
–Em
São
Paulo: r. Tietê,
t. Tamanduateí,
rib. Anhangabaú,
Ipiranga.
Principais
motivações:
•Campo
físico:
nomes descritivos;
•Campo
social: Influência
em vários
elementos da cultura material e espiritual. Ex.:
-Camucim (“pote
pequeno”, AH, PA)
-Carimã (“farinha fina”, AH, PA)
-Mairiporã
(“cidade bonita”, AH, SP)
-Ubá (“canoas feitas de
casca de árvore (...) ajustadas com cipó, pequenas e leves”, r. MG)
-Uru (“cesto”, r. GO)
-Caipora (“gênio anão de um pé só”, AH, PE)
DADOS
FÍSICOS: A importância do fator geográfico. Igarapé e paraná.
HIDROGRAFIA –
Exemplos da toponímia
tupi na Amazônia
•Incorporação ao português – tipologia de acidentes físicos:
-igarapé / -paraná = reflexo do ambiente (perda semântica e fossilização – Sul)
Igarapés: canal (ygara: “pequena canoa
escavada em um só
tronco”) – “caminho da canoa” – Th. Sampaio: “canal, furo ou
braço de rio, ou esteiro, nos estados do Amazonas, Pará e Maranhão);
- pequeno emprego na toponímia;
-alto emprego como elemento genérico
(acidente físico):
igarapé do Açaí (RR), igarapé do Apuí (AC) , igarapé Apurine (AC),
igarapé Araraquara (PA).
Paranás – canais, acesso aos grandes rios.
Martius: o caminho é
paraná quando não pode ser igarapé (volume de água)
etimologicamente: paraná
(tupi) equivale a rio.
Fixação da lexia paraná na toponímia brasileira
como entidade geográfica: paraná do Acará (AM), paraná Jacaré (AM), paraná
Jacupará (AM), paraná Pacatuba (AM).
•Paraná como topônimo na região Sul/Sudeste: fossilização (também fossilizados: pará / contrações perná / parná):
•Paraná (ilha, AM);
•Paranaguá (AH, PR);
•Paranaí (AH, SP);
•Paranapitanga
(AH, SP);
•Parnaíba (rb., MT);
•Pernambuco
(AH, PE).
–Forma
linguística
que expressa o conceito de líquido,
incorporando o conteúdo
de “rio”: /'y/ (registros coloniais de
Tupi e Guarani antigos)
-paraná/igarapé = área marcada
'y: disperso no território (variante: – u)
Formação toponímica e incorporação do termo
genérico ('Y):
· Posição sintagmática inicial ('y + adjetivo):
Icuera (rcho. CE), Iguaçu (r. PR), Iguape (r. RJ),
Ipiranga (r. ES), Ipitanga (r. BA)
Uberaba (AH
MG), Utinga (AH. AL, r. BA), Upanema (AH RN)
· Posição sintagmática final
(substantivo + 'y):
Acaraí (r. BA); Anhangaí (córr. SP); Jacareí (r.
PI); Tamanduateí (r., SP)
Camboriú (AH SC), Mundaú (r. PE), Taquarú (r. SP)
· Posição sintagmática medial
(subst. + 'y + pe –preposição):
Peruíbe (AH SP); Capibaribe (r. PE), Sergipe (r.
SE), Jaguaripe (r. BA).
2.
Topônimos históricos de origem guarani.
Jover Peralta –
características:
•Reflete
aspectos concretos do elemento geográfico
designado;
•Associação a aspectos práticos;
•Associação à flora e fauna.
Dicionário
de Guarani disponível em: http://www.portalguarani.com/454_anselmo_jover_peralta/22092_diccionario_guarani__espanol_y_espanol__guarani__por_anselmo_jover_peralta_y_tomas_osuna.html
Em primeiro lugar, é interessante observar uma distribuição
bastante geral da toponímia de origem indígena do Brasil, considerando-se as
grandes regiões do país. O conteúdo desta aula baseia-se, sobretudo, em dados
levantados por Dick (1990) e autores por ela citados. Vale lembrar que os
estudos da autora visaram ao Brasil como uma macro região e sua base de coleta
foi oÍndice dos topônimos contidos na Carta do Brasil 1:1 000 000, do IBGE
(VANZOLINI, P.E; PAPAVERO, N.; Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. São Paulo : FAPESP, 1968). Apesar de a fonte primária do estudo não ser
recente é improvável que haja alterações significativas, pois o estudo da
autora está centrado, sobretudo, nas nomeações dos cursos de água, que, segundo
Dauzat (1926), mantêm nomeação estável por sua perenidade.
Observação importante e válida para toda a toponímia de filiação
indígena aqui tratada: Dick traz diversificados exemplos do território nacional, em
perspectiva sincrônica. Etimologicamente, portanto, os significados são esses. Não há indicação, contudo, de que os
nomes tenham sido, em cada caso, realmente dados pela presença indígena,
sobretudo em nomes de municípios, aglomerados humanos e povoados. Seria
necessária uma revisão dos históricos de cada um dos exemplos que se refiram a
povoamentos.
A distribuição geográfica
pelos genéricos
Parte importante do sintagma toponímico, o genérico é um elemento
bastante relevante para revelar a distribuição geográfica dos topônimos segundo
sua filiação linguística, já que muitas vezes o genérico indígena não é
identificado pelo falante de português brasileiro; sendo as línguas indígenas
brasileiras de natureza aglutinante ou incorporante, o genérico apresenta-se no
mesmo bloco que o nome propriamente dito.
Todos os topônimos de origem indígena são acompanhados de um
genérico em português para a acomodação ao sistema toponímico brasileiro e
também porque, em casos de nomes descritivos, a descrição do elemento
geográfico (“morro pelado”, “água brilhante”) foi interpretada como nome e não
como uma descrição de fato.
Topônimos de origem tupi:
Hidrografia (genéricos)
A toponímia de filiação
tupi pode ser dividida, como já se viu, entre nomes históricos (da época
colonial) e hibridismos. Também nomes da língua geral podem engrossar essa
lista, dando a impressão que boa parte da toponímia brasileira de origem
indígena é, de fato, tupi.
A
motivação dos topônimos de origem tupi revela uma cultura rica e bastante
refinada tecnológica e espiritualmente. Exemplos:
Camucim (“pote pequeno”,
AH, PA).
Carimã (“farinha fina”,
AH, PA).
Mairiporã (“cidade
bonita”, AH, SP).
Ubá (“canoas feitas de
casca de árvore (...) ajustadas com cipó, pequenas e leves”, r. MG).
Uru (“cesto”, r. GO).
Caipora (“gênio anão de
um pé só”, AH, PE).
Do litoral norte até São Vicente, pode-se afirmar que a toponímia tupi é de nomeação direta, provavelmente
instalada já antes do século XVI, presente em documentos e cartografia
coloniais e permanecendo até os dias atuais. Exemplos:
Litoral paulista:
Itanhaém, Guarujá, Bertioga, Peruíbe, Engaguaçu.
Litoral brasileiro:
Pernambuco, Sergipe, Paraíba...
Em São Paulo: Rio Tietê,
Rio Tamanduateí, Rib. Anhangabaú, Riacho Ipiranga.
Os genéricos paraná e igarapé: presença na Amazônia.
Passando à questão hidrográfica, observamos sobretudo na região
norte elementos geográficos incorporados ao português brasileiro, como paraná e igarapé. Ambos são elementos hídricos
característicos da Amazônia, não presentes em outras regiões do país. Assim, em
outras regiões esses nomes aparecem desvinculados do ambiente.
Etimologicamente, igarapé pode significar canal ou “caminho da
canoa” (ygara: “pequena canoa escavada em um só tronco”); para T.
Sampaio é “canal, furo ou braço de rio, ou esteiro, nos estados do Amazonas,
Pará e Maranhão. Possui pequeno emprego como topônimo, mas, em contrapartida,
altíssimo emprego como elemento genérico: igarapé do Açaí (RR), igarapé do Apuí
(AC), igarapé Apurine (AC), igarapé Araraquara (PA).
Igarapé
do Rio Novo ou Sonrisal (Colares, PA). O topônimo paralelo, segundo a
Secretaria de Estado de Turismo do Pará, vem do fato de suas águas geladas
serem ótimas para curarem ressacas causadas pelo excesso de bebida alcoólica. In:
http://setur.pa.gov.br/sites/default/files/pdf/iot_colares1.pdf