Coleção 1 – Fundações diretas: segurança contra ELS e provas de carga

1) Projetar fundações implica a necessidade de prever deslocamentos (critério de segurança: ELS) e comparar solicitações com resistências (critério de segurança: ELU). Para tanto é necessário conceber um modelo (em geral matemático) do problema. O conhecimento das camadas constituintes do solo, posição do nível d’água, enfim, de todas as informações fornecidas por uma sondagem de simples reconhecimento, é condição necessária para a formulação do modelo. Esse conhecimento permitirá, por exemplo, distinguir solos passíveis de sofrer pequenas variações volumétricas (areias, siltes, argilas fortemente sobre-adensadas) daqueles sujeitos a grandes variações volumétricas e grandes deslocamentos relativos entre partículas (argilas saturadas, normalmente adensadas ou levemente sobre-adensadas). Para os primeiros o modelo será complementado, para a previsão de recalques, com a Teoria da Elasticidade; já para os últimos será essencial uma Teoria de Adensamento. Para a verificação da segurança contra ELU, a Teoria da Plasticidade, por exemplo, será incorporada ao modelo. Os modelos de todas essas teorias exigem parâmetros muito distintos. As sondagens permitirão ainda distinguir os solos francamente drenantes dos pouco permeáveis e, portanto, a necessidade de escolher entre os parâmetros drenados e os não drenados.

2a) Escolher um ponto do trecho linear (vamos utilizar Teoria da Elasticidade linear para interpretar a prova de carga). Escolha diferentes pontos nesse trecho e avalie a influência no resultado. Tomando, por exemplo, o ponto de carga 900 kN e recalque de 16,5 mm, obtemos a seguinte resposta: ~ 26 mm.
Observação importante: na expressão da Teoria da Elasticidade utilizada para a interpretação da prova de carga e para a previsão do recalque há apenas dois parâmetros elásticos, módulo de Young e coeficiente de Poisson. Esse fato não lhe pode passar despercebido! Ele indica pelo menos duas características do modelo adotado: 1) admite que o solo seja isotrópico,  senão haveria um maior número de parâmetros elásticos (cinco no caso de anisotropia cruzada, por exemplo); 2) admite que o terreno seja homogêneo, senão haveria uma variação de parâmetros elásticos de ponto para ponto (em profundidade por exemplo). Esse modelo só pode ser adotado, portanto, se você tiver indícios de que essas duas hipóteses são válidas. A primeira, embora raramente verificada nos terrenos naturais, é usual e pragmaticamente admitida porque permite previsões de qualidade razoável. A segunda depende de uma inspeção do perfil do subsolo obtido em uma sondagem de simples reconhecimento: não pode haver, por exemplo, um crescimento significativo de NSPT com a profundidade, pois isso já poderia indicar um solo heterogêneo. Examinar a sondagem é sempre essencial!

2b) Dois parâmetros elásticos, equação única. Necessário estimar um deles para conhecer o outro. Gama de variação de Poisson é mais estreita (qual é mesmo?), portanto mais fácil estimar. Seguem alguns valores típidos de \(\nu\), segundo Barkan et al. (1962):

  • argila saturada: 0,5
  • argila com areia e silte: 0,3 a 0,42
  • argila não saturada: 0,35 a 0,40
  • solo arenoso: 0,15 a 0,25
  • areia pura: 0,3 a 0,35

Para a argila siltosa saturada em questão parece razoável admitir um valor alto, 0,45 por exemplo. Resposta: ~ 54 MPa.

Verificar influência (relativamente pequena) do coeficiente de Poisson admitido sobre o módulo de Young. Para \(\nu = 0,35\) a resposta seria: ~ 60 MPa

2c) tensão de 800 kPa adequada? => duas perguntas: segura contra ELS? segura contra ELU?

ELS: 26 mm Ok? Depende do que está acima.
26 mm é apenas o recalque absoluto de uma sapata. Recalque diferencial? Recalque diferencial específico? Estudar item 2.5 do Fundações, vol. 1 (Velloso e Lopes). Critério usual: recalque diferencial específico < 1:500.
26 mm = recalque absoluto da sapata, provocado por ela mesma; sapatas vizinhas contribuirão para aumentar os recalques absolutos, mas essas influências cruzadas tendem a reduzir os recalques diferenciais (em relação àqueles calculados isoladamente para cada sapata). Efeitos (tensões e deformações) de um carregamento de semi-espaço infinito (≈ sapata apoiada no terreno) não se restringem à vertical abaixo do carregamento!

ELU: 800 kPa está "distante" da ruptura? Na prova de carga a ruptura se deu mais ou menos com 2000 kN, tensão de 4000 kPa. Argila siltosa saturada, solicitação não drenada. Critério de resistência: Tresca, resistência não drenada \(s_u\). Da mesma maneira que a prova de carga permitiu, através da Teoria da Elasticidade, determinar os parâmetros elásticos do solo, ela permite, através da Teoria da Plasticidade, determinar os parâmetros de resistência (\(s_u\) no caso). Na página 3 da Coleção, o ábaco adequado é o de Skempton (Fig. 6.5). A placa do ensaio é circular e \(D/B \cong 1\), portanto \(N_c \cong 7,8\) e \(s_u \cong 513 kPa\).
Sapata de 2 m x 3 m deve ter pelo menos 1 m de altura, portanto \(D/B \cong 0,5\). Da Fig. 6.5 da página 3 da Coleção, \(N_c \cong 6,6\) e, portanto, \(q_{rupt} \cong 3386 kPa\). Logo \(F \cong 4,2\), adequado com folga, segundo a NBR6122. A NBR6122/2010 admite também a utilização de fatores parciais de majoração de ações e minoração de resistências. Contexto histórico importante: estudar item 7.4.4 do livro FTP (Fundações: Teoria e Prática).

ELS é que condiciona a tensão admissível nesse caso, não ELU. E conhecer o tipo de solo foi essencial para escolher os modelos adequados para verificar a segurança.

3) Para começar, compare o resultado de campo da segunda prova de carga (Figura 2) com a curva 2 da Figura 1. Procure entender o resultado de campo e como ele foi adaptado para interpretação posterior.

3a) Solo 1 é mais rígido (maior módulo de Young) e mais resistente (maior tensão de ruptura) do que o solo 2.

3b) Mesma curva, escalas diferentes. Atenção às escalas antes de julgar rigidez.

3c) Figura 2 é resultado de campo da prova de carga. Figura 3 é interpretação operacional para projeto.

4a) Resposta: ~ ? m (no Teste 1)

4b) Resposta: ~ ? MPa (no Teste 1)

4c)

ELS: o recalque calculado é provavelmente excessivo para a maior parte das edificações; nos edifícios usuais o recalque diferencial máximo é da ordem de 50% do recalque absoluto máximo;  edificação resistiria a esse recalque de diferencial? Imaginando pilares afastados de 5 m, o recalque diferencial específico seria da ordem de 1:100, inaceitável (em 1:150 as fissuras e trincas na estrutura de concreto armado já se tornam significativas!). Se a segurança contra ELS não está atendida, reduzir a tensão admissível (ou adotar fundação profunda). Estudar item 2.5 do Fundações, vol. 1 (Velloso e Lopes).

ELU: na prova de carga a ruptura se deu mais ou menos com 550 kN, tensão de 1100 kPa. Areia pouco argilosa, solicitação pelo menos parcialmente drenada. Critério de resistência: Mohr-Coulomb, resistência \(s=c+\sigma \times \tan{\varphi}\). Na página 3 da Coleção, o ábacos adequados são os de Terzaghi (Fig. 38). O procedimento para determinação dos parâmetros de resistência do solo (mesmo que apenas ângulo de atrito) é muito trabalhoso e impreciso, devido à própria complexidade da solução (ábacos da figura). É mais comum admitir que, para a mesma profundidade relativa (\(D/B\)), a tensão de ruptura em areias é aproximadamente proporcional à menor dimensão da sapata. Com um ajuste para levar em conta a menor profundidade relativa da sapata de 2 m x 3 m,  a sua tensão de ruptura seria da ordem de 1900 kPa. O coeficiente de segurança \(F \cong 2,4\) é adequado, segundo a NBR6122.

Mais uma vez, ELS é que condiciona a tensão admissível, e conhecer o tipo de solo foi essencial para escolher os modelos adequados para verificar a segurança.

 

5) Teoria da Elasticidade pode ser utilizada para tensões admissíveis no trecho de comportamento linear. Prevê recalques causados por pequenas variações volumétricas e pequenos deslocamentos relativos das suas partículas. Soluções analíticas disponíveis frequentemente obtidas pela integração da solução de Boussinesq (carga pontual na superfície de semi-espaço).

Para solos sujeitos a grandes variações volumétricas e significativos deslocamentos relativos de partículas (solos com partículas lamelares, elevados índices de vazios, argilas marinhas de Santos, por exemplo), outras teorias são essenciais (teoria do Adensamento de Terzaghi e outras). Conheça o perfil do subsolo antes de aplicar qualquer teoria.

6) Teoria sem prática é inútil. Prática sem teoria é estéril. A resposta a esta questão é semelhante àquela relativa à aplicabilidade da Teoria da Elasticidade. Aquela para ELS, esta (Teoria da Plasticidade) para ELU. Importância é relativamente diminuída pelo fato de ELU ser raramente condicionante do dimensionamento nos edifícios modernos. Mas, como se viu, vale a mesma precaução liminar: conheça o perfil do subsolo antes de aplicar qualquer teoria.

Última atualização: segunda-feira, 6 mar. 2017, 12:06