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Lugar da história na sociedade africana (Boubou Hama e J. Ki‑Zerbo) & A tradição oral e sua metodologia (J. Vansina)

Desse livro, queria ressaltar dois capítulos: Lugar da história na sociedade africana e A tradição oral e sua metodologia. Esse primeiro, escrito por Boubou Hama e J. Ki‑Zerbo, traz: o que é, nas sociedades africanas, história, quais as relações com o historiar, a transmissibilidade de narrativas encarnadas na oralidade e em objetos e ritos, a noção de ser agente da história, de ancestralidade e, ao tratar da relação com o tempo (que tem sofrido interferências diante da inserção no universo de lucro e acumulação monetária), pontuam diferenciações nas dimensões de passado-presente-futuro, as noções de tempo histórico, tempo mítico e tempo social e os sentidos atribuídos aos tempos individual e coletivo. A minha idade (marcada por dias, meses, anos, atividades e demandas) é destoante desse dos adeptos das religiões africanas tradicionais, na savana sudanesa, medida pelo número de estações chuvosas. Pode-se traduzir o quão idosa é uma pessoa através do número (de estações das chuvas) ou de uma imagem (dizer "ele bebeu muita água"). É importante, nesse sentido, entender possibilidades de viver e narrar o tempo e memória. Nessas concepções, o tempo não é intervalo entre início e fim, entre o nascer e morrer. No orientar-se para  o passado, costurado ao presente, a memória acessa, apropria e atualiza o vivido e povoa caminhos rumo a um futuro possível. No evocar o que foi vivido, as vozes são muitas: a história do eu é também a história dos ancestrais. Tem um quê disso em Becos da Memória, quando se fala de uma vida que não é só sua, e em uma estrofe na invocação mágica entre os Songhai: o passado não imobiliza, é fio que costura vidas e acumula forças.


Nesse segundo, Vansina fala da oralidade não como fruto de um não saber registrar via escrita: é atitude diante da realidade. E, enquanto um fazer complexo e demorado, o estudar o registro da oralidade exige o escutar, o pesquisar e dialogar com referenciais outros, o examinar e digerir. E ele traz um aspecto curioso: o de, além de estudar o contexto social, histórico, cultural e político, pensar o lugar das obras literárias e seu contágio narrativo. Ao tratar da coleta de tradições orais, fala também das narrativas, do que atravessa a cronologia, do que influencia o fixar ou não determinados eventos, do processo de avaliar as fontes orais, da diversidade de estratégias a partir do que se quer estudar (se a história é religiosa, artística ou política, por exemplo), das indicações fragmentadas de mudanças que escapam à memória, dos perigos da falta de paciência e das generalizações etc. Em se tratando da importância de se ter um bom conhecimento da cultura, sociedade e língua ou línguas, ele comenta que, ainda que a pesquisadora ou pesquisador seja nativa/o, algo do necessário à compreensão da narrativa se perde através de tradições desconhecidas, sinais, tons e gestos, dialetos, figuras mencionadas, enfim.

Referências:
HAMA, Boubou; KI-ZERBO, J. Lugar da História na sociedade africana. In: KI-ZERBO, J (Org): História da África, Metodologia e pré-história da África. São Paulo, Editora Ática/Paris: UNESCO, 1982, Vol. 1.
VANSINA, Jean. A tradição oral e sua metodologia. In: KI-ZERBO, Joseph (org.). História geral da África, Volume 1 - metodologia e pré-história na África. São Paulo: Ática; [Paris]: Unesco, 1982, p. 157.

Cit.: Bárbara R. de Araújo