Angariamento de referências sobre memória social e entrevistas

Comentário para o Texto 1: "No jogo das adequações: questões sobre a construção da memória em entrevistas", de Sandra Cristina Pereira, André Mendes e Rodrigo Cerqueira. 

Os estudos da memória tem se mostrado ricos e necessários para a área da Psicologia, tendo essa área aprendido e elaborado alguns métodos de estudo relativos a esse campo de saber vindos da Sociologia. A relação da memória se dá com a História, mas também com a estória vivida, de modo que o fato identificável no tempo é perpassado pela subjetividade que o experienciou. De acordo com o sociólogo francês Maurice Halbawchs, existe uma diferença entre memória coletiva e memória histórica, pois existem muitas memórias relativas a um fato, mas apenas uma História. A Historiografia, portanto, é essa área de conhecimento relativa à história passível de narração, isto é, aquela que é percebida por alguém que posteriormente a conta. O texto indaga-se “o que estará na base da construção da memória”, uma vez que compreende ser essa uma das fontes da História. Outras perguntas que o texto traz são: qual a relação da memória com o passado e como pode auxiliar na construção do futuro? Quais as dificuldades que existem para se reconhecer o abismo entre relato e realidade? E quais papeis são ocupados por entrevistador e por entrevistado na construção dessa memória?
O texto também deixa claro que a história oral é baseada em entrevistas, porém a entrevista não é o todo da história oral. A entrevista é um conjunto de metodologias postas em prática e a história oral é muito maior do que a possibilidade de fixação que a entrevista dá conta. O artigo também traz a descrição de um trabalho feito junto a profissionais do campo da informação cujas profissões estão em vias de se extinguir ou já se extinguiram – tais como tipógrafos, locutores de rádio, redatores etc. Descreve-se o uso de gravações em som e imagem e a posterior transcrição das entrevistas. O objetivo foi o e de criar um arquivo digital que também servisse como aporte de memória, acessível a todos. Por fim, o texto também traz a problematização da validade científica do uso de memórias orais como base de pesquisa, por remeter à imaginação e ao erro. Porém, também afirma que o lugar da história oral é hoje reconhecido, inclusive pela dimensão de arquivo de saberes humanos.

Comentário do texto 2: “A memória é a matéria essencial das entrevistas: Entrevista com José Carlos Sebe Bom Meihy”, de Agnes Francine de Carvalho Mariano

O presente texto traz a importância que conceitos tais como tempo, historicidade,  temporalidade, memória  e  história oral de vida tem ganhado dentro das discussões em ciências humanas, o que garante à História, como campo de saber, e a sua metodologia própria um lugar privilegiado na construção do pensamento em ciências humanas e comunicação. Como se trata de uma entrevista, vemos aqui a junção de forma e conteúdo na criação de um sentido. O texto faz uma aproximação entre a história oral e o jornalismo, tendo por perspectiva norteadora a centralidade do gênero ‘entrevista’. O entrevistado foi o historiador José  Carlos  Sebe  Bom  Meihy,  professor  titular  aposentado  do  Departamento  de  História  da  Universidade  de  São  Paulo, que atualmente trabalha como professor da Unigranrio e é um grande pesquisador do campo da história oral. A entrevistadora é a autora do artigo, Agnes Francine Mariano, Professora permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Temporalidades da Universidade Federal de Ouro Preto e da graduação em Jornalismo.
Como existe uma motivação da entrevistadora dentro do campo do saber da comunicação, muitas das perguntas-motrizes que encontramos no texto tem por intuito elucidar a relação da história oral com a própria comunicação. A autora aponta que existem interfaces entre os dois campos que vão além das óbvias semelhanças e que é justamente nesse lugar que está o interesse de sua investigação. Mariano aponta a História Oral como parte de um movimento de “renovação da história”, que passou a abarcar outras fontes de memória, tais como a cultura material e os relatos orais na construção de memória. Porém, é clara ao dizer que não se deve confundir o ato de gravar entrevistas com o que é “História Oral”. Diz ela:

“Ela envolve um projeto, com premissas, aportes, objetivos claros, definição de procedimentos, grupos a serem ouvidos, op-ções sobre o tratamento do material coletado, formas de devolução aos entrevistados e disponibilização pública. Neste momento, define-se a vertente do trabalho – história oral  de  vida,  história  oral  temática,  tradição  oral  ou  história  oral  testemunhal  –,  sendo  que  cada  uma  atende  a  diferentes  objetivos  e  implica  modos  distintos  de  condução. A História Oral é pródiga ainda em reflexões sobre o próprio conteúdo das entrevistas – a memória oral –, o que permite complexificar a abordagem dos dados e ajuda o pesquisador a ir além do maniqueísmo e da ingenuidade.” (MARIANO, p.3, 2020).

Em sua entrevista feita com o professor Meihy, Mariano procurou atualizar uma entrevista feita com o mesmo professor 12 anos antes. Meihy defende que a história oral precisa ser feita com preocupação ética e cuidado com os entrevistados, assumindo que o entrevistado é um colaborador para a pesquisa, e nunca só uma pessoa que “informa” sobre algo, que depois será plenamente entendido pelo pesquisador em sua solidão. Dessa forma, a ideia de colocar o entrevistado como “objeto de pesquisa” é problematizada. Ele também defende que toda a pesquisa deve ser elaborada tendo por base um projeto cujos “propósitos e critérios (...) guiarão a definição das redes de colaboradores que participarão do projeto e o destino final do material produzido.”. (MARIANO, p.4, 2020).

A pesquisa deve servir como ferramenta para ampliar o diálogo com a sociedade, de modo que o impacto que a produção científica terá sempre deverá ser considerado. Um ponto interessante que Mariano destaca da fala de Meihy é a relação da memória com o esquecimento, uma vez que eleger narrativas é também uma forma de criar sentidos. Dessa forma, os oralistas estariam particularmente interessados nos atropelos, na contagem não-cronológica, nas imprecisões, uma vez que o que se busca não é o fato histórico per se, mas as versões subjetivadas desses fatos.



Comentários feitos por Laryssa Frezze e Silva nº USP 7613455


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