Descreva a tendência temporal da prevalência de obesidade entre adultos no Brasil e sua possível causa.

GABARITO

A epidemiologia da obesidade no Brasil

No Brasil, a evolução das prevalências de excesso de peso e obesidade da população brasileira pode ser traçada por uma série histórica de inquéritos domiciliares que, apesar de apresentarem ligeiras variações quanto à amostragem e abrangência, fornecem informações padronizadas de peso e estatura, junto com dados socioeconômicos. São eles o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), de 1974-1975, a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), de 1989, e as Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) 2002-2003 e 2008-2009. Para os adultos, inclui-se também a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013.

 

De forma geral, os dados indicam aumentos contínuos e expressivos nas prevalências de excesso de peso e obesidade na população brasileira.

 

Entre os adultos, a prevalência de excesso de peso aumentou continuamente desde meados da década de 70, com especial intensidade entre indivíduos dos estratos mais pobres da população. Nos 34 anos decorridos entre 1975-1975 e 2008-2009, a prevalência de excesso de peso em adultos aumentou em quase três vezes no sexo masculino (de 18,5% para 50,1%) e em quase duas vezes no sexo feminino (de 28,7% para 48,0%). No mesmo período, a prevalência de obesidade aumentou em mais de quatro vezes para homens (de 2,8% para 12,4%) e em mais de duas vezes para mulheres (de 8% para 16,9%). O incremento anual médio foi de 4,7%/ano para os homens e de 2,5%/ano para as mulheres.

 

Para os homens, essa tendência é observada em todas as macrorregiões do País. Por exemplo, em homens da região Sul, a prevalência de excesso de peso aumentou de 23%, em 1974-1975, para 37%¨, em 1989, para 46,6%, em 2002-2003, e para 56,8% em 2008-2009.

 

A prevalência de excesso de peso e obesidade em mulheres também aumentou continuamente na região Nordeste. Nas demais regiões, a tendência é interrompida entre 1989 e 2002-2003, mas retornou em 2008-2009. Por exemplo, entre mulheres da região Sul, a prevalência de excesso de peso aumentou de 36,6%, em 1974-1975, para 47,3%, em 1989, declinou para 44,8%, em 2002-2003, e voltou a aumentar para 51,6% em 2008-2009.

 

Para a população adulta masculina, as prevalências de excesso de peso e obesidade aumentam continuamente em todos os estratos de renda, enquanto para a população adulta feminina pertencente aos dois primeiros quintos de distribuição de renda. No caso das mulheres pertencentes aos três quintos superiores da distribuição de renda, a tendência de aumento foi interrompida entre 1989 e 2002-2003, mas retornou em 2008-2009. Assim, por exemplo, no quinto inferior de distribuição de renda, a prevalência de obesidade em mulheres aumentou de 5,8% em 1974-1975, para 11,6% em 1989, para 13,7%, em 2002-2003, e para 15,9%, em 2008-2009. Já no quinto superior da distribuição de renda, a prevalência de obesidade aumentou de 10,8% em 1974-1975 para 15,4% em 1989, declinou para 13,5% em 2002-2003 e voltou a aumentar para 16,9% em 2008-2009.

 

Análises incluindo as estimativas da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 indicam que a tendência ascendente continua. Para os homens, a prevalência de excesso de peso aumentou de 50,9% em 2008-2009 para 57,3% em 2013 e a obesidade de 12,7% para 17,5%. No caso das mulheres, este aumento foi mais acentuado, passando de 49% em 2008-2009 para 59,8% em 2013, ao passo que a obesidade passou de 17,5% para 25,2%.

 

Para além dos inquéritos domiciliares, desde 2006, o Brasil também conta com um sistema nacional de monitoramento de fatores de risco por entrevistas telefônicas de denominado Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (VIGITEL). Este sistema fornece estimativas anuais sobre a prevalência de excesso de peso e da obesidade (estimados por meio de dados de peso e altura autorreferidos) na população adulta das capitais dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal entre 2006 e 2019. Seus resultados confirmam os aumentos sistemáticos na proporção de adultos com excesso de peso e obesidade em todas as cidades monitoradas, em ambos os sexos, em todas as faixas etárias e em todos os níveis de escolaridade. Entre os homens, as prevalências de excesso de peso e obesidade, passaram, respectivamente, de 47,5% e 11,4% em 2006 para 57,1% e 19,5% em 2019. Entre as mulheres, as prevalências de excesso de peso e obesidade, passaram, respectivamente, de 38,5% e 21,1% em 2006 para 53,9% e 21,0% em 2019. A intensidade do aumento, de mais de 1 ponto percentual ao ano no caso do excesso de peso e de cerca de 0,65 pontos percentuais ao ano no caso da obesidade, indica que, se mantida a tendência de mais de dez anos, cerca de dois terços dos brasileiros residentes nessas cidades terão excesso de peso e cerca de um quarto terão obesidade, magnitude semelhante à encontrada na população dos Estados Unidos.

 

A epidemia da obesidade tem causas complexas e está fortemente relacionada a mudanças ocorridas no sistema alimentar, caracterizadas pelo enfraquecimento do consumo de refeições tradicionais baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados e a ascensão de produtos prontos para consumo, chamados de alimentos ultraprocessados. Alimentos ultraprocessados, como definidos pela classificação NOVA, são formulações industriais tipicamente prontas para consumo feitas de inúmeros ingredientes derivados de alimentos, frequentemente obtidos a partir de colheitas de alto rendimento, como açúcares e xaropes, amidos refinados, óleos e gorduras, isolados proteicos, além de restos de animais de criação intensiva. Eles contêm pouco ou nenhum alimento inteiro em sua composição e são frequentemente adicionados de flavorizantes, corantes, emulsificantes, edulcorantes, espessantes e outros aditivos que modificam os atributos sensoriais. Os ingredientes e procedimentos utilizados na fabricação de alimentos ultraprocessados visam criar produtos de baixo custo, hiperpalatáveis e convenientes, com potencial para substituir alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias feitas com esses alimentos.

 

Estatísticas de vendas de alimentos mostram um maior consumo de alimentos ultraprocessados ​​em países de alta renda, mas um crescimento rápido e exponencial em países de renda média. Entre 1998 e 2012, as vendas de snacks doces e salgados e de refrigerantes aumentaram em 50% nos países de renda média-alta e em mais de 100% nos países de renda média-baixa. No Brasil, pesquisas de aquisição de gêneros alimentícios, para consumo domiciliar, realizadas nas áreas metropolitanas entre 1987-1988 e 2008-2009 e no país como um todo entre 2002-2003 e 2017-2018, indicam aumentos sistemáticos na participação de alimentos ultraprocessados e redução concomitante dos alimentos in natura ou minimamente processados e de ingredientes culinários, como óleos e açúcar.

 

Referências

Monteiro CA; Levy R.B. Velhos e novos males da saúde no Brasil: de Geisel a Dilma São Paulo: Hucitec, 2015.

MONTEIRO, C. A. et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr, v. 22, n. 5, p. 936-941, Apr 2019. ISSN 1368-9800.

Conde W e Monteiro CA. Nutrition transition and double burden of undernutrition and excess of weight in Brazil. Am J Clin Nutr. 2014 Dec;100(6):1617S-22S.

Stuckler D. et al. Manufacturing Epidemics: The Role of Global Producers in Increased Consumption of Unhealthy Commodities Including Processed Foods, Alcohol, and Tobacco. Plos Medicine 2012; 9 (6), e1001235


Última atualização: quarta-feira, 24 jun. 2020, 09:59