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Deslizes

por Talita Carvalho da Mota e Silva - terça-feira, 25 jun. 2013, 16:52
 

O deslize, para Freud, é prova inexorável da existência do inconsciente e de suas operações cotidianas, em todos. É um modo de legitimar as reivindicações dele para o inconsciente em um nível universal. O deslize perturba o texto autorizado em seus níveis mais elementares, esses da palavra e da letra. Pode mostrar como um texto se aproxima, se afasta, circula ao redor, de outros. O deslize pode evidenciar as estruturas da escrita que explicitamente se constitui como analítica e critica da escrita de outros, das palavras citadas, emprestadas.
Qualquer um que tenha tido o infortúnio de proferir um deslize durante um argumento, perdendo assim uma posição de superioridade retórica, ou de ter escrito um deslize que de alguma maneira comprometeu sua autoridade ou credibilidade, sabe que uma teoria do inconsciente não é requerida para se apreciar a erupção de sentido que um deslize implica: apenas um leitor ou ouvinte que interpretem o deslize em seu valor literal já é o suficiente.
Um deslize não apenas significa alguma outra coisa; muito mais do que isso; o deslize adquire sentido no contexto em que aparece. O poder de um deslize Freudiano para perturbar a linguagem e as relações sociais vem do fato que é mais do que um pensamento; sempre é o resultado de uma ação incorporada. Um deslize insiste em reprise, inevitavelmente na presença, atual ou iminente, de outra pessoa. Não pode ser ocultado. O deslize significa que seu autor não é uma autoridade, porque até mesmo seu próprio discurso é descontrolado.
Ao escrevermos sobre deslizes arriscamos cometer deslizes, sermos infectados por eles. O deslize representa território perigoso para a pessoa cuja identidade, ainda que teoricamente bem informada, depende de interpretações convincentes. Ele pode funcionar como um convite inconsciente à ego-revelação, desmantelando, em um movimento, o mito da autoridade unitária. O deslize implica a possibilidade de discursos múltiplos e de verdades sobrepostas.
Se for usado como uma ocasião para envergonhar o autor, então o sentido do deslize pode ser revelado como um modo de manter poder sobre este autor. Mas, se é visto, ao invés disso, como uma manifestação de conhecimento previamente ignorado, e uma função de espontaneidade psíquica e intelectual, então pode ser contagiamente instrutivo.

 

Fonte: Deslizes freudianos, Mary Gossy In: Mulher, a escrita, a língua estrangeira. Michigan UP, Ann Arbor, 1995. (Fragmentos em tradução livre de Artur Matuck).

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