Seleção Natural


Mecanismos evolutivos - Seleção Natural


Alguns exemplos de seleção natural são bastante conhecidos, como a resistência a pesticidas em insetos ou a resistência a antibióticos em bactérias. Recentemente, ouvimos muitas notícias sobre uma superbactéria, que infectou pessoas em diferentes regiões do país. Várias reportagens diziam que essas bactérias poderosas haviam “adquirido” resistência aos antibióticos. Você concorda com essa afirmação?

Para responder a essa questão, compare duas frases parecidas, mas que expressam teorias bastante diferentes:

1) Os insetos desenvolveram resistência ao pesticida, sobrevivendo e deixando mais descendentes.

2) Os insetos resistentes ao pesticida foram favorecidos, tiveram maior taxa de sobrevivência e deixaram mais descendentes.

Qual a principal diferença entre elas? Pela primeira frase, os insetos são os sujeitos do processo evolutivo, eles “criaram” resistência no momento em que tiveram contato com um pesticida e passaram essa resistência aos seus descendentes. Ao falarmos dessa forma, estamos adotando a noção de caracteres adquiridos (atribuída a Lamarck, mas na verdade já comum antes dele), em que os insetos, ao terem contato com um pesticida tóxico, adquiriram alguma estrutura ou processo que lhes conferiu resistência e passaram essa característica às suas proles.

Na segunda frase, os insetos são o objeto do processo evolutivo, ou seja, aqueles que já possuíam alguma característica que conferia resistência sobreviveram em maiores taxas, tiveram a possibilidade de passar aos seus descendentes essa característica que, ao longo do tempo, resultou em uma adaptação.

Assim, dizer que as bactérias adquiriram resistência aos antibióticos nos leva a entender que esses medicamentos causaram alguma alteração nas bactérias, deixando-as mais resistentes. Se pensarmos segundo os mecanismos que já vimos (como mutação e seleção natural), algumas poucas bactérias já continham um tipo de mutação que as tornava mais resistentes. Essas bactérias mutantes sobreviveram em organismos tratados com antibióticos. A resistência (já presente antes do contato com os fármacos) é passada às suas células-filhas, aumentando cada vez mais a frequência dessa característica na população.

Entretanto, é importante frisar que a adaptação não é uma condição perfeita e não leva a níveis cada vez mais avançados. Evolução não é progresso. Como lembra o biólogo John Maynard Smith, se a Evolução fosse uma melhoria constante, o melhor fenótipo viveria para sempre, sempre escaparia de seu predador, teria mais descendentes e assim por diante. As características selecionadas são aquelas que, entre todas as outras variações encontradas dentro de uma população, representam as mais favoráveis para a sobrevivência em determinadas condições ambientais e em um tempo determinado. Elas não são características perfeitas que permitem a sobrevivência do organismo em qualquer desafio colocado pelo ambiente em que ele vive.

Vale lembrar ainda que a Evolução não é linear. É comum ouvirmos que “os peixes viraram sapos” ou que “o homem veio do macaco”. Essas colocações são bastante equivocadas, pois dão a impressão de que os peixes se transformaram em anfíbios (bem como os macacos em humanos) e deixaram de existir há tempos! Essa visão linear da Evolução, que já criticamos tanto no vídeo analisado no início desta aula quanto na figura sobre a evolução humana, ajuda a fortalecer a ideia de progresso no processo evolutivo.

Outro ponto relevante é o fato de que, embora não seja um processo ao acaso, já que há pressões seletivas específicas para cada caso, a Evolução não tem uma finalidade, não há um projeto que visa à “melhor adaptação”. Entretanto, é comum encontrarmos, em livros didáticos ou revistas de divulgação científica, expressões como “o coração foi feito para bombear o sangue” ou “os animais precisavam ocupar o ambiente terrestre, então desenvolveram quatro patas e um ovo com casca”.

Com essa forma de falar, muitas vezes induzimos os estudantes à ideia de que as adaptações que vemos hoje surgiram para satisfazer as necessidades dos organismos em algum momento de suas vidas. Uma dificuldade no Ensino da Evolução é justamente essa: nossas concepções cotidianas influenciam nossas falas de tal forma que, muitas vezes, não nos damos conta de que podemos levar a um pensamento que não é coerente com o aceito cientificamente.

Leia o texto: "Falando de Evolução", de Ivan Dias,  para uma maior reflexão sobre os problemas de usarmos uma linguagem finalista no Ensino de Evolução.