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Proposta do Curso

 

Desde o esgotamento do ciclo desenvolvimentista o Brasil procura novos caminhos para crescer de modo constante e sustentável. As condições atuais, porém, são distintas dos anos 40, 50, 60 e 70, em que a economia cresceu rápida e intensamente por décadas. Mais recentemente, o Brasil vivenciou processos políticos traumáticos após as mobilizações de 2013, as eleições presidenciais de 2014 e o impeachment da Pres. Dilma Rousseff em 2016, que desaguou no governo Temer e na eleição de Jair Bolsonaro em 2018. No final do ano seguinte, 2019, o mundo teve de enfrentar a pior pandemia dos últimos 100 anos, que infectou e tirou a vida de milhões de pessoas e cujas consequências ainda estão longe de seu esgotar. A Covid-19 continua ativa e somente no Brasil foram registrados até o momento cerca de 660 mil óbitos. A condução errática do governo brasileiro aprofundou a crise na saúde, que contaminou a economia e atingiu os fundamentos da sociedade brasileira. Não somente a economia passou por forte retração, como no domínio da política, o país enfrenta situação crítica de perda de coesão social, de vulnerabilidade institucional, de aumento da pobreza e das desigualdades e de corrosão da democracia

Não bastasse o impacto global do SARs-CoV-2, a invasão da Ucrânia pelo exército russo indica, no mínimo, que o mapa da geopolítica mundial terá de ser refeito, além dos distúrbios provocados nas economias e sociedades de todo o planeta.

A onda de insegurança que percorre o globo afetará de modo duradouro o modo de se viver e trabalhar, com impactos de longa duração na economia mundial, particularmente danosos para os países em desenvolvimento. As crises passam, por mais dolorosas que sejam. Mas, para superar os desafios dos próximos anos, a reflexão sobre as perspectivas de longa duração é mais do que nunca necessária.

A crise atual tem várias faces. Este curso, sem ignorar as circunstâncias e o ambiente tóxico em que vivemos, vai se deter sobre os imensos avanços da ciência, da tecnologia e da inovação (CT&I), que nasceram nas economias avançadas, mas que tendem a alterar o modo de vida em todos os países, com impactos visíveis nos emergentes, que já percebem o aumento das desigualdades entre as nações.

No Brasil, o esforço para se aproximar dos avanços científicos e tecnológicos em curso nos Estados Unidos, na China, Reino Unido, Alemanha, Coreia, Japão, França, Canadá, para citar os mais avançados, terá de ser redobrado e somente terá início com a interrupção do movimento regressivo iniciado nos últimos anos e que  se manifesta na segregação e corte de verbas para as universidades, na drenagem das fontes públicas de financiamento e no enfraquecimento das instituições e no sistema nacional de CT&I, fruto das atitudes anti-ciência promovidas pelas mais altas autoridades do país.

O Brasil precisa reconstruir o ecossistema de CT&I. Suas instituições precisam funcionar e todo o ambiente de pesquisa e inovação precisa encontrar estabilidade e previsibilidade para ser capaz de formar novas gerações de cientistas capazes de internalizar e desenvolver tecnologias críticas, a exemplo da Inteligência Artificial. Não será fácil, pois as estratégias estão em disputa na arena política e qualquer desenlace positivo exigirá muita determinação do setor público, do privado, das universidades e de todas as instituições da sociedade civil.

A perda recorrente de oportunidades e de horizontes de longo prazo geraram no Brasil uma economia de baixo desempenho, que resiste em diminuir as enormes desigualdades sociais. A economia pouco inovadora tem dificuldades para elevar a produtividade do trabalho e ampliar os frágeis mecanismos de proteção social. A baixa qualidade da educação e a ausência de foco e prioridade em Ciência e Tecnologia despontam como fortes entraves que perduram há décadas.

Não à toa, a reflexão sobre os caminhos do desenvolvimento brasileiro é mais do que atual. E no ponto de partida, o reconhecimento que o mundo mudou, as sociedades se transformaram e o Brasil mudou ainda mais, sendo que os avanços sociais alcançados nem sempre conseguiram ser mantidos.

Alternativas? É o que muitos buscam ou propõem. Mas sem entrar em sintonia com as transformações do mundo atual, a começar pela nova onda de CT&I, dificilmente o nível de desenvolvimento do país entrará em um ciclo virtuoso.

O presente curso está formatado para introduzir o debate sobre os desafios da CT&I e as interfaces com a Sociologia Digital. A sociologia digital é um campo de estudo em formação que pretende reinventar a pesquisa social. Na raiz de seu empenho, a preocupação com o diálogo entre disciplinas diversas, como a ciência da computação, filosofia, psicologia, neurociências, direito e as engenharias. Para além da análise do comportamento de dados, seu alvo é o delineamento do digital como fundante das interações sociais contemporâneas.

Nesse universo, as tecnologias de inteligência artificial ganharam proeminência ao se conformarem cada vez mais como tecnologias de propósito geral. Ao viabilizarem interações inéditas entre a vida social, a economia, a política e a cultura, o desenvolvimento recente da inteligência artificial, representa um ponto de inflexão na trajetória da ciência moderna e coloca desafios imensos para a pesquisa e para a sociedade. 

O novo ciclo tecnológico abre janelas de oportunidades para países em desenvolvimento. Mas qual o lugar que a CT&I podem e devem ocupar no desenvolvimento brasileiro? Qual o seu desempenho efetivo? O Brasil pode caminhar na direção de uma sociedade sustentável? Está preparado? Está se preparando?

No ponto de partida o reconhecimento da grande a distância que separa a produção de CT&I no Brasil das práticas desenvolvidas nos países avançados, aqueles que definem as tendências mundiais. Como diminuir esse déficit, principalmente quando é flagrante o aumento do gap que separa o Brasil também de países que há pouco estavam mais atrasados, a exemplo da Coreia e da China.

As mudanças que ocorrem no mundo e a rapidez com que a CT&I avançam colocam questões que pedem cada vez mais a intervenção da Sociologia para o equacionamento de seus impactos sociais, sejam positivos ou negativos.

O presente curso está formatado para analisar as consequências sociais do avanço tecnológico atual de modo a identificar obstáculos estruturais e desafios para o desenvolvimento brasileiro.

O envelope sociológico que reveste o curso não foi pensado apenas para alunas e alunos interessados em sociologia. Como curso de encruzilhada, será́ mais rico e dinâmico quanto maior for a diversidade e a disposição de seus participantes.