Os relatos de ex-escravizados constituem um gênero literário de grande importância histórica, que abarca diferentes formas de registros autobiográficos de sujeitos submetidos aos tráfico e à escravidão atlântica. Esse tipo de narrativa foi mais comumente publicado em países de língua inglesa no Mundo Atlântico, como os textos de Mahommah Gardo Baquaqua, Olaudah Equiano, Harriet Ann Jacobs, Harriet Tubman, Frederick Douglass, Solomon Northup, entre outros. Na América Latina há registros excepcionais como a “autobiografia do poeta escravo” cubano, Juan Francisco Manzano. Na América Portuguesa e no Brasil, embora escritos desse gênero literário sejam raros, pesquisas recentes têm explorado registros (supostamente) escritos por escravizados e ex-escravizados entre os séculos XVIII e XIX, que manifestam suas percepções sobre diferentes situações e contextos, mas sobretudo acerca da escravidão, como é o caso de Esperança Garcia (século XVIII) ou Teodora Dias da Cunha (século XIX). Além disso, os escritos de Maria Firmina dos Reis e Luiz Gama, considerados fundadores da literatura afro-brasileira, expressam visões de pessoas negras livres e libertas acerca dos complexos processos sociais vivenciados na sociedade brasileira escravista do século XIX. Este curso tem o objetivo de proporcionar aos alunos e alunas leituras e discussões sobre narrativas e biografias de africanos e afrodescendentes nas Américas, cujos escritos e trajetórias individuais expressam as experiências de escravização, resistência e emancipação e dialogam com os processos abolicionistas nas Américas, entre os séculos XVIII e XIX. Também serão abordados os relatos sobre as trajetórias individuais de homens e mulheres escravizadas nas Américas publicados no projeto Peoples of the Historical Slave Trade (https://enslaved.org/stories). Ademais, o recorte temporal será extrapolado com a inserção de duas narrativas do século XX – da brasileira Carolina Maria de Jesus e da martinicana Françoise Ega – que dialogam entre si e expressam as (escre)vivências de mulheres negras no mundo atlântico pós abolição, visando compreender e comparar em uma perspectiva transnacional as experiências de gênero, raça e classe para além da escravidão, embora historicamente nela arraigadas.