Para o historiador, a Bíblia hebraica suscita um problema complexo: sua tradição milenar e ampla difusão convivem com uma inserção questionada e insatisfatória no processo de produção do conhecimento historiográfico. Reverter esse quadro implica uma dupla tarefa: inserir adequadamente a Bíblia na história (considerando-a como produto de comunidades variadas em momentos diversos de sua trajetória, no contexto do antigo Oriente-Próximo) e introduzir a história na Bíblia (reconhecendo-lhe sua natureza social, cultural e política, para além de sua dimensão teológica).
O curso privilegiará três campos de análise: o ciclo de Abraão (Gênesis); a trajetória de Moisés (Êxodo a Deuteronômio); a figura de Yahweh como deus único e a emergência do monoteísmo. Outros temas (ver abaixo) serão considerados, sobretudo através da análise documental.
Nas últimas décadas, a historiografia do antigo Israel e os estudos acerca da Bíblia passaram por profundas transformações, que propuseram novas abordagens e buscaram superar velhas e arraigadas tradições. Os estudos de trauma e da memória ocuparam um papel central nessa renovação. No curso, nosso foco serão os processos de trauma social coletivo e as modalidades de seu processamento, particularmente sua influência na confecção de várias narrativas bíblicas, assim como a fabricação de dispositivos de memória cultural, que visaram criar ou reformular identidades comunitárias lastreadas na imagem de um passado compartilhado, definir ações presentes em meio às crises e disputas político-ideológicas e orientar projetos de futuro.