Cabe desnaturalizar sociologicamente o cotidiano como modo de vida. Importa, pois, retirá-lo de sua aparente obviedade e insignificância assumindo como ponto de referência de natureza epistemológica, para a sua compreensão, aquilo que Florestan Fernandes certa vez chamou de “teia de interações e relações sociais”, mas que também contém representações e é inerente também ao cotidiano, como fenômeno social que é.

            Para tanto, vale a pena considerar que, para além das acepções que assume no senso comum e na própria sociologia, cotidiano diz respeito a um modo socialmente específico de se relacionar com o tempo cuja marca é a repetição sequencial de modos de (inter)agir e se relacionar, de sentir e pensar, tanto que sinônimos socialmente recorrentes do adjetivo são “rotineiro”, “costumeiro”, “habitual”. No primeiro momento da disciplina, trata-se de inquirir o que expressões culturais diversas (textos sociológicos pioneiros, a literatura, o cinema, a arquitetura e o urbanismo) trazidas a público na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil em momentos diversos entre meados do século XIX e do século XX, revelam a respeito de quando e de como o cotidiano emergiu historicamente como problema social, nessas diferentes regiões do mundo.

            Mas como explaná-lo sociologicamente? Os quatro eixos temáticos subsequentes da disciplina apresentarão aos(às) estudantes de Ciências Sociais as principais vertentes teóricas e metodológicas que, na história da sociologia na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, têm se dedicado a conceituar essa modalidade de vínculo social com o tempo, sendo que, notadamente em relação ao debate em nosso país, o intuito de desnaturalização sociológica terá como apoiar-se ainda no confronto das respectivas conceituações com a realidade empírica local. De fato, virá à tona que a trajetória institucional da sociologia nesses cenários acadêmicos conta com autores que, contemplados retrospectivamente, se particularizam por ter elucidado, por ângulos teóricos simultaneamente diversos e originais, uma, outra ou ambas de duas facetas específicas do cotidiano: sua imediaticidade e sua historicidade. Eis o que permite conceber tais abordagens como sociologias do cotidiano, para além dos rótulos que cada autor atribui a sua própria perspectiva.

            Familiarizar-se com estas é aprender que o (próprio) cotidiano é socialmente construído ou (também historicamente) produzido – dependendo da perspectiva teórica. E, assim, aprender também o quanto a possibilidade desse reconhecimento deve às sociologias forjadas em torno do fenômeno.