O número de médicos crescerá em grande velocidade no Brasil, dos atuais 430 mil para 600 mil na próxima década, resultado da abertura de dezenas de novos cursos de medicina, sobretudo privados, após a aplicação da Lei Mais Médicos, de 2013. Com a pressão das entidades médicas e da opinião pública, teremos um “Exame de Ordem” para medicina? Haverá vagas de residência médica para todos? O governo irá controlar a escolha da especialidade em cada região do País? A pesquisa Demografia Médica poderá ajudar no dimensionamento global da quantidade de médicos no País, o que poderá auxiliar a definir as demandas do sistema de saúde e as reais necessidades da população, pois inclui fatores como idade, sexo, anos de formado e especialização. Também existem informações sobre fixação e mobilidade territorial, remuneração, vínculos, carga horária, produção, comportamentos, escolhas e práticas dos médicos. Somam-se às políticas e à organização do sistema de saúde brasileiro, incluindo o financiamento, a formação de recursos humanos, os equipamentos, a oferta, o acesso e a utilização dos serviços, assim como as condições de saúde e de vida da população, que repercutem na disponibilidade, inserção e atuação dos médicos. Ao analisar a participação dos médicos nos setores público e privado da saúde, a Demografia Médica acrescenta outra dimensão além da distribuição de médicos, a desigualdade público-privada, para além das disparidades também ressaltadas: geográfica, de gênero, por especialidades e devido à diversidade de atuação.

A distribuição de médicos é marcada por desigualdades regionais, estaduais e entre as capitais e interiores. Por exemplo, as 39 cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes concentram 30% da população e 60% de todos os médicos do País. O número de médicos especialistas no Brasil, distribuídos em 54 especialidades, está aumentando após políticas de expansão dos programas e vagas de residência médica, mas as desigualdades na distribuição de especialistas no País segue o padrão da concentração geográfica de médicos em geral. São características da profissão médica no Brasil a multiplicidade de vínculos de trabalho (quase metade dos médicos tem três ou mais empregos), as longas jornadas (dois terços trabalham mais de 40 horas semanais), a realização de plantões (45% atuam em pelo menos um por semana) e os rendimentos mais elevados, se comparados a outras profissões.

Mesmo assim, constata-se que cerca da metade dos médicos brasileiros atua tanto no setor público quanto no setor privado. Aproximadamente três de cada dez profissionais trabalham apenas no setor privado, onde são maioria os homens, especialistas, com maior idade e com rendimentos mais elevados. Já dois de cada dez médicos atuam exclusivamente no sistema público de saúde, onde predominam as mulheres, os mais jovens, os sem especialidade, muitos ainda cursando Residência Médica, e aqueles com rendimentos mais baixos. 

Em meio à crise política e recessão, o novo regime fiscal pretendido na Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016 (PEC 241), aprovado pelo Congresso Nacional, significa o congelamento por até 20 anos do piso do gasto federal com saúde, com desvinculação das despesas com ações e serviços públicos de saúde antes atreladas à receita corrente líquida. Haverá redução do gasto público per capita, pois governos estarão desobrigados da destinação de mais recursos para o SUS, mesmo em cenário futuro de crescimento econômico.

Além da retração da rede assistencial pública, com diminuição de leitos, equipamentos e atendimentos à população em Estados e municípios, percebe-se a disseminação da gestão terceirizada, que fragmenta redes locais, contrata pessoal em vínculos precários, promove a disputa predatória e a alta rotatividade de médicos, afastando a possibilidade de criação de planos de carreira atrativos para a fixação desses profissionais no SUS.

A restrição orçamentária acirrará o desmonte do SUS, ao tempo em que é formulada a proposta de planos privados “acessíveis”, um passo a mais para a segmentação da assistência e para a ampliação da medicina privada mercantil e estratificada.

Zuletzt geändert: Sonntag, 7. April 2019, 22:41