6. Apêndices

6.3. Delta de Dirac

 O que, comumente, chamamos de "função'' \(\delta(x)\), introduzida por Dirac em 1930, é algo além, uma "função generalizada'' ou uma distribuição, definida por

\begin{equation} \delta(x-a)[\phi]\equiv\int_{-\infty}^{+\infty}\phi(x)\,\delta(x-a)\,dx =\phi(a). \end{equation}

Note que precisamos de uma função auxiliar ($\phi$) para revelar a ação da distribuição.  A função arbitrária $\phi(x)$, conhecida como suporte, precisa possuir duas propriedades:

  1. ser suave e possuir todas as suas derivadas (ser analítica de classe infinita);
  2. ter um suporte compacto (ser igual a zero fora de um intervalo limitado).

A distribuição definida acima tem algumas propriedades gerais, independentes de ser a delta de Dirac:

  1. ela é um funcional linear (transforma funções em números),
  2. \begin{equation} \delta[\alpha\,\phi+\beta\,\psi] = \alpha\,\delta[\phi] + \beta\,\delta[\psi],\quad \alpha,\beta\in\mathbb{R};\end{equation}
  3. a derivada dela é outra distribuição,
  4. \begin{equation}\delta'[\phi] = -\delta[\phi'];\end{equation}
  5. ela é homogênea de grau um e par,
  6. \begin{equation}\delta(\alpha x)[\phi] = \frac{\delta(x)[\phi]}{|\alpha|};\end{equation}
  7. a composição dela com uma função $g(x)$ é \begin{equation}\delta(g(x)) = \sum_{i}\frac{\delta(x-x_{i})}{|g'(x_{i})|},\quad g(x_{i})=0,\; g'(x_{i})\neq 0,\end{equation} onde as raízes devem ser simples;
  8. a sua versão tridimensional é o produto de distribuições,
  9. \begin{equation}\delta(\vec{r})=\delta(x)\delta(y)\delta(z).\end{equation}

Exercício 1. Mostre que o laplaciano de $1/r$ ($r\geq 0$) é uma distribuição (delta de Dirac). O laplaciano, $\Delta=\nabla^{2}=\vec{\nabla}\cdot\vec{\nabla}$, da função $1/r$, onde $r$ é a norma do vetor radial, tem uma conexão direta com a distribuição \(\delta\) de Dirac, a qual é muito útil em Eletromagnetismo.  Primeiro é necessário notar que a ação do laplaciano em $1/r$ não está definida somente na origem ($r=0$),

\begin{equation} \nabla^{2}\frac{1}{r} = \frac{1}{r^{2}}\frac{d}{dr}\left(r^{2}\frac{d}{dr}\right)\frac{1}{r}=0, \quad r\neq 0. \end{equation}

Segundo, como a função suporte $\phi$ é regular, ela admite uma série de Taylor em torno de $r=0$,

\begin{equation}\phi(x,y,z)=\phi(0) + \sum_{i=1}^{3}\frac{\partial\phi}{\partial x_{i}}(0)\, x_{i} + \sum_{i,j=1}^{3}\frac{\partial^{2}\phi}  {\partial x_{i}\partial x_{j}}(0)\, x_{i}x_{j} + \ldots\end{equation}

a qual pode ser reescrita em termos das coordenadas esféricas na forma

\begin{equation} \phi(r,\Omega)=\phi(0) + f_{1}(\Omega)\, r + f_{2}(\Omega)\, r^{2} + \ldots \end{equation}

onde $\Omega$ representa as coordenadas angulares. Terceiro, precisamos de um processo de regularização,

\begin{equation} r_{\eta}=\sqrt{r^{2}+\eta^{2}},\quad  \lim_{\eta\to 0}r_{\eta}=r. \end{equation}

Assim,

\begin{equation} \nabla^{2}\frac{1}{r} = \lim_{\eta\to 0} \nabla^{2}\frac{1}{r_{\eta}} = -\lim_{\eta\to 0} \frac{3\eta^{2}}{r_{\eta}^{5}}. \end{equation}

a qual está definida em $r=0$. Desta forma verificaremos que a ação do laplaciano em $1/r$ se comporta como uma distribuição,

\begin{equation} \nabla^{2}\frac{1}{r}[\phi] = \int\limits_{\mathbb{R}^{3}}dV\, \phi\,\nabla^{2}\frac{1}{r} = \int\limits_{\mathbb{R}^{3}/S^{2}}dV\, \phi\,\nabla^{2}\frac{1}{r} + \int\limits_{S^{2}}dV\, \phi\,\nabla^{2}\frac{1}{r} = \int\limits_{S^{2}}dV\, \phi\,\nabla^{2}\frac{1}{r} = -\lim_{\eta\to 0}\int\limits_{S^{2}}dV\, \phi(r,\Omega)\frac{3\eta^{2}}{r_{\eta}^{5}}. \end{equation}

Uma pausa para alguns esclarecimentos sobre os procedimentos de integração utilizados até aqui. O espaço de integração $\mathbb{R}^{3}$ foi dividido em duas regiões: uma limitada por uma esfera unitária $S^{2}$ centrada na origem $r=0$ e o complemento $\mathbb{R}^{3}/S^{2}$, onde a ação do laplaciano é nula. Para continuarmos, trocaremos na última equação a função suporte $\phi$ pela sua série de Taylor em torno de $r=0$ e o elemento de volume por $dV=dr\, dS$, com o elemento de área $dS=r^{2}d\Omega$, onde $d\Omega=\sin\theta\, d\theta d\phi$ é o ângulo sólido compreendido pela área $dS$,

\begin{equation} \nabla^{2}\frac{1}{r}[\phi] = -\phi(0)\,\int\limits_{\partial S^{2}}d\Omega\,\lim_{\eta\to 0} \int_{0}^{1}dr\,\frac{3\eta^{2}r^{2}}{(r^{2}+\eta^{2})^{5/2}}- \sum_{k=1}^{\infty}\int\limits_{\partial S^{2}}d\Omega\, f_{k}(\Omega)\,\lim_{\eta\to 0} \int_{0}^{1}dr\,\frac{3\eta^{2}r^{2+k}}{(r^{2}+\eta^{2})^{5/2}}= -4\pi\,\phi(0). \end{equation}

Note que os limites devem ser executados após as integrações (uma integral cria funções novas). A primeira integral radial tem uma forma simples,

\begin{equation} \int_{0}^{1}dr\,\frac{3\eta^{2}r^{2}}{(r^{2}+\eta^{2})^{5/2}}= \frac{1}{(1+\eta^{2})^{3/2}}. \end{equation}

Os termos de potências ímpares na segunda integral radial são proporcionais a $\eta^{k+1}$ e aqueles de potências pares são proporcionais a $\eta^{2}$, o que anula completamente a contribuição desta segunda integral, após a passagem do limite $\eta\to 0$. Desta forma, interpretamos a ação do laplaciano em $1/r$: se comporta como uma distribuição (tridimensional), conhecida como delta de Dirac,

\begin{equation} \nabla^{2}\frac{1}{r} = -4\pi\,\delta(r)= -4\pi\,\delta(\vec{r}),\quad r\geq 0. \end{equation}