Mecanismo de compensação de dose


Durante muitos anos, o modo de ação dos genes localizados no cromossomo X intrigou os geneticistas. Mais de uma centena de genes que não apresentam relação com a determinação do sexo está localizada nesse cromossomo. Como então explicar que fêmeas com dois cromossomos X não possuem uma quantidade maior de produtos gênicos do que a encontrada em machos hemizigóticos com um único cromossomo X?
Em 1961, a pesquisadora inglesa Mary Lyon formulou a hipótese da inativação de um dos cromossomos X nas fêmeas dos mamíferos euterianos como mecanismo de compensação de dose, também conhecido como hipótese de Lyon. Lyon baseou sua hipótese em dados relacionados à cor da pelagem em camundongos. Uma fêmea herozigótica não apresentava fenótipo semelhante aos pais nem intermediário entre eles; na verdade, era um mosaico com regiões de um ou do outro padrão. Os machos e as fêmeas XO nunca mostravam esse padrão mosaico, e sempre tinham fenótipo uniforme.
Durante o desenvolvimento embrionário, apenas nas células somáticas femininas, ocorre a inativação de um dos cromossomos X; na espécie humana, essa inativação parece ocorrer após 4 a 5 dias de idade. Nas células germinativas femininas, os genes dos dois cromossomos X estão ativos. Nas células germinativas masculinas, a atividade do cromossomo X parece estar restrita aos estágios precoces da embriogênese; posteriormente, ocorre condensação tanto do X quanto do Y, formando a chamada vesícula sexual. Em diferentes células de um indivíduo, o X inativo pode ser tanto o X de origem materna quanto o X de origem paterna, ou seja, a inativação ocorre ao acaso. Uma vez inativado um determinado X (materno ou paterno), todas as células que se originarem a partir dela, através de sucessivas mitoses, apresentarão o X de mesma origem inativado. Assim, as fêmeas de mamíferos heterozigóticas para genes localizados no cromossomo X apresentam mosaicismo celular: em determinadas regiões do corpo expressam um dos alelos e nas demais, o outro alelo. Um exemplo clássico desse mosaicismo é o de certa cor da pelagem em gatos domésticos (Fig. 2); animais malhados com manchas amarelas e pretas possuem no mínimo dois cromossomos X (fêmeas XX, machos XXY).

Figura 2 - semana 4
Figura 2 - Fotografia de gata doméstica tricolor.


Na espécie humana, também é possível notar o mosaicismo celular em alguns casos específicos. Mulheres heterozigóticas para o gene do daltonismo (ligado ao cromossomo X) podem ter visão normal em um dos olhos e daltonismo no outro.
Outra consequência da hipótese de Lyon é a variabilidade de expressão entre fêmeas heterozigóticas; como a inativação ocorre ao acaso, elas podem ser absolutamente normais, por exemplo, quanto à quantidade de determinada proteína (o cromossomo X inativado é o portador do alelo mutante), ter níveis intermediários (metade das células inativaram o X portador do alelo normal e a outra metade, o X com o alelo mutante) ou não produzi-la (o cromossomo X inativado é o que tem o alelo normal).
Murray Barr, em 1949, descreveu, no núcleo de células somáticas interfásicas de fêmeas de mamíferos, um corpúsculo intensamente corável. Nos machos normais, esse corpúsculo não era observado. Esse grânulo, conhecido como cromatina sexual ou corpúsculo de Barr, corresponde ao cromossomo X condensado e inativado no mecanismo de compensação de dose. O número de corpúsculos evidenciados em um núcleo permite inferir o número de cromossomos X presentes no cariótipo do indivíduo; ele corresponde ao número de cromossomos X subtraindo-se 1 (Fig. 3). Uma fêmea normal XX e um indivíduo XXY com fenótipo masculino possuem um corpúsculo (2-1=1); um macho normal XY e uma fêmea XO não apresentam corpúsculo (1-1=O).

Figura 3 - semana 4
Figura 3 - Representação do núcleo de uma célula somática de mulher normal em interfase