10. A seletividade e o transporte através da membrana

A seletividade da MP, traduzida pela capacidade da membrana em transportar especificamente determinadas substâncias, constitui uma das suas propriedades mais notáveis (Fig. 12). Pequenas moléculas ou íons passam pela membrana por simples difusão ou por meio de proteínas integrantes que mediam esse transporte. Estruturas maiores, como macromoléculas ou até organismos inteiros, como vírus e bactérias, entram na célula usando a rota endocítica, tema da próxima unidade.

Esquema ilustrando a seletividade de uma membrana sintética
Figura 12: Esquema ilustrando a seletividade de uma membrana sintética constituída apenas por uma bicamada lipídica. Algumas moléculas passam facilmente, enquanto que outras só passam através da mediação de proteínas transportadoras integrantes de membrana.

Fonte: ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K. & WALTER, P. - Molecular Biology of the Cell. 5th Edition, New York, Garland, 2008.

O transporte mais simples que se pode conceber é a difusão física das substâncias através da bicamada lipídica da MP (Fig. 13). Também chamado de transporte não mediado, a difusão depende, basicamente, da existência de um gradiente de concentração favorável e da natureza da substância transportada. De um modo geral, quanto maior for sua solubilidade em lipídios e menor seu tamanho molecular, mais facilmente se dará sua passagem pela membrana. A água constitui uma exceção notável: apesar da barreira hidrofóbica, suas moléculas difundem-se de forma relativamente rápida através da membrana. Passe o mouse aqui para saber mais

A simples difusão de moléculas lipossolúveis ou de pequenas moléculas polares, mas não carregadas, como a água e o glicerol ocorre, portanto, sem grandes problemas (Fig. 12). No entanto, devido ao seu interior hidrofóbico, a MP constitui uma séria barreira à passagem da maioria das moléculas maiores não carregadas, como a glicose e a sacarose, assim como a íons. Como o transporte de muitas dessas substâncias, que incluem também aminoácidos e nucleotídios, por exemplo, é vital para a célula, uma série de mecanismos foram desenvolvidos no sentido de permitir ou mesmo auxiliar sua passagem, especificamente, através dessa barreira (Fig. 13).

Os principais tipos de transporte de substâncias através da membrana plasmática
Figura 13: Os principais tipos de transporte de substâncias através da membrana plasmática.

Fonte: COSTA, S.O.P. (coord.) - Genética Molecular e de Microorganismos. São Paulo, Manole, 1987.

Entretanto, a célula precisa de algumas moléculas que não são capazes de atravessar a membrana plasmática por simples difusão, como aminoácidos e nucleotídeos. Deste modo, é vital para a célula que ela possua uma série de mecanismos que permitam ou auxiliam sua passagem, especificamente, através dessa barreira (Fig. 13). Tais mecanismos envolvem determinadas proteínas integrantes de membrana, que mediam a passagem dessas substâncias. Algumas dessas proteínas, conhecidas por proteínas de canal, formam, como o próprio nome está dizendo, canais internos ladeados por aminoácidos hidrofílicos que permitem a passagem, por difusão, de certos solutos de tamanho apropriado. Alguns canais encontram-se permanentemente abertos (canais livres), pouco comuns na MP. Na maioria dos casos, os canais se abrem após algum estímulo recebido pela célula. Para saber mais passe o mouse aqui.

Outras proteínas, denominadas de proteínas transportadoras ou permeases, atuam de modo bem mais sofisticado, executando um tipo de transporte denominado de transporte mediado. Neste transporte ocorre um reconhecimento inicial do soluto a ser transportado (agindo, pois, como ligante), que se liga ao sítio ativo da permease de maneira análoga à ligação enzima-substrato. Após esta ligação, a proteína transportadora sofre uma alteração conformacional, de tal sorte que seu sítio ativo fica, agora, voltado para o lado oposto da membrana. Ocorre então o desacoplamento do soluto, completando-se sua transferência (Fig. 13).

O transporte mediado pode ser passivo, quando não houver gasto de energia metabólica para sua efetivação; neste caso, a transferência de soluto só se dará a favor de um gradiente de concentração. O transporte mediado também poderá ser ativo, com gasto de energia metabólica e contra um gradiente de concentração. Um exemplo clássico desta última situação é proporcionado pela chamada "bomba" de Na+- K+, encontrada em, virtualmente, todas as células animais (Fig. 14).

Bomba
Figura 14: “Bomba” (ATPase) de Na+ e K+. Na+ electrochemical gradient – Gradiente eletroquímico de Na+; Na+ binding site – sítio de ligação do Na+; K+ and ouabain-binding site – sítio de ligação do K+; cytosol – citossol; K+ electrochemical gradient - Gradiente eletroquímico de K+.

Fonte: ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K. & WALTER, P. - Molecular Biology of the Cell. 4th Edition, New York, Garland, 2002.

Representada por uma proteína enzimática integrante de membrana — Na+-K+ATPase — agindo como permease, a "bomba" de Na+-K+ elimina ativamente íons Na+, enquanto, ao mesmo tempo, concentra íons K+ no interior da célula, com hidrólise simultânea de ATP. Tal sistema de transporte tem uma importância fundamental na geração e manutenção do potencial elétrico existente através da MP, essencial para o desempenho de muitas funções celulares.