4. Ampliando o Conhecimento

Um interessante caso de apropriação do mecanismo de defesa de um animal por outro é o caso de alguns nudibrânquios, gastrópodes conhecidos como lesmas marinhas, geralmente, com cores intensas e chamativas, considerados um dos grupos animais mais belos do planeta (como, por exemplo, o nudibrânquio planctônico Glaucus atlanticus). A coloração destes animais pode ser aposemática, a coloração de aviso aos predadores sobre sua toxicidade ou impalatabilidade, ou então críptica, imitando cores e padrão do meio onde vivem e permitindo que eles se camuflem em seu meio ambiente.

Em algumas espécies, o manto apresenta projeções chamadas cerata (ou, no singular, ceras), no interior das quais existem ramificações do sistema digestivo. A forma e a disposição dessas projeções são características importantes para a identificação da espécie. Os nudibrânquios são animais carnívoros, que se alimentam de outros invertebrados, como cnidários, esponjas, cracas e ascídeas. Geralmente, a relação entre estes moluscos e sua presa é muito estreita, e é comum que cada espécie se alimente apenas de alguns tipos específicos de presa. As lesmas-do-mar não possuem concha e por isso seu corpo fica exposto aos predadores.  Alguns nudibrânquios são capazes de nadar rapidamente, fugindo do predador; outros secretam ácido sulfúrico e outras substâncias tóxicas.

A forma de defesa mais incrível, porém, é a capacidade de algumas espécies de utilizar as estruturas urticantes dos cnidários (nematocistos) em sua própria defesa. Esses animais ingerem tecidos de cnidários, sem disparar os nematocistos, que são então transportados através do sistema digestivo, na extremidade das cerata. Quando um predador tenta capturar o nudibrânquio, os nematocistos disparam, provocando queimaduras e lesões no agressor. Muitas vezes, a coloração do animal serve como aviso ao predador sobre sua toxicidade, repelindo-o antes mesmo do ataque (Fonte: http://euamoanatureza.wordpress.com/category/animais-estranhos/page/2/). Veja a imagem a seguir mostrando um nudibrânquio se alimentando de uma água viva e o esquema mostrando o estômago de um nudibrânquio com cerata.

Figura 9.4 o esquema A mostra o nudibrânquio Embletonia, no qual há um grande ceco digestivo onde, em posição dorsal, se encontram as cerata. Em B uma ceras do nudibrânquio Trinchesia em secção longitudinal. Os nematocistos de animais cnidários ingeridos podem ser pressionados e estourados no cnidossaco terminal.
Fonte: Adaptado de Brusca & Brusca, 2007, figura 20-32.

Outro exemplo interessante relacionado a recordistas e veneno é o caso dos lagartos peçonhentos. Um bem documentado caso é o do monstro-de-gila, encontrado nos desertos dos Estados Unidos e México, que inclusive apresenta coloração aposemática: manchas amarelas ou róseas em um fundo negro (Heloderma). Sua peçonha é secretada pelas glândulas presentes em sua gengiva, que acabam sendo pressionadas durante a mordida do animal na presa. O veneno é potencialmente perigoso para crianças, idosos ou pessoas já debilitadas imunologicamente.

Até há pouco tempo pensava-se que este gênero era o único a conter espécies de lagartos peçonhentas. Recentemente, porém, pesquisas têm mostrado que os varanídeos, conhecidos como dragões-de-Komodo, Varanus komodoensis (maiores lagartos do mundo, com cerca de 3m de comprimento), devido à sua ocorrência endêmica nas ilhas de Komodo na Indonésia, também produzem toxina, sendo igualmente secretada no ato da mordida.


Figura 9.5 À esquerda o mostro-de-gila (Heloderma sp.) e a direita o dragão-de-komodo (Varanus komodoensis).
Fonte: Thinkstock.

Até poucos anos atrás pensava-se que a saliva desses animais continha bactérias capazes de levar a presa à morte por infecção generalizada. Mas hoje se sabe ser incorreto afirmar que o dragão de Komodo mata regularmente utilizando as bactérias que carrega na boca, segundo comunicado do coautor desta pesquisa, Stephen Wroe, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália. O trabalho afirma que o dragão é verdadeiramente venenoso. Possui glândulas salivares modificadas, que injetam agentes hipersensitivos e anticoagulantes que, combinados com as adaptações dos dentes e de um crânio de peso leve, permitem matar animais grandes através de uma rápida perda de sangue (Fonte: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=31754&op=all).

Os cientistas usaram simulações feitas em computador para analisar a mordida do dragão e verificaram que são mais fracas do que as de crocodilos de tamanhos semelhantes. Entretanto, exames em ressonância magnética apontaram que o komodo conta também com complexas glândulas de veneno. Depois de extirparem a glândula de veneno de um dragão doente em um zoológico, os cientistas usaram espectrometria de massa para obter um perfil químico do veneno. Descobriram que a toxina tem semelhanças com as do monstro-de-gila (Heloderma suspectum) e de diversas serpentes. O veneno causa uma grande perda de pressão sanguínea na vítima ao dilatar os vasos sanguíneos e evitar a coagulação na área atingida, levando a presa a um estado de choque (Fonte: http://www.agencia.fapesp.br/materia/10512/divulgacao-cientifica/dragao-de-komodo-tem-veneno.htm).

Assim como no caso do veneno das serpentes, esses lagartos podem contribuir para a geração de conhecimento biotecnológico aplicado. E, portanto, devem ser devidamente estudados e protegidos, especialmente por não existirem em grande número na natureza. Consulte os links para vídeos sobre este animal fornecidos em “Anexos”.