Trabalhos de campo


Os trabalhos de campo no ensino de Geociências


Uma implicação metodológica importante das Geociências, assim como de algumas ciências naturais como a Biologia, é a delimitação espacial. Diferentemente da tradição em ciências humanas, que fazem seu recorte espacial de acordo com as divisões políticas, a história ambiental e as Geociências focalizam em regiões com identidades naturais: bacias hidrográficas, oceanos, biomas, ilhas etc. Tal pressuposto pode ser bastante útil em educação geocientífica e ambiental na construção de conhecimentos regionais e locais de forma integrada. Ultimamente, têm surgido várias experiências educacionais sobre a construção dos currículos em uma perspectiva local (COMPIANI, 2007, SANTOS, 2006), especialmente pela utilização de microbacias hidrográficas como unidades territoriais para a construção de currículos (BACCI & PATACA, 2008), que abordaremos na aula 7.

A delimitação espacial se relaciona a outra característica das geociências: o trabalho de campo, que gera um instrumental muito mais amplo de análise e permite abordagens interdisciplinares e contextualizadas das realidades estudadas.

Os trabalhos de campo como prática privilegiada das ciências naturais surgem com a necessidade de investigação da natureza para sua exploração. Esse trabalho prático foi se consolidando a partir das grandes navegações no século XVI, atingindo seu apogeu nos séculos XVIII e XIX, quando as potências europeias despacharam as viagens científicas em busca da natureza “desconhecida” de todas as regiões terrestres. As práticas associadas às Viagens Científicas foram aperfeiçoadas com o decorrer do tempo e se associavam a minuciosas investigações da natureza através da elaboração de registros como diários de viagem, desenhos, mapas, criação de coleções, experimentos com os minerais através da química. Vários autores interessados em história e em ensino de ciências estão investigando a história das viagens científicas, o que é extremamente relevante para a criação de trabalhos de campo mais contextualizados com abordagens históricas. As viagens do século XVIII e XIX resultaram em ricos acervos de textos e imagens, que ainda hoje são extremamente relevantes para a investigação da natureza brasileira, e servem como registros das alterações impressas por nossa sociedade no território brasileiro.

A prática pedagógica dos estudos do meio tem sido objeto de vários estudos educacionais, especialmente em ambientes escolares (Bittencourt, 2008; Carneiro e Compiani, 1993; Pontuschka et al., 2007). Nessa realidade, os estudos do meio são tomados como um laboratório natural ou, ainda, como todas as atividades que se realizam fora de aula, com a finalidade de acessar de maneira direta o objeto de estudo.

As aulas de campo, como enfatizadas por Compiani e Carneiro (1993), têm um papel pedagógico fundamental, pois é no campo que ocorre o conflito entre o real (o mundo), o exterior e o interior, as ideias e as representações, gerando um contexto único de observação e interpretação da natureza na busca de informações, no entendimento dos fenômenos e na formulação de conceitos explicativos. Segundo os autores, o campo é também o centro de atividades para ensinar o método geral de conceber a história geológica da Terra.

O estudo do meio é uma metodologia de ensino interdisciplinar, que pretende desvendar a complexidade de um espaço determinado, extremamente dinâmico e em constante transformação, cuja totalidade dificilmente uma disciplina escolar isolada pode dar conta de compreender. (Pontuschka et al., 2007)

O estudo do meio como método que pressupõe o diálogo, a formação de um trabalho coletivo e o professor como pesquisador de sua prática, de seu espaço, de sua história, da vida de sua gente, de seus alunos, tem como meta criar o próprio currículo da escola, estabelecendo vínculos com a vida de seu aluno e com a sua própria, como cidadão e como profissional. As autoras ressaltam que um projeto de ensino que usa essa metodologia realiza um movimento de apreensão do espaço social, físico e biológico que se dá em múltiplas ações combinadas e complexas. Para aprender a complexidade do real, faz-se necessária a existência de muitos olhares, da reflexão conjunta e de ações em direção ao objetivo proposto pelo grupo de trabalho. (Pontuschka et al., 2007)

O uso dessa metodologia para integrar as disciplinas é ideal para o ensino e aprendizagem dos alunos, ao contextualizar os dados da realidade com os conteúdos. As intervenções pedagógicas de cada disciplina em particular contribuem para o conhecimento dos objetos do estudo.

Articulação do trabalho de campo a uma forma de reconhecimento diferenciado do entorno social e natural. Nesse sentido, é interessante a classificação de Suertegaray (1996) acerca das funções do trabalho de campo, a partir das quais podemos visualizar as seguintes práticas:

a) o reconhecimento genérico do lugar ou dos lugares (as excursões): nesse caso, os trabalhos de campo teriam um caráter generalista de reconhecimento, descrição e treinamento da observação.

b) o reconhecimento pontual de elementos ou fenômenos no campo (exposições em campo): “Estes são feitos a partir de um roteiro, onde o professor, previamente, estabelece os lugares a serem observados [...] Nestes pontos em geral é feita uma exposição sobre o observado...”, dependendo, portanto, da figura de um instrutor/professor para o desdobramento do trabalho.

c) o reconhecimento do lugar a partir da seleção, a priori, de procedimentos que impliquem levantamentos de informações por parte do grupo envolvido. “Esta forma de trabalho de campo exige preparação e coordenação em campo segura para que o trabalho não seja dispersivo. Apresenta como vantagens a probabilidade de o grupo manejar equipamentos, discutir dados e ideias, concluir sobre o observado. Apresenta como vantagem o envolvimento do grupo na busca de um objetivo”.

d) o reconhecimento no campo de padrões observados em imagens de lugares (fotografias e/ou imagens): “Estes procedimentos [...] têm sua validade no domínio da interpretação técnica dessas imagens.

Em nosso entender, tais procedimentos nem sempre são realizados de forma única, sendo comum a interação desses diferentes reconhecimentos. Na realidade, a interação entre os itens assinalados por Suertegaray é extremamente dependente de algumas propostas pedagógicas.