Texto 1 – Origem e significado da Compartimentalização da Célula Eucariótica

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Curso: 01 - Biologia Celular
Livro: Texto 1 – Origem e significado da Compartimentalização da Célula Eucariótica
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Data: sexta-feira, 26 abr. 2024, 22:08

Descrição

Texto 1 – Origem e significado da Compartimentalização da Célula Eucariótica

1. Iniciando a conversa

Os objetivos Específicos deste Tópico são:

  • Diferenciar as células procarióticas e eucarióticas;
  • Identificar as principais características estruturais do núcleo das células eucarióticas;
  • Reconhecer e perceber as principais vantagens evolutivas da compartimentalização do citoplasma de uma célula eucariótica;
  • Discutir a origem das organelas das células eucarióticas.

Antes de iniciarmos os estudos deste tópico, responda a seguinte questão:

“O que é célula?”

Anote sua resposta para analisá-la novamente ao final da disciplina. Será que sua resposta será mantida, complementada ou mesmo alterada?

Quando realizamos uma reflexão mais cuidadosa sobre a questão proposta, percebemos que, embora aparentemente simples, ela pode se tornar muito complexa. Isso depende do nível de detalhamento bem como do enfoque que utilizamos. Por exemplo, podemos apresentar uma definição geral ou incluir aspectos relacionados à forma e função das partes constituintes das células. Também podemos diferenciar os tipos de células, ressaltando as características específicas de cada um deles, ou tentar abordar o que todos os tipos de células apresentam em comum.

A presente disciplina trata dos diferentes enfoques que envolvem a Biologia Celular. Espera-se que você possa ampliar sua visão sobre a célula entendendo seus principais processos e componentes.

2. A célula como unidade morfofuncional de todos os seres vivos

A célula, como unidade morfofuncional de todos os seres vivos é, em geral, muito pequena para ser observada a olho nu. Seu estudo depende da utilização de instrumentos ópticos de aumento - o microscópio de luz - que surgiu e se aprimorou nos séculos XVI e XVII. Assim, acredita-se que o nascimento da Biologia Celular tenha se dado em pleno século XVII quando Robert Hooke observou um corte de cortiça ao recém inventado microscópio (Fig.1), mostrando, aos membros da Royal Society of London, que este material orgânico era formado por inúmeras câmaras de pequeno tamanho às quais ele deu o nome de “células”.

Embora essa descrição correspondesse apenas às paredes celulares de células mortas do tecido vegetal, Hooke e outros pesquisadores de sua época, foram capazes de observar o mesmo tipo de estrutura em tecidos vivos. Estas observações levaram, posteriormente, à famosa Teoria Celular, proposta por Schleiden e Schwann no século XIX, de que o corpo de todos os organismos é formado por células ou por seus produtos.

 

Microscópio utilizado por Robert Hooke(A) na observação de um corte de cortiça (B)
Figura 1: Microscópio utilizado por Robert Hooke (A) na observação de um corte de cortiça (B).

Fonte: composição dos seguintes sites: http://serbioefundamental.wordpress.com/2009/10/03/robert-hooke/ acessado em 09/09/2010 e http://www.prof2000.pt/users/biologia/teoriace.htm acessado em 09/09/2010

3. As duas grandes categorias de células

De uma maneira geral, as células podem ser divididas em duas grandes categorias: as células procarióticas e as células eucarióticas. As células procarióticas, representadas, basicamente, pelas bactérias (Fig.2), são células, em geral, de menor tamanho e de estruturação relativamente simples. As células eucarióticas (Fig.3) são, geralmente, maiores e bem mais complexas, sendo encontradas nos animais e plantas superiores.

Esquema de uma célula procariótica (bactéria)

Figura 2: Esquema de uma célula procariótica (bactéria). Note a ausência de compartimentos internos limitados por membranas e o DNA disperso em seu interior.

Fonte: Desconhecida

Um marco muito importante na evolução da vida no planeta ocorreu há cerca de 1,5 bilhões de anos atrás, quando surgiram as primeiras células eucarióticas a partir de ancestrais procarióticos. O nome eucarioto tem uma raiz grega, a partir de eu (verdadeiro) e karyon (núcleo), ou seja, são células que exibem um núcleo celular, compartimento membranoso onde a maior parte de seu material genético, o DNA, está confinado (Fig.3). Em contraste, os procariotos (Fig.2) (pro significando “antes”), não apresentam um núcleo celular, estando seu material genético livre no interior da célula.

Esquema tridimensional de uma célula eucariótica animal
Figura 3: Esquema tridimensional de uma célula eucariótica animal. Note a presença de diversos compartimentos internos limitados por membranas, como por exemplo, o núcleo, que isola o DNA, altamente compactado e complexado com proteínas, do restante da célula.

Fonte: DE DUVE, C. Guided tour of the living cell. New York: Rockefeller University Press. 1984.

4. As principais características estruturais do núcleo das células eucarióticas

Em termos de organização estrutural, a célula eucariótica (Fig.3), é formada, basicamente pelo núcleo celular, compartimento limitado por uma dupla membrana - o envoltório nuclear (ou carioteca) - em cujo interior se encontra, a maior parte do DNA da célula. O envoltório nuclear apresenta uma série de poros, melhor denominados complexos poro-nucleares (Fig.4) que, controlam a entrada e a saída de substâncias entre o interior deste compartimento e o restante da célula.

O DNA existente no interior do núcleo está altamente organizado em unidades distintas denominadas cromossomos, formados por complexos de DNA e proteínas específicas, com papéis estruturais e/ou funcionais. Em contraste, as células procarióticas apresentam, como vimos, uma ou mais moléculas de DNA circular, não compartimentalizado

Detalhe do envoltório nuclear visto ao microscópio eletrônico

Figura 4: Detalhe do envoltório nuclear visto ao microscópio eletrônico. Note que este envoltório é formado por uma dupla membrana que apresenta aberturas denominadas complexos poro-nucleares.

Fonte: ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K. & WALTER, P. - Molecular Biology of the Cell. 5th Edition, New York, Garland, 2008.

5. Compartimentalização do citoplasma de uma célula eucariótica

A característica mais marcante da célula eucariótica é a existência de compartimentos limitados por membranas em seu interior (Fig.3). Ao contrário da célula procariótica que apresenta apenas uma única membrana, que é a membrana plasmática que estabelece os limites da célula e a isola seletivamente do meio circundante, a célula eucariótica possui vários compartimentos membranosos, morfológica e funcionalmente distintos.

Estes compartimentos situam-se entre o núcleo celular (que é um dos compartimentos), e a membrana plasmática que constitui o limite mais externo da célula. Este espaço situado entre o núcleo e a membrana plasmática é denominado de citoplasma. Os compartimentos do citoplasma são conhecidos como organelas citoplasmáticas.

Existem, na célula animal, basicamente 6 tipos de organelas (Fig.3): assim, além do próprio núcleo celular, temos o retículo endoplasmático, o complexo de Golgi, a mitocôndria, o peroxissomo, o lisossomo e organelas correlatas, e o citossol. Este último, que corresponde ao espaço entre as organelas, é o maior compartimento da célula eucariótica animal.

Na célula eucariótica vegetal (Fig.5), por outro lado, não temos lisossomos, mas verifica-se a presença de dois compartimentos não existentes na célula animal: o vacúolo e os vários tipos de plastos, dos quais, o mais importante é o cloroplasto. Um outro aspecto que caracteriza a célula vegetal é a presença de uma parede celular rígida, situada externamente à membrana plasmática e que foi vista, inicialmente, por Hooke em suas observações pioneiras da célula.

Esquema de uma célula eucariótica vegetal
Figura 5: Esquema de uma célula eucariótica vegetal, que se diferencia, basicamente, da animal pela presença de uma parede celular externa, de cloroplastos, responsáveis pela realização da fotossíntese e de um vacúolo, que exerce diversas funções.
Fonte: site: http://www.ibb.cl/?attachment_id=56 acessado em 09/09/2010

6. As principais vantagens evolutivas da organização estrutural de uma célula eucariótica

A compartimentalização interna trouxe vantagens evolutivas muito grandes, pois apenas as células eucarióticas conseguiram alcançar níveis de complexidade morfológica e, principalmente, funcional, incomparáveis quando comparadas com os procariotos.

Mas que vantagens seriam essas?

7. Separação espacial e temporal dos processos de transcrição e tradução

Podemos começar com o núcleo celular, para tentarmos responder a esta pergunta. Entre outras conseqüências, a existência de um envoltório nuclear, isolando o conteúdo do núcleo do restante da célula, leva a uma separação espacial e temporal entre os fenômenos da transcrição do DNA em RNA mensageiro (RNAm), que ocorrem no interior do núcleo, e o fenômeno da tradução desse RNAm em proteína, que acontece no citoplasma, em estruturas denominadas ribossomos.

Em contraposição, na célula procariótica a síntese de RNA e sua tradução em proteína ocorrem concomitantemente (Fig. 2): os ribossomos iniciam a tradução pela extremidade 5' de uma molécula de RNA emergente, enquanto esta ainda está sendo transcrita na extremidade oposta 3'. Existe, neste caso, pouca oportunidade para que o RNA transcrito sofra qualquer tipo de alteração antes de ser traduzido em proteína.

Nas células eucarióticas, ao contrário, o RNAm pode ser extensivamente modificado no núcleo antes de seu transporte para o citoplasma onde ocorrerá sua tradução. Entre estas modificações está a retirada eventual de determinadas sequências não codificantes, denominadas de introns, o que resulta em moléculas de RNAm funcionais de tamanhos bem menores que as originalmente transcritas.

Este processamento do RNAm, seguido por um trans porte seletivo para o citoplasma, comum entre os eucariotos, representa um passo intermediário de extrema importância na transferência de informações genéticas entre o DNA e a proteína final, com conseqüências notáveis não só em termos de fisiologia celular, como também do ponto de vista evolutivo.

E com relação à compartimentalização do próprio citoplasma?

8. Possível origem das organelas das células eucarióticas

Muitos processos bioquímicos vitais, como a fotossíntese e a fosforilação oxidativa, ocorrem em membranas. Nos procariotos, estas e muitas outras funções estão normalmente associadas à membrana plasmática que, em geral, é a única membrana presente. Durante a evolução da célula eucariótica, a partir de um presumível ancestral procariótico, houve, basicamente, um conside rável aumento de tamanho e complexidade funcional. Para que isto pudesse ocorrer, houve necessidade de um aumento proporcional de superfície de mem brana disponível, assim como de uma distribuição espacial das diferentes funções celulares a ela ligadas direta ou indiretamente.

O resultado foi o apareci mento de um complexo sistema de membranas intracelulares, na forma de organelas citoplasmáticas, que executam funções tão diversas como a digestão intracelular e as diferentes etapas do metabolismo respiratório. Admite-se que a maioria das membranas limitantes de organelas citoplas máticas tenham se originado a partir de invaginações e diferenciações da membrana plasmática de ancestrais procarióticos, ou já protoeucarióticos, sendo que nos eucariotos atuais elas são, na realidade, muito diferentes entre si do ponto de vista bioquímico (Fig.6).

É bastante provável que em pelo menos dois tipos de organelas, as mitocôndrias e os plastos, estes últimos presentes apenas nas células vegetais e que incluem os cloroplastos, a origem não tenha sido a partir da membrana plasmática, mas sim através de um fenômeno de endossimbiose (Fig. 6). De fato, estas duas organelas possuem um genoma (DNA) próprio, embora muito limitado, e podem ter sido originalmente procariotos de vida livre (semelhantes às bactérias atuais) que foram incorporados às células eucarióticas ancestrais, dando origem, posteriormente, a essas duas organelas, graças às evidentes vantagens evolutivas dessa associação: alimento e proteção para a célula incorporada, fonte de energia extra para a célula hospedeira.

Possível origem dos compartimentos membranosos da célula eucariótica

Figura 6: Possível origem dos compartimentos membranosos da célula eucariótica a partir de invaginações e diferenciações da membrana plasmática, e por um fenômeno de endossimbiose com bactérias aeróbias e fotossintetizantes (dando origem, respectivamente, às mitocôndrias e plastídios).

Fonte: Original

9. Comunicação entre os diversos compartimentos citoplasmáticos

Estes diversos compartimentos citoplasmáticos comunicam-se entre si através de dois mecanismos principais. O primeiro deles envolve a troca de moléculas específicas entre eles, que podem ser da natureza estrutural e/ou funcional. O outro mecanismo baseia-se num transporte vesicular. Neste caso, vesículas brotam de uma organela citoplasmática, são especificamente transportadas através do citoplasma, e se fundem com a membrana de uma outra organela (Fig. 7). A membrana plasmática também participa deste transporte, formando ou recebendo vesículas. Com isso, componentes de membrana e/ou o conteúdo dessas vesículas passam a fazer parte da organela alvo.

Como veremos, existem, basicamente, duas rotas intracelulares mediadas por vesículas: a rota endocítica e a rota secretora ou de exportação.

Transporte vesicular entre compartimentos membranosos de uma célula eucariótica
Figura 7: Transporte vesicular entre compartimentos membranosos de uma célula eucariótica.
Fonte: ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K. & WALTER, P. - Molecular Biology of the Cell. 5th Edition, New York, Garland, 2008.

10. O citoesqueleto

Um outro aspecto da célula eucariótica é a presença de um elaborado citoesqueleto localizado no citossol, formado por uma complexa rede altamente organizada de proteínas tubulares ou filamentosas (Fig.3).

Esta rede é responsável pela manutenção da forma da célula e por vários movimentos, incluindo movimentos intracelulares ou da própria célula.

11. Os dois mecanismos de divisão celular

A complexidade no arranjo do DNA nuclear, combinado com proteínas específicas e distribuído em um número determinado de cromossomos, juntamente com a complexidade estrutural do próprio citoplasma levaram ainda a célula eucariótica a adquirir um sistema altamente complexo e eficiente de divisão celular. Tal sistema inclui não apenas o chamado aparelho mitótico, que é uma especialização do citoesqueleto, como também uma série de mecanismos que possibilitam uma distribuição equitativa de cromossomos e organelas citoplasmáticas entre as células-filhas.

Um outro mecanismo de divisão celular, denominado de meiose, leva à produção de gametas (óvulos e espermatozóides), onde se observa, normalmente, uma redução no número de cromossomos pela metade, juntamente com um fenômeno de recombinação gênica (permutação).

Assim, durante o processo de reprodução das espécies, ocorre a fusão entre os gametas, num fenômeno denominado de fecundação, onde o número de cromossomos da espécie é restabelecido, acarretando, ainda, uma grande variabilidade genética da progênie.

12. Bibliografia

ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K. & WALTER, P. - Molecular Biology of the Cell. 5th Edition, New York, Garland, 2008.

DE DUVE, C. Guided tour of the living cell. New York: Rockefeller University Press. 1984.

site: http://serbioefundamental.wordpress.com/2009/10/03/robert-hooke/ acessado em 09/09/2010.

site: http://www.ibb.cl/?attachment_id=56 acessado em 09/09/2010.

site: http://www.prof2000.pt/users/biologia/teoriace.htm acessado em 09/09/2010.

13. Mãos à obra

Leia com atenção os trechos extraídos de um artigo científico (clique aqui) sobre ensino de Biologia Celular. A partir das informações, realize a atividade proposta abaixo.

Segundo o artigo, boa parte da população está cientificamente despreparada para participar de modo crítico em debates sobre os avanços biotecnológicos. Redija um pequeno texto relacionando informações referentes ao processo de ensino-aprendizagem de Biologia Celular contidas nos trechos que, em sua opinião, podem auxiliar a explicar, pelo menos em parte, esse despreparo da população.

Clique aqui para fazer a atividade!

14. Ampliando os conhecimentos

Recomendamos que você explore sites interessantes e com conteúdos corretos nos quais possa aprofundar seus conhecimentos sobre Biologia Celular.

Abaixo apresentamos links de uma apresentação e um vídeo sobre o tema:

http://www.invivo.fiocruz.br/celula/