Atualmente, “espaço público” é categoria onipresente nos estudos urbanos internacionais forjados conceitualmente nas mais diversas matrizes disciplinares: da sociologia à arquitetura e urbanismo passando pela antropologia, a geografia e a história. Isso, para não mencionar sua presença explícita em uma das metas dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ODS #11.7).

Em particular a partir da década de 1960, parece mesmo impossível abordar as relações sociais e econômicas, as práticas sociais e culturais e os processos socioespaciais relativos à transformações históricas das cidades em suas mais diversas escalas espaciais (de cidades demograficamente pequenas às recentes “megacidades” passando por conurbações e metrópoles) sem aludir crítica e mais ou menos contrapontisticamente a “espaços públicos” quando o assunto é a vida social, política, econômica e cultural que transcorre, entre outros, nas ruas, praças, e praças; nos chamados meios públicos de transporte, mas também em espaços fisicamente fechados de acesso legal mais ou menos restrito de gente: cafeterias, parlamentos, redações jornalísticas, salas de teatro, cinemas, galerias e demais centros comerciais. Isso, para não mencionar, mais recentemente, os processos interacionais vigentes em espaços virtuais como o chamado cyber-espaço e, sobretudo desde a pandemia de Covid-19, a popularização dos chamados espaços híbridos, presenciais e virtuais ao mesmo tempo, pelos quatro cantos sobretudo urbanos do planeta.

A onipresença do uso do termo nos estudos urbanos atuais não significa, entretanto, que esse mesmo uso seja autoexplicativo e incontroverso. De certo modo, as/os pesquisadoras/es urbanas/os bem intuem isso. Cada novo estudo que leio, oriento ou avalio acerca do tema vem acompanhado do empenho de sua/seu autora/r em (re)traçar genealogias teóricas passíveis de legitimarem o emprego de uma ou outra definição do termo, para seus fins investigativos específicos.

O objetivo pedagógico geral desta disciplina é especificar a contribuição específica da sociologia para o enfrentamento dessa hesitação conceitual. O que a sociologia tem a dizer sobre o “espaço público”?

Assumo que a resposta reside em exercitar em relação ao tema modos propriamente sociológicos de conhecer o mundo (em suma, uma epistemologia de natureza sociológica). Receptiva a um público interdisciplinar de estudantes de pós-graduação, o objetivo pedagógico específico da disciplina é assumir epistemologicamente, nos termos de Florestan Fernandes num texto destinado a um público de não-sociólogas/os (“O que é a sociologia?”, de 1959), “a teia de interações e relações sociais” como “ponto de referência do sociólogo”. Mas ponto de referência para quê, exatamente? Para fins didáticos, a disciplina assume tal “teia” como referência epistemológica básica, para inquirir a história do espaço público no âmbito de certo debate internacional de impacto nacional - portanto, alocado notadamente num espaço-tempo fictício abrangido pela Europa ocidental (Alemanha, França, Portugal e Espanha), o mundo anglo-americano (Reino Unido e Estados Unidos) e a chamada América Latina (em particular México e Brasil) entre o início do século XX e a atualidade.