Por anos, os empresários que costumavam se reunir para discutir sobre negócios e novas oportunidades, debateram em torno das especulações sobre a grande inovação. Enquanto alguns acreditavam que ela seria disruptiva, outros se mostravam céticos em substituir os motores a vapor por motores elétricos em suas fábricas. “Afinal, esta é a forma como a indústria produz desde o século XVIII” – pensavam muitos deles no século XIX. 

No início do século XX, menos de 5% das fábricas nos EUA tinham adotado o motor elétrico. E como aqueles que o adotaram não estavam obtendo os esperados ganhos de produtividade para trazer o retorno sobre os investimentos (ROI) realizados, tudo levava a crer que os céticos estavam certos: o melhor caso de uso da eletricidade nas fábricas era uma iluminação melhor e mais segura, e só – pensavam eles. De fato, o desenho tradicional das fábricas era baseado num enorme motor a vapor movendo um eixo que se estendia ao longo de todo o chão de fábrica e que, muitas vezes, ia além de um prédio, para alimentar outros. As máquinas de produção eram posicionadas ao longo desse eixo e eram conectadas ao mesmo por correias, que transmitiam a energia mecânica para que elas funcionassem. Não fazia sentido simplesmente substituir um motor a vapor por um elétrico e manter tudo igual, uma vez que a perda de energia na distribuição mecânica não justificaria os preços ainda elevados da eletricidade. Além disso, em algumas situações, era necessário manter tudo rodando para garantir o funcionamento de algumas máquinas apenas.

Demorou 50 anos para os empresários entenderem como a eletricidade poderia adicionar valor aos seus negócios. Em vez de um motor centralizado, eles deveriam distribuir pequenos motores elétricos para mover apenas o necessário onde fosse preciso. Isso era contra-intuitivo para a época porque as pequenas máquinas a vapor eram ineficientes e necessitavam de esforço adicional para mantê-las constantemente alimentadas com combustível, exigindo frequentes distribuição e estoques locais do mesmo. Os empresários não percebiam que o pequeno motor elétrico era muito eficiente e, com a eletricidade, a energia seria consumida apenas pela máquina que precisasse funcionar no momento necessário, ao invés de manter um grande motor central em funcionamento constante. Mas a principal consequência de descentralizar e distribuir a geração de movimento de acordo com a necessidade foi a possibilidade de organizar a distribuição das máquinas pela lógica do processo produtivo, em vez de ficar restrito ao acesso ao grande eixo que gerava movimento. 

Assim, o real valor da adoção do motor elétrico nas linhas de produção apareceu apenas quando os empresários perceberam que tinham que mudar tudo: da arquitetura de suas fábricas até o processo de produção. Ou seja, não apenas adicionar, mas também remover, para reinventar o sistema de produção. E quando isso foi percebido, na década de 20, o retorno veio rápido, com a produtividade da manufatura americana atingindo níveis jamais vistos. 

Um século mais tarde, a história se repete com a transformação digital e a aplicação de tecnologias exponenciais nos negócios. Para um negócio realmente aproveitar o valor que pode ser gerado e capturado por esse paradigma, é necessário realizar mudanças profundas na forma como as empresas operam. E isto não é simples por algumas razões.

Ao resolver problemas, temos um viés cognitivo que nos faz adicionar componentes e nos limita em subtrair partes existentes, mesmo quando a subtração nos levaria a uma solução melhor. Esse fato foi comprovado por um estudo recente publicado pela revista científica Nature. Esse viés nos aprisiona num conjunto mais limitado de soluções possíveis, muitas vezes nos levando a conclusões equivocadas como a dos empresários diante do motor elétrico. Trazendo para o contexto de uma organização, a ideia de adicionar é muito mais confortável e acomoda mais facilmente os interesses políticos do que o conceito de retirar. 

Há também um desconforto natural em trocar uma fórmula de negócios que funcionou por décadas por algo incerto. Assim, durante anos, é mais simples encontrar justificativas na conjuntura econômica e política, em vez de promover uma transformação profunda. E esse desconforto se torna ainda maior quando é necessário criar um modelo para o cálculo do ROI de uma transformação profunda como a digital. A verdade é que não é simples, e os modelos servem mais para trazer um conforto emocional aos decisores do que efetivamente projetar resultados precisos. Para ilustrar, cito a sincera resposta do diretor de uma organização global ao ser questionado sobre o ROI da transformação digital: “O verdadeiro ROI da transformação digital será manter nossa empresa viva.”. 

Por fim, é necessário contar com um perfil de profissionais bem diferente do comum, o que vai na contramão do que é tradicionalmente praticado pelas áreas de recursos humanos. As áreas de recursos humanos se especializaram em buscar profissionais cujo perfil se encaixe em uma das caixinhas corporativas e que tenha um fit cultural perfeito. Ou seja, atrair para as empresas mais do mesmo, o que mantém a trajetória da empresa e de todos na zona de conforto. Essa política elimina dos processos seletivos pessoas que poderiam trazer mais insumos intelectuais para as transformações necessárias num período como o que vivemos. Se as empresas contratam pessoas que se adequam a uma posição e se encaixam perfeitamente na cultura da empresa, paradoxalmente estão contratando pessoas que provavelmente trarão um potencial menor de transformação, haja vista que elas se sentirão mais confortáveis em manter o status quo.

Se Steve Jobs estivesse vivo e no início de sua carreira – e, portanto, ainda sem a fama e o reconhecimento -, ele provavelmente não seria selecionado por nenhuma empresa. E, na época, não foi muito diferente. Como um drop-out da faculdade, ele apenas conseguiu emprego na Atari, antes de fundar a Apple. Por justamente atrair perfis muito diversos e alternativos, a Atari conseguiu criar uma nova indústria que ainda hoje está transformando o mundo, qual seja, a indústria de jogos (games). Para os que pensam “claro que contrataríamos alguém como Jobs no início de sua carreira!”, vale a pena lembrar que Jobs, na época, acreditava que sua dieta alternativa baseada em frutas eliminava a necessidade de banho e, portanto, seu odor não era agradável. Nolan Bushnell, depois de ouvir tantas reclamações dos colegas de trabalho de Jobs a respeito do assunto, resolveu transferir Jobs para o turno noturno, assim ele poderia ficar trabalhando sozinho sem incomodar seus colegas. Aliás, provavelmente vários engenheiros presentes em eventos no Museu da História do Computador, no Vale do Silício, e que pavimentaram o que vivemos hoje, não seriam contratados.

As empresas que construíram os pilares da cultura digital atual – à qual as empresas tradicionais estão sofrendo para se adequarem – foram resultado de uma contracultura de oposição ao mantra corporativo da época. Elas não seguiram nenhuma cartilha ou fórmula. De fato, a falta de cartilhas ou fórmulas infalíveis nos deixa perdidos e vulneráveis a argumentos de fornecedores que nos trazem pouco além do conforto emocional de marcas respeitadas e segurança em nossas carreiras. Hoje, os que tentam seguir os “conceitos do Vale do Silício” precisam tomar cuidado porque trata-se de uma versão pasteurizada e convenientemente selecionada da contracultura real que formou este lugar, sem muitos dos elementos centrais de sua essência.

É justamente em pontos de inflexão, como o que estamos vivendo hoje, que as empresas devem atrair um perfil totalmente diferente. É necessário atrair diversidade para se ter riqueza cultural e de ideias. É preciso contratar troublemakers (agitadores) para que gerem perturbações à inércia. É fundamental trazer a bordo pessoas com honestidade intelectual. É preciso buscar a contracultura!

Acesso ao artigo original:

https://link.estadao.com.br/blogs/alexandre-nascimento/em-busca-da-contracultura/

Ultime modifiche: martedì, 31 agosto 2021, 10:43