2. Derivadas

Temos que entender o limite \( \)

\begin{equation} \label{eq:limiteX} \frac{d}{dt} x(t) = \frac{dx}{dt} = \dot{x}(t) = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{x(t+\Delta t)-x(t)}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{\Delta x}{\Delta t} \quad (\ast) \end{equation}

do ponto de vista geométrico e torná-lo operacional. Note que estamos usando uma notação especial para representar este limite, denominada de derivada de $x(t)$ em relação a $t$. Importante: o símbolo $d/dt$ antes da primeira igualdade em $(\ast)$ deve ser entendido como um símbolo único sendo aplicado à função $x(t)$; já o símbolo $dx/dt$ antes da segunda igualdade em $(\ast)$ deve ser entendido como a razão entre duas quantidades infinitesimalmente pequenas, denominadas de diferenciais, o que nos faz lembrar do limite após a última igualdade em $(\ast)$. Note também na segunda igualdade em $(\ast)$ o uso do ponto para representar uma derivada temporal (e somente temporal). A seguir, vamos tornar operacional este conceito de derivada através de alguns exemplos.

Suponha que a equação horária no eixo $X$ seja uma constante, $x(t)=a$, isto é, repouso. Portanto a velocidade é nula. Então, levando a função constante $x(t)=a$ em $(\ast)$, teremos

\begin{equation} \label{eq:limCte} \frac{d}{dt} x(t) = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{x(t+\Delta t)-x(t)}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{a-a}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0} 0 = 0, \end{equation}

pois o numerador já era nulo antes de executarmos o limite. Acabamos de aprender que a derivada de uma função constante é nula. Do ponto de vista geométrico, devemos perceber que uma função constante é uma reta paralela ao eixo $X$. Assim, qualquer função constante tem uma inclinação (ângulo formado com o eixo $X$) nula, cuja tangente (coeficiente angular) também é nula. Portanto, o coeficiente angular de uma reta paralela ao eixo $X$, $x(t)=a$, é numericamente igual à sua derivada em qualquer ponto, ou seja, nulo. Vejamos se esta relação entre derivada e tangente é mantida em um outro exemplo.

Considere agora uma equação horária linear no tempo, $x(t)=a+bt$, representando um movimento uniforme (velocidade constante). Então, como no caso anterior, levando a função $x(t)=a+bt$ em $(\ast)$, teremos

\begin{equation} \label{eq:limLin} \frac{d}{dt} x(t) = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{x(t+\Delta t)-x(t)}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{\{a+b(t+\Delta t)\} - \{a+bt\}}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0} b = b, \end{equation}

pois o numerador já era igual a $b$ (constante; independente do tempo) antes de executarmos o limite. Portanto, aprendemos que a derivada de uma função linear é igual ao seu coeficiente angular, confirmando assim nossa conjectura que a derivada calculada em um ponto $t$ é numericamente igual ao coeficiente angular da reta tangente à função $x(t)$ (no mesmo ponto $t$). Note que a reta tangente de uma reta coincide com a própria reta. Para confirmar esta conjectura sobre a interpretação geométrica da derivada, vejamos o próximo exemplo.

Considere agora uma função quadrática para a equação horária, $x(t)=a+bt+ct^{2}$, representando um movimento com aceleração constante. Então, levando esta função em $(\ast)$, teremos

\begin{equation} \label{eq:limQua} \frac{d}{dt} x(t) = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{x(t+\Delta t)-x(t)}{\Delta t} =\lim_{\Delta t\to 0} \bigl(b+2ct+c\Delta t\bigr) = b + 2ct + \lim_{\Delta t\to 0} c\Delta t = b + 2ct, \end{equation}

pois o limite do termo $c\Delta t$ é obtido substituindo $\Delta t=0$. Uma regra para calcular limites: simplifique antes suas expressões. Voltaremos à interpretação geométrica em breve. A conjectura é: esta derivada nos permite calcular o coeficiente angular da reta tangente à curva $x(t)=a+bt+ct^{2}$ no ponto $(t,x(t))$.

Até aqui aprendemos que a derivada de um polin{\^{o}}mio $t^{n}$ obedece à regra $nt^{n-1}$. Também aprendemos que a derivada do produto de uma função $f(t)$ por uma constante $c$ obedece à regra $c\, df(t)/dt$, isto é, a constante pode sair para fora da derivada. Ao compararmos os resultados anteriores aprendemos que a derivada obedece a propriedade de linearidade, $d(f(t)+cg(t))/dt= df(t)/dt + c\, dg(t)/dt$. Em geral, as propriedades seguintes nos permitem calcular a derivada de qualquer função suave.

  1. Derivada de uma constante: $\displaystyle \frac{d}{dt}a = 0$.
  2. Derivada de uma potência: $\displaystyle \frac{d}{dt}t^{n} = nt^{n-1}$.
  3. Linearidade: $\displaystyle \frac{d}{dt}\bigl(f(t)+bg(t)\bigr) = \frac{d}{dt}f(t) + b\frac{d}{dt}g(t)$.
  4. Regra do produto: $\displaystyle \frac{d}{dt}\bigl(f(t)g(t)\bigr) = g(t)\frac{d}{dt}f(t) + f(t)\frac{d}{dt}g(t)$.
  5. Regra da função composta: $\displaystyle \frac{d}{dt}f\bigl(g(t)\bigr) = \biggl[ \frac{d}{dg}f(g) \biggr]\, \frac{d}{dt}g(t)$.

De fato, cada uma destas propriedades serão estudadas em detalhes no curso de Cálculo. Em particular, as três últimas propriedades serão demonstradas adequadamente.

Para ilustramos como estas propriedades são utilizadas, precisamos aprender a calcular a derivada de algumas funções elementares, além de polinômios. Por exemplo, a função exponencial será muito importante para nossas discussões futuras. Vamos então calcular a derivada da função $x(t)=e^{\omega t}$ ($\omega$ constante), usando a definição $(\ast)$:

\begin{multline} \label{eq:dexp1} \frac{d}{dt}e^{\omega t} = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{e^{\omega(t+\Delta t)} - e^{\omega t}}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0}\frac{e^{\omega t}(e^{\omega\Delta t} - 1)}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{\omega\, e^{\omega t}(e^{\omega\Delta t} - 1)}{\omega\Delta t} = \omega\, e^{\omega t} \lim_{\Delta s\to 0} \frac{(e^{\Delta s} - 1)}{\Delta s}, \end{multline}

onde efetuamos a troca $\omega\Delta t\to \Delta s$. Note também que retiramos a expressão $\omega\, e^{\omega t}$ de dentro do limite, pois ela não depende de $\Delta t$. Nosso problema agora é calcular o limite apresentado no final desta expressão. Lembrando que a exponencial de zero é a unidade, então a exponencial de um número tendendo a zero deve ser um valor muito próximo da unidade (um pouquinho maior que a unidade se o argumento for positivo e um pouquinho menor que a unidade se o argumento for negativo). Assim, quando $\Delta s$ é muito pequeno, podemos escrever $e^{\Delta s}= 1+f(\Delta s)$, onde $f(\Delta s)$ é desconhecida, mas com duas propriedades: (i) $f(0)=0$ (caso contrário não teríamos $e^{0}=1$) e (ii) $f(\Delta s)=\Delta s$ é uma excelente aproximação para valores muito pequenos de $\Delta s$ (verifique isto numericamente com sua calculadora). Desta forma,

\begin{multline} \label{eq:lf1} \lim_{\Delta s\to 0}\frac{(e^{\Delta s} - 1)}{\Delta s} = \lim_{\Delta s\to 0}\frac{f(\Delta s)}{\Delta s} = \lim_{\Delta s\to 0}\frac{\Delta s}{\Delta s} =1. \end{multline}

O curso de Cálculo apresentará uma demonstração muito mais elegante para este limite. Este resultado nos possibilita reescrever a nossa derivada como

\begin{equation} \label{eq:dexp} \frac{d}{dt}e^{\omega t} = \omega\, e^{\omega t}. \end{equation}

Note que, no caso $\omega=1$, podemos dizer que a derivada da exponencial é ela mesma. A exponencial é a única função com esta propriedade (não esqueça).

Conhecendo a regra para derivar a exponencial, podemos calcular a derivada da função logarítmica. Por definição, dado $x(t)=\ln t$, temos $t=e^{x(t)}$. Derivando no tempo esta última expressão, temos $dt/dt=1$ no lado esquerdo e $de^{x(t)}/dt$ no lado direito, a qual é a derivada de uma função composta, pois $e^{x(t)}=y(x(t))$, com $y(x)=e^{x}$. Usando a regra da função composta, podemos escrever

\begin{equation} \label{eq:rfc1} \frac{d}{dt}e^{x(t)} = \frac{d e^{x}}{dx}\, \frac{d x}{dt} = e^{x}\frac{d x}{dt}. \end{equation}

Este resultado deve ser igualado à unidade (a derivada do lado esquerdo de $t=e^{x(t)}$). Assim,

\begin{equation} \label{eq:dln} \frac{d}{dt}\ln t = \frac{1}{t}. \end{equation}

Este é outro resultado muito útil é muito fácil de memorizar.

Para completar o quadro de derivadas de funções elementares que precisaremos, precisamos das derivadas das funções trigonométricas seno e cosseno. Novamente, vamos usar a definição $(\ast)$ de derivada e calcular a derivada da função seno,

\begin{multline} \label{eq:dsin1} \frac{d}{dt}\sin t = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{\sin(t+\Delta t) - \sin (t)}{\Delta t} = \lim_{\Delta t\to 0} \frac{\sin(t)\cos(\Delta t) + \cos(t)\sin(\Delta t) - \sin (t)}{\Delta t} = \sin(t)\lim_{\Delta t\to 0}\frac{\cos(\Delta t)-1}{\Delta t} + \cos(t)\lim_{\Delta t\to 0}\frac{\sin(\Delta t)}{\Delta t}. \end{multline}

Aqui é um bom momento para deixarmos um pouco de trabalho para o curso de Cálculo. Lá será provado, elegantemente, os limites fundamentais

\begin{equation} \lim_{\Delta t\to 0}\frac{\cos(\Delta t)-1}{\Delta t} = 0, \quad \lim_{\Delta t\to 0}\frac{\sin(\Delta t)}{\Delta t} = 1. \end{equation}

Portanto, levando este dois resultados de volta na derivada da função seno,

\begin{equation} \label{eq:dsin} \frac{d}{dt}\sin t = \cos t. \end{equation}

Este é um resultado também único e muito fácil de ser memorizado: a derivado do seno é o cosseno. Lembrando que $\cos(t)=\sin(t+\pi/2)$, podemos obter a derivada do cosseno. Não podemos esquecer que $\sin(t+\pi/2)$ é uma função composta da forma $\sin(t+\pi/2)=f(g(t))$, com $f(g)=\sin(g)$ e $g(t)=t+\pi/2$. Como regra, toda função, por mais simples que seja, é uma função composta. Assim, a derivada do cosseno pode ser dada por

\begin{multline} \frac{d}{dt}\cos(t) = \frac{d}{dt}\sin(t+\pi/2) = \frac{d}{dt}f(g(t)) = \frac{df}{dg}\, \frac{dg}{dt} = \cos(g) = \cos(t+\pi/2) = -\sin(t), \end{multline}

ou seja,

\begin{equation} \label{eq:dcos} \frac{d}{dt}\cos t = -\sin t. \end{equation}

Não esqueça deste sinal negativo na derivada do cosseno (a função trigonométrica par). Note a troca de papeis entre as derivadas das funções trigonométricas seno e cosseno. Memorize as derivadas abaixo:

\begin{equation} \label{eq:dfelem} \frac{d}{dt} a = 0, \quad \frac{d}{dt} t^{n} = nt^{n-1}, \quad \frac{d}{dt} e^{t} = e^{t}, \quad \frac{d}{dt} \ln t = 1/t, \quad \frac{d}{dt} \sin t = \cos t, \quad \frac{d}{dt} \cos t = -\sin t. \end{equation}

Vejamos mais alguns exemplos do uso das propriedades de derivadas. Por exemplo, suponha $y=\sin(2t^{2})$. Esta é uma função composta na forma $y=f(g(t))$, na qual $f(g)=\sin(g)$ e $g(t)=2t^{2}$. Assim, devemos usar a regra da função composta para efetuar sua derivada,

\begin{equation} \label{eq:dexem1} \dot{y}=\frac{dg}{dt}\,\frac{df}{dg}=(4t)\cos(g)=4t\cos(2t^{2}). \end{equation}

Vejamos este outro exemplo: $y=\cos(2t)e^{t^{2}}$. Desta vez temos um produto de duas funções (um cosseno vezes uma exponencial), na qual cada parcela é uma função composta. Assim, devemos usar primeiro a regra do produto e depois a regra da função composta,

\begin{multline} \label{eq:dexem2} \dot{y}=\biggl\{\frac{d}{dt}\cos(2t)\biggr\} e^{t^{2}} + \cos(2t)\biggl\{\frac{d}{dt}e^{t^{2}}\biggr\} = -2\sin(2t)\,e^{t^{2}}+ \cos(2t)2t\,e^{t^{2}} = 2\bigl[t\cos(2t)-\sin(2t)\bigr]e^{t^{2}}. \end{multline}

Invente outros exemplos. Treine. Use computação algébrica para checar seus resultados. Pratique a vontade.

E a interpretação geométrica de derivada? Para fazermos esta interpretação corretamente, devemos resolver um outro problema (geométrico). Como determinar a equação da reta tangente em um dado ponto $t_{0}$ de uma dada curva $x(t)$? Veja a Figura 1. A única informação que temos é que esta reta tangente deve passar pelo ponto $(t_{0},x(t_{0}))$, e somente por este ponto numa vizinhança muito pequena em torno de $t_{0}$. No entanto, sabemos que precisaremos conhecer também o coeficiente angular desta reta tangente e que para isto precisaremos de um segundo ponto. Isto mesmo, o problema é que não temos este segundo ponto. Que fazer? A única atitude sensata é usar um outro ponto, digamos $x_{1}=x(t_{1})$, da curva $x(t)$, como indicado na Figura 1.

Figura 1. A secante de uma trajetória entre os instantes $t_{0}$ e $t_{1}$ e a sua reta tangente em $t_{0}$. Através do mesmo processo limite que define derivada, a reta secante é levada sobre a reta tangente.

O coeficiente angular da reta secante passando pelos pontos $x_{0}=x(t_{0})$ e $x_{1}=x(t_{1})$ é

\begin{equation} \label{eq:retasecante} \tan\theta_{1} = \frac{x_{1}-x_{0}}{t_{1}-t_{0}}. \end{equation}

De fato, esta reta secante não é a mesma reta tangente que estamos procurando, mas se mantivermos $t_{0}$ fixo e aproximarmos $t_{1}$ de $t_{0}$, obteremos o coeficiente angular da reta tangente que procuramos,

\begin{equation} \label{eq:caretasec} \tan\theta_{0} = \lim_{t_{1}\to t_{0}} \frac{x_{1}-x_{0}}{t_{1}-t_{0}}. \end{equation}

Como este processo limite é o mesmo processo limite usado para definir a velocidade instantânea na Definição 1, podemos concluir que a derivada nos dá informação sobre retas tangentes de curvas: a derivada de uma função qualquer $f(t)$ é numericamente igual ao coeficiente angular da reta tangente passando por $(t,f(t))$. De fato, isto é uma solução (elegante e funcional) ao problema matemático de encontrar a reta tangente de uma curva plana (veja a Figura 1). Vejamos como isto funciona.

Suponha $x(t)=t^{2}/2$. A derivada desta função é $\dot{x}(t)=t$ (verifique). Suponha que estejamos interessados em determinar a reta tangente $\tau(t)=a+bt$ num determinado ponto $x_{0}=x(t_{0})$ da parábola $x(t)=t^{2}/2$, por exemplo em $t_{0}=2$, ou $x_{0}=2$. Acabamos de aprender que o coeficiente angular $b$ desta reta tangente pode ser calculado pela derivada $\dot{x}(t)$, avaliada no ponto em questão, ou seja, $b=\dot{x}(t_{0})$. Tomando $t_{0}=2$, o coeficiente angular da reta tangente passando neste ponto ($x_{0}=x(t_{0})=2$) é $b=\dot{x}(2)=2$. Assim, falta determinarmos o termo independente, $a$, da reta tangente $\tau(t)=a+2t$. Isto pode ser feito impondo que a reta tangente $\tau(t)$ e a parábola $x(t)$ tenham o mesmo valor em $t_{0}=2$ (é a definição da reta tangente: compartilhar um único ponto com a curva). Desta forma, de $\tau(2)=x(2)$ resulta a equação $a+4=2$, a qual implica em $a=-2$. Portanto, no ponto $(2,2)$, a parábola $x(t)=t^{2}/2$ tem uma tangente cuja equação é $\tau(t)=-2+2t$. Verifique isto desenhando simultaneamente a parábola $x(t)$ e sua reta tangente $\tau(t)$ (no ponto $t=2$) e veja que esta reta tangente toca (tangencia) a parábola apenas no ponto $t=2$.

Outra aplicação imediata desta interpretação geométrica: ela é muito útil para determinarmos os pontos extremos (máximos e mínimos) de funções, pois, nestes pontos de máximos e mínimos, a reta tangente é sempre horizontal (logo o seu coeficiente angular é nulo). Portanto, a derivada deve ser nula nos pontos extremos de uma função.