3. Taxas (Derivadas)

3.4. Torção

Até aqui introduzimos os versores tangente \(\hat{v}\) e normal $\hat{n}$, os quais são perpendiculares. Esses dois versores formam um plano que poderá conter ou não a trajetória inteira. Trajetórias retilíneas, circulares e parabólicas estão contidas no plano desses dois versores. Isto significa que a direção normal a esse plano, dada pela direção do versor $\hat{v}\times\hat{n}$, deve ser uma constante no tempo, ou seja, permanece sempre a mesma em todos os pontos da trajetória. Caso o versor normal $\hat{v}\times\hat{n}$ mude ao longo da trajetória, ela não será plana. Uma trajetória elíptica não é plana. Podemos usar esses fatos para construir uma ferramenta que caracteriza se uma trajetória é plana ou não.

Seja $\hat{b}=\hat{v}\times\hat{n}$, denominado de versor binormal, o segundo versor normal ao versor tangente $\hat{v}$. Esses três versores mutuamente perpendiculares e linearmente independentes, conhecidos por trinca (ou tríade) de Frenet, forma uma base ortonormal que muda de orientação em cada ponto da trajetória. Como são versores, a taxa de variação de um deles estará sempre na direção perpendicular e, portanto, pode ser escrita em termos dos outros dois versores. Vimos que $\dot{\hat{v}} = v\kappa\, \hat{n}$. Quem é a taxa de variação $\dot{\hat{b}}$ da binormal? Pelo Teorema 1, esta taxa deve estar no plano dos versores $\hat{v}$ e $\hat{n}$, perpendiculares à direção binormal. Então, \begin{equation} \label{eq:dotb1} \dot{\hat{b}} = \alpha \hat{v} + \beta \hat{n}, \end{equation} onde $\alpha$ e $\beta$ são funções arbitrárias do parâmetro $t$ (tempo). Multiplicando escalarmente esta combinação linear por $\hat{v}$ obteremos \begin{equation} \label{eq:dotb2} \dot{\hat{b}}\cdot\hat{v} = \alpha \hat{v}\cdot\hat{v} + \beta \hat{n}\cdot\hat{v}=\alpha. \end{equation}

A fim de simplificar o lado direito do resultado anterior, devemos fazer uso do teorema seguinte, válido para vetores perpendiculares. A demonstração é imediata. Basta tomar a derivada do produto escalar entre eles e igualar a zero (derivada de uma constante).

Teorema 4
\begin{equation} \label{eq:txvp} \vec{A}\cdot\vec{B}=0\implies \vec{A}\cdot\dot{\vec{B}}=-\dot{\vec{A}}\cdot\vec{B}. \end{equation}

Usando este teorema, a constante $\alpha$ pode ser determinada, \begin{equation} \label{eq:dotb3} \alpha=\dot{\hat{b}}\cdot\hat{v} = -\hat{b}\cdot\dot{\hat{v}}= -v\kappa\,\hat{b}\cdot\hat{n}=0. \end{equation} Portanto, \begin{equation} \label{eq:dotb} \dot{\hat{b}} = \beta \hat{n}= -v\tau\, \hat{n}. \end{equation} Esta escolha para $\beta$ implica que a função $\kappa=\kappa(t)$ tenha a dimensão de inverso de comprimento, $[\kappa]=1/\text{L}$. Observe que esta função $\kappa$ determina se a taxa de variação da binormal será nula ou não. Quando $\kappa=0$, então a binormal será constante, $\dot{\hat{b}}$, e a trajetória será plana. Devido à importância desta função $\kappa$ para determinarmos se uma trajetória será plana ou não, ela será denominada de torção. A torção é uma medida de quanto uma curva se afasta de um plano.

Podemos deduzir uma expressão bastante conveniente para calcular a torção. Para isto, precisamos da derivada do vetor aceleração (decomposto nas direções tangente e normal; verifique), \begin{equation} \dot{\vec{a}} = (\ddot{v}-\kappa^{2}v^{3})\hat{v} + \bigl[\kappa v\dot{v} + \frac{d}{dt}(\kappa v^{2})\bigr]\hat{n}+ \kappa\tau v^{3}\hat{b}. \end{equation} Multiplicando escalarmente esta expressão por \begin{equation} \vec{v}\times\vec{a}=\vec{v}\times(\dot{v}\,\hat{v} + v^{2}\kappa\, \hat{n})=v^{2}\kappa\, \vec{v}\times\hat{n}=v^{3}\kappa\, \hat{b},\end{equation} onde usamos os Teoremas 2 e 3, teremos (verifique) \begin{equation} \tau = \frac{\vec{v}\times\vec{a}\cdot\dot{\vec{a}}}{v^{6}\kappa^{2}}, \end{equation} ou, numa forma mais simétrica dada no teorema seguinte.

Teorema 5
A torção de uma trajetória representada pelo vetor posição $\vec{r}(t)$ (forma paramétrica) é \begin{equation} \label{eq:tau} \tau(t) = \frac{\vec{v}\times\vec{a}\cdot\dot{\vec{a}}} {\|\vec{v}\times\vec{a}\|^{2}}. \end{equation}

Exercício 1. Determine a torção da trajetória no plano $z=0$ dada pela curva (círculo) na forma paramétrica \begin{equation} x(t)=R\cos(\omega t),\quad y(t)=R\sin(\omega t), \end{equation} onde $R$ é o raio.

Exercício 2. Determine a torção da trajetória no plano $z=0$ dada pela curva (parábola) na forma paramétrica \begin{equation} x(t)=2t,\; y(t)=3t-t^2,\; 0\leq t\leq 3/2. \end{equation} Use o Sistema Internacional (SI) de unidades, onde comprimento está em metros (m) e tempo em segundos (s).

Exercício 3. Determine a torção da trajetória dada pela curva (hélice) na forma paramétrica \begin{equation} x(t)=R\cos(\omega t),\; y(t)=R\sin(\omega t),\; z(t)=t/2. \end{equation} onde $\omega$ e o raio $R$ são parâmetros arbitrários.