4. Simetrias

4.2. Com spin

Espinor. Assim com as rotações espaciais preservam o comprimento de um vetor no espaço euclidiano, as transformações de Lorentz atuam nos quadrivetores do espaço minkowskiano preservando seus comprimentos. A função de onda na equação de Dirac não é nem um escalar e nem um quadrivetor. Embora tenha quatro componentes, ela é algo diferente de um quadrivetor, ela é um espinor, com propriedades bem definidas perante uma transformação induzida pelas transformações de Lorentz. Dada uma transformação de Lorentz entre dois referenciais inerciais \(\mathcal{O}\)\(\bar{\mathcal{O}}\), \begin{equation} \bar{x}^{\mu}={\Lambda^{\mu}}_{\nu}x^{\nu},\quad {\Lambda^{\alpha}}_{\mu}{\Lambda_{\alpha}}^{\mu}=\delta^{\mu}_{\nu},\quad \det({\Lambda^{\mu}}_{\nu})=\pm 1,\end{equation} devemos deduzir as propriedades da transformação $S(\Lambda)$, induzida por $\Lambda$, agindo sobre as autofunções (spinor) $\Psi$ da equação de Dirac no referencial $\bar{\mathcal{O}}$, \begin{equation} \bar{\Psi}(\bar{x})=\bar{\Psi}(\Lambda x)=S(\Lambda)\Psi(x)=S(\Lambda)\Psi(\Lambda^{-1}\bar{x}),\end{equation} e no referencial $\mathcal{O}$, \begin{equation} \Psi(x)=\Psi(\Lambda ^{-1}\bar{x})=S^{-1}(\Lambda)\bar{\Psi}(\bar{x})=S^{-1}(\Lambda)\bar{\Psi}(\Lambda x).\end{equation} Levando estas informações à equação de Dirac, a transformação $S(\Lambda)$ é determinada pelas condições \begin{equation} S(\Lambda)\gamma^{\mu}S^{-1}(\Lambda)={\Lambda_{\alpha}}^{\mu}\gamma^{\alpha},\quad S^{-1}(\Lambda)=S(\Lambda^{-1}).\quad (\ast)\end{equation} Esta última relação será provada mais adiante. Ela está aqui porque fica bem aqui. Uma função de onda $\Psi$ satisfazendo estas condições é denominada de espinor.

Geradores I. As transformações de Lorentz próprias (rotações e boosts) são geradas por transformações infinitesimais partindo da identidade, \begin{equation} {\Lambda^{\mu}}_{\nu}\approx \delta^{\mu}_{\nu}+{\omega^{\mu}}_{\nu},\quad {(\Lambda^{-1})^{\mu}}_{\nu}\approx \delta^{\mu}_{\nu}-{\omega^{\mu}}_{\nu}.\end{equation} Devido à inversa $\Lambda^{-1}$ ser dada por uma conjugação, então os parâmetros $\omega_{\mu\nu}$ são antissimétricos, \begin{equation} {\Lambda^{\alpha}}_{\mu}{\Lambda_{\alpha}}^{\mu}=\delta^{\mu}_{\nu} \implies \omega_{\mu\nu}=-\omega_{\nu\mu}.\end{equation} Esta antissimetria implica na existência de apenas seis parâmetros. Cada parâmetro representa um ângulo de rotação em torno do eixo perpendicular a um dos seis planos no espaçotempo.

Uma maneira de realizar os geradores das transformações próprias é considerar uma transformação de Lorentz no plano $ct-x$, \begin{equation}x^{0}=\gamma\bar{x}^{0}+\beta\gamma\bar{x}^{1},\quad x^{1}=\beta\gamma\bar{x}^{0}+\gamma\bar{x}^{1},\quad ds^{2}=d\bar{s}^{2},\end{equation} onde \begin{equation}(x^{\mu})=(x^0,x^1,x^2,x^3)=(ct,x,y,z)=(ct,\vec{r})\end{equation} são as coordenadas contra-variantes. A forma matricial desta transformação é encontrada facilmente por inspeção, \begin{equation}x^{\mu}={\Lambda^{\mu}}_{\nu}\bar{x}^{\nu},\quad \Lambda=({\Lambda^{\mu}}_{\nu})=\begin{pmatrix} \gamma & \beta\gamma & 0 & 0 \\ \beta\gamma & \gamma & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 1 \end{pmatrix}=\begin{pmatrix} \cosh\psi_{1} & \sinh\psi_{1} & 0 & 0 \\ \sinh\psi_{1} & \cosh\psi_{1} & 0 & 0 \\ 0 & 0 & 1 & 0 \\ 0 & 0 & 0 & 1 \end{pmatrix},\end{equation} cuja identidade e inversa são dadas pelas condições \begin{equation} \psi_{1}\to 0,\quad \psi_{1}\to -\psi_{1}, \end{equation} respectivamente. Esta transformação é uma rotação em torno do eixo perpendicular ao plano $ct-x$ por um ângulo $\psi_{1}$. Os geradores são dados pela prescrição \begin{equation} K_{i}=\frac{d\Lambda(\psi_{i})}{d\psi_{i}}\bigg|_{\psi_{i}=0}. \end{equation} Desta forma, temos \begin{equation} \Lambda(\psi_{1})=\begin{pmatrix} \cosh\psi_{1} & \sinh\psi_{1} & 0 & 0\\ \sinh\psi_{1} & \cosh\psi_{1} & 0 & 0\\ 0 & 0 & 1 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 1\end{pmatrix} \implies K_{1}=\begin{pmatrix} 0 & 1 & 0 & 0\\ 1 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 0\end{pmatrix}, \end{equation} \begin{equation} \Lambda(\psi_{2})=\begin{pmatrix} \cosh\psi_{2} & 0 & \sinh\psi_{2} & 0\\ 0 & 1 & 0 & 0\\ \sinh\psi_{2} & 0 & \cosh\psi_{2} & 0\\ 0 & 0 & 0 & 1\end{pmatrix} \implies K_{2}=\begin{pmatrix} 0 & 0 & 1 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 0\\ 1 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 0\end{pmatrix},\end{equation} \begin{equation} \Lambda(\psi_{3})=\begin{pmatrix} \cosh\psi_{3} & 0 & 0 & \sinh\psi_{3}\\ 0 & 1 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 1 & 0\\ \sinh\psi_{3} & 0 & 0 & \cosh\psi_{3}\end{pmatrix} \implies K_{3}=\begin{pmatrix} 0 & 0 & 0 & 1\\ 0 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 0\\ 1 & 0 & 0 & 0\end{pmatrix}.\end{equation} Note que estas matrizes são simétricas. Os outros três geradores, geram as rotações espaciais usuais, \begin{equation}L_{i}=\frac{dR(\theta_{i})}{d\theta_{i}}\bigg|_{\theta_{i}=0},\end{equation} onde \begin{equation}R(\theta_{1})=\begin{pmatrix} 1 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 1 & 0 & 0\\ 0 & 0 & \cos\theta_{1} & -\sin\theta_{1}\\ 0 & 0 & \sin\theta_{1} & \cos\theta_{1}\end{pmatrix}\implies L_{1}=\begin{pmatrix} 0 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & -1\\ 0 & 0 & 1 & 0\end{pmatrix},\end{equation} \begin{equation}R(\theta_{2})=\begin{pmatrix} 1 & 0 & 0 & 0\\ 0 & \cos\theta_{2} & 0 & \sin\theta_{2}\\ 0 & 0 & 1 & 0\\ 0 & -\sin\theta_{2} & 0 & \cos\theta_{2}\end{pmatrix}\implies L_{2}=\begin{pmatrix} 0 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 1\\ 0 & 0 & 0 & 0\\ 0 & -1 & 0 & 0\end{pmatrix},\end{equation} \begin{equation}R(\theta_{3})=\begin{pmatrix} 1 & 0 & 0 & 0\\ 0 & \cos\theta_{3} & -\sin\theta_{3} & 0\\ 0 & \sin\theta_{3} & \cos\theta_{3} & 0\\ 0 & 0 & 0 & 1\end{pmatrix}\implies L_{3}=\begin{pmatrix} 0 & 0 & 0 & 0\\ 0 & 0 & -1 & 0\\ 0 & 1 & 0 & 0\\ 0 & 0 & 0 & 0 \end{pmatrix}.\end{equation} Estas matrizes são anti-simétricas. Temos assim os geradores $K$ realizados por matrizes simétricas e os geradores $L$ realizados por matrizes anti-simétricas. Como o grupo de Lorentz é não-compacto, não é possível realizar todos os seus seus geradores por matrizes finitas somente simétricas (ou somente anti-simétricas). As representações hermitianas de álgebras não-compactas são de dimensão infinita.

Álgebra $so(1,3)$. Os geradores $K$ e $L$ formam a álgebra $so(1,3)$, cujas constantes de estrutura são \begin{equation} [L_i, L_j]= \epsilon_{ijk}L_k,\quad  [K_i, K_j]= -\epsilon_{ijk}L_k,\quad [L_i, K_j]= \epsilon_{ijk}K_k,\end{equation} com soma implícita em $k$. Para os nossos propósitos práticos, os novos geradores (hermitianos) \begin{equation} M_i=\frac{1}{2}(\mathrm{i}L_i-K_i),\quad N_i=\frac{1}{2}(\mathrm{i}L_i+K_i),\quad M_{i}^{\dagger}=M_{i},\quad N_{i}^{\dagger}=N_{i},\end{equation} são mais adequados, pois agora as constantes de estrutura tomam uma forma familiar, \begin{equation} [M_i, M_j]= \mathrm{i}\epsilon_{ijk}M_k,\quad [N_i, N_j]= \mathrm{i}\epsilon_{ijk}N_k,\quad [M_i, N_j]= 0,\quad \mathrm{i}^2=-1.\end{equation} Ou seja, a álgebra do grupo de Lorentz é isomórfica à soma direta de duas álgebras de momentum angular, \begin{equation} so(1,3)=su(2)\oplus su(2). \end{equation} Assim, podemos tirar proveito da bem conhecida teoria de representação da álgebra compacta $su(2)$. Como aconteceu esse milagre da álgebra não-compacta $so(1,3)$ se tornar uma soma direta de duas cópias da álgebra compacta $su(2)$? Simples, $K$ e $L$ são os geradores da álgebra não compacta $so(1,3)$. São eles que geram o grupo de Lorentz, via uma aplicação exponencial com coeficientes reais $\omega^{\mu\nu}$ (os ângulos de rotação), \begin{equation} \Lambda=\exp\{\frac{1}{2}\omega^{\mu\nu}L_{\mu\nu}\},\quad L_{ij}=\epsilon_{ijk}L_{k},\quad L_{0i}=K_{i}.\quad (\ast\ast)\end{equation} Os parâmetros do grupo $\omega^{\mu\nu}$ (os ângulos de rotação) são dados pela mesma regra de formação dos geradores $L_{\mu\nu}$, \begin{equation} \omega_{ij}=\epsilon_{ijk}\theta_{k},\quad \omega_{0i}=\psi_{i}.\end{equation} Enquanto os ângulos $\theta$ são compactos, os ângulos $\psi$ são não-compactos. No entanto, podemos usar as irreps da álgebra compacta $su(2)$ para representar os geradores hermitianos $M$ e $N$ e, consequentemente, os geradores não-hermitianos $K$ e $L$, \begin{equation} L_{i}=-\mathrm{i}(M_{i}+N_{i}),\quad K_{i}=-(M_{i}-N_{i}).\end{equation}

Espinor II. Tendo um elemento $\Lambda$ do grupo de Lorentz em termos de seus geradores $L$, \begin{equation} \Lambda(\omega)=\exp\{\frac{1}{2}\omega^{\mu\nu}L_{\mu\nu}\},\quad L_{ij}=\epsilon_{ijk}L_{k},\quad L_{0i}=K_{i},\quad \Lambda^{-1}(\omega)=\Lambda(-\omega),\quad (\ast\ast)\end{equation} podemos expressar a transformação $S$ atuando nos espinores também via uma aplicação exponencial, \begin{equation} S(\omega)=\exp\{\frac{\mathrm{i}}{4}\omega^{\mu\nu}\sigma_{\mu\nu}\},\quad S^{-1}(\omega)=S(-\omega),\quad \sigma_{\mu\nu}=-\sigma_{\nu\mu}.\end{equation} Isso é possível porque a transformação $S$ vive no grupo e os elementos do grupo atuam nos espinores. A hamiltoniana vive na álgebra do grupo. Escrevendo a transformação $S$ em torno da identidade, podemos verificar a propriedade de sua inversa e de antisimetria das matrizes $\sigma_{\mu\nu}$. O fator $\mathrm{i}/4$ é por conveniência. Em geral consideramos uma rotação por vez, o que dispensa as somas implícitas nestas exponenciais.

Geradores II. Além das transformações de Lorentz (rotações),