Genética forense


A tecnologia genética está se desenvolvendo mais rapidamente do que as políticas, as leis e as convenções que regulam o seu uso.


Discussão de um caso.

João tem 40 anos de idade, não aprendeu a dirigir, nunca teve um telefone celular nem computador. João perdeu as experiências da maioria dos adolescentes e dos jovens, pois foi preso quando tinha 17 anos e permaneceu preso por 23 anos, acusado de crime que não cometeu. Ele acabou sendo libertado graças a um dos mais importantes desenvolvimentos advindos do estudo do DNA e das modernas técnicas da análise genômica. João foi liberado depois que a comparação do seu DNA com um DNA isolado da cena do crime mostrou conclusivamente que ele não poderia ter praticado o crime. (caso retirado do livro do Watson e cols., 2009).


Perfil de DNA, ou impressão do DNA

As sequências de DNA das pessoas são 99,9% idênticas. Entretanto, ocorrem pequenas diferenças a, pelo menos, cada 1.000 nucleotídeos, que permitem dar uma identidade própria a um indivíduo (Figura 3).

Figura 3 - semana 9
Figura 3

A análise da impressão do DNA teve seu início a partir da pesquisa básica das unidades repetitivas do DNA e se transformou em uma ferramenta importante de identificação. Pode ser utilizada em casos forenses, na investigação criminal, onde o DNA pode ser usado para excluir indivíduos suspeitos de crimes. Na identificação de pessoas desaparecidas, e de vítimas de desastres envolvendo varias pessoas, ele pode acabar com a ansiedade daqueles que perderam parentes e amigos em grandes tragédias. Este tipo de teste também pode ser utilizado para a determinação de paternidade, como para estabelecer relações muito distantes de parentesco, traçando assim a ancestralidade.


Técnicas de impressão digital

O rápido avanço das técnicas vem melhorando muito a análise forense, mas também tem implicações importantes na sociedade humana (Animação 5).


Animação 5


Loci hipervariáveis ou Variabilidade das repetições em tandem (VNTR)

A impressão digital do DNA utiliza loci altamente polimórficos, escolhidos de maneira tal que exista uma probabilidade muito pequena de que duas amostras com a mesma impressão digital possam ser originadas de indivíduos diferentes. Os polimorfismos mais usados para propósitos forenses são aqueles denominados loci hipervariáveis. Os mais informativos são os constituídos de um número variável de sequências idênticas ligadas em tandem. Quando o DNA é digerido com uma enzima de restrição que corta as sequências que flanqueiam o lócus da região hipervariável, os comprimentos dos fragmentos de DNA produzidos em diferentes indivíduos dependem do número de repetições no lócus, que varia entre 15 e 70. Como existe uma variedade de diferentes loci de VNTRs no genoma, o padrão de fragmentos produzidos por eles é essencialmente único para cada indivíduo (Animação 6).


Animação 6

Por outro lado, algumas sondas podem identificar um único lócus de VNTR, gerando no máximo 2 fragmentos por indivíduo. Entretanto, se existe uma grande variedade de tamanhos de fragmentos para cada lócus, chegando a mais de 77 alelos por lócus, com tamanho que variam de 44 a mais de 500 repetições, este tipo de sonda pode ser muito informativo.


Repetições curtas em tandem (short tandem repeats - STRs)

São sequências de dois a sete pares de bases, repetidas muitas vezes em tandem em uma região do genoma (Animação 7). Essas repetições são altamente variáveis e, por causa do pequeno tamanho de cada alelo, pode-se utilizar a PCR para a sua amplificação.


Animação 7


Esta metodologia apresenta grandes vantagens para o trabalho forense, pois permite a utilização de amostras muito pequenas de DNA, inclusive quando ele se encontra degradado (como pode ocorrer em amostras colhidas em cenas de crime). Entretanto, a metodologia exige um rigor quanto à analise de possíveis artefatos, bem como à ocorrência de microvariantes (Animação 8).


Animação 8 - (obs: acione o botão play para dara sequência à animação)


Mesmo assim, esta é a técnica de escolha de várias agências de investigação policiais no mundo todo, inclusive o FBI americano, a FSS inglesa e a Interpol europeia (Figura 4).

Figura 4 - semana 9
Figura 4


Amplificação por PCR multiplex e marcadores fluorescentes

Utilizam-se os mesmos pares iniciadores da PCR, que flanqueiam as sequências STRs, e estes são marcados com etiquetas fluorescentes. Dessa forma, o comprimento das STR é lido e determinado por máquinas semelhantes às utilizadas para o sequenciamento do DNA. Com uma seleção cuidadosa dos tamanhos das regiões amplificadas, as STRs múltiplas podem ser amplificadas em uma única reação, utilizando-se kits já padronizados, que detectam os 16 marcadores: 13 STRs exigidas pelo FBI e mais 3 marcadores usados no Reino Unido (Animação 9).


Animação 9

Deve-se levar em conta que a amplificação por PCR pode produzir uma série de artefatos que podem complicar a análise. Por isso, estas técnicas incluem uma série de controles e marcadores de amplificação e tamanho de fragmentos.

Após o teste, a individualidade do perfil de DNA é calculada usando a frequência dos alelos STR. Isto é feito de acordo com o princípio de equilíbrio de Hardy-Weinberg. A frequência dos alelos diverge em diferentes populações. Alguns alelos são mais frequentes na população hispânica, e outros, em caucasianos. Essas diferenças, embora ainda de fundamentação controversa, vêm sendo utilizadas para fazer predições em relação às características físicas de um indivíduo.

Estudos que utilizam marcadores SNPs e sequências ALU sugerem que é possível distinguir grupos de seres humanos com base na frequência destes marcadores. Entretanto, esses resultados são conflitantes com outros estudos que mostram o quanto é difícil definir uma “população”, e que, na verdade, é alto o grau de miscigenação das diversas populações. Portanto, o conceito de que a origem étnica pode ser usada como alternativa do estudo baseado nas variantes genéticas é ainda objeto de muitos debates.


Polimorfismos de um único nucleotídeo (do inglês - single-nucleotide polymorphism - SNPs)

Os SNPs são as variantes mais comuns no genoma humano e fornecem um número gigante de marcadores genéticos. Entretanto, embora muito abundantes, os SNPs têm somente 2 alelos, em contraste com os vários alelos dos STRs. Entretanto, o estudo de, pelo menos, 50 SNPs possibilita encontrar o poder estatístico da série de 13 STRs usados pelo FBI. A análise também pode ser complicada pela contaminação das amostras, e da possibilidade de muitos SNPs não serem informativos.

Mesmo com essas desvantagens, os SNPs vêm ganhando grande importância forense, principalmente, porque permitem o uso de DNA degradado.


Evidências de DNA precisam ser coletadas cuidadosamente no local do crime.

A importância do procedimento adequado na coleta de amostras da cena do crime foi dramaticamente demonstrada pelo julgamento de O.J. Simpson. A equipe de defesa teve a habilidade de levantar dúvidas em relação à forma de coleta do material, seu manuseio e guarda, e com isso impediu o julgamento do caso, apesar de o perfil de DNA de Simpson ter coincidido com a prova obtida no local do crime.

Portanto, precauções especiais precisam ser tomadas na hora de coletar evidências biológicas no local do crime. O DNA pode ser obtido no sangue espalhado, na saliva, em células da pele, no cabelo, no sêmen ou no suor. A quantidade de material disponível pode ser muito pequena, e o DNA é susceptível à degradação por fungos e bactérias. Por isso, provas amostrais precisam ser guardadas em sacos de papel e não de plástico, que retém a umidade.

Amostras adicionais de DNA, estranhas ao criminoso ou à vitima, também estão presentes na cena do crime, e devem ser evitadas cuidadosamente.


Bancos de Dados

Computadores e bancos de dados são essenciais para armazenar e recuperar dados de sequências de DNA, o que também se aplica aos perfis de DNA. Um cientista forense pode pesquisar um dos bancos de dados forenses para encontrar uma sequência compatível a um perfil desconhecido em análise.

Já existem alguns sistemas de índices de DNA combinado, como o CODIS do FBI, com 3.250.000 perfis, e o National DNA Database do Serviço de Ciência Forense do Reino Unido, com 3.500.000 perfis. Estes bancos de dados representam cerca de 1% e 5,2% da população dos EUA e UK, e continuam a ser alimentados e a crescer rapidamente.

Nestes bancos, os dados estão organizados em tipos de perfis, inclusive de infratores condenados, amostras de DNA de cenas de crimes, de pessoas desaparecidas. Os sobreviventes de desastres e os parentes de pessoas desaparecidas complementam estes bancos de dados com informações da população, que permitem a avaliação da raridade de ocorrência de um perfil de DNA.

O genoma mitocondrial humano, já totalmente sequenciado, tem 16.569 nucleotídeos, organizados em 37 genes e uma região reguladora de 1.200 pb. Dentro dessa região, existem duas sequências curtas hipervariáveis, que podem ser utilizadas para identificação. A importância desta análise consiste no fato de poder se rastrear a linhagem materna, visto que as mitocôndrias são herdadas via o gameta materno predominantemente.

Por outro lado, as STRs do cromossomo Y têm a vantagem de serem específicas do homem, podendo traçar a ancestralidade via linhagem paterna.

Com o aumento dos bancos de dados de perfis de DNA, vem crescendo a possibilidade de se obter a identificação molecular de um infrator, sem que se conheça a sua identificação social. Isto significa que, se o perfil de DNA obtido no local do crime coincidir com um perfil do banco de dados, este indivíduo pode ser indiciado, mesmo não havendo nenhuma outra evidência que o correlacione ao crime.

A taxa de sucesso deste tipo de identificação vem aumentando, porque os bancos de dados possuem um grande número de perfis de criminosos condenados, e muitos deles são reincidentes. Além disso, a pesquisa da origem familiar também pode ajudar a identificar possíveis perfis de criminosos, cuja amostra de DNA não esta no banco, mas que se aproxima muito de indivíduos provavelmente aparentados.


Panorama Brasileiro


Trabalhos de pesquisa estão atualmente sendo desenvolvidos na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho. Dentre eles:

  • identificação humana;
  • banco de DNA de familiares para identificação de pessoas desaparecidas;
  • projeto Caminho de Volta: busca de Crianças desaparecidas no Estado de São Paulo;
  • uso de DNA mitocondrial na Identificação Forense.

Projeto Caminho de Volta


O Projeto Caminho de Volta foi desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em parceria com a Secretaria de Segurança Pública no ano de 2004. Sua finalidade é auxiliar as famílias de crianças ou adolescentes desaparecidos por meio das seguintes etapas:

Tecnologia: criação de bancos de dados e bancos de DNA dos familiares das crianças ou adolescentes desaparecidos, elaborados através da análise do DNA do material biológico de uma gota de sangue e um pouco de saliva cedidos pelos familiares. O material será cruzado com o material biológico de toda criança cujo reconhecimento visual seja difícil ou impossível. O cruzamento das informações genéticas entre os bancos de DNA, tanto da família quanto da criança ou adolescente, possibilita a confirmação dos vínculos de parentesco.

Apoio Psicológico: disposição de profissionais que auxiliem as famílias a compreender as causas do desaparecimento e a enfrentar a espera de seu retorno. Cerca de 85% dos casos de desaparecimento são fugas de casa e muitas destas fugas são originadas por conflitos familiares e, por isso, a família deve ter apoio para entender as razões que levam à fuga.

Ensino: Capacitação de profissionais para desenvolver a metodologia do Projeto em todo o Estado de São Paulo com apoio dos Departamentos de Polícia Judiciária do Interior das cidades de São José dos Campos – DEINTER 1, Campinas – DEINTER 2, Ribeirão Preto – DEINTER 3, Bauru – DEINTER 4, São José do Rio Preto – DEINTER 5, Santos – DEINTER 6, Sorocaba – DEINTER 7 e Presidente Prudente – DEINTER 8. O Estado do Paraná foi o primeiro a implementar a metodologia do Projeto Caminho de Volta; o programa funcionará no SICRIDE.

O maior desafio da equipe é o de que todo o Brasil possa se beneficiar deste serviço.


!!! Para saber mais sobre o Projeto Caminho de Volta, clique aqui.