Complexidade dos seres vivos



Mesmo o mais simples dos seres vivos atuais é muito complexo. Como surgiu essa complexidade?


Este é um fato que intrigou os pesquisadores sobre a origem dos seres vivos durante muito tempo. Desde meados do século XX sabe-se que o material genético é constituído por ácidos nucleicos. Entretanto, os organismos atuais não são formados exclusivamente por ácidos nucleicos. Eles são formados, como já vimos, por outros compostos. Existe ainda uma divisão de tarefas nos seres vivos atuais. Na maioria deles, a informação genética é armazenada no DNA; o RNA transmite essa informação genética para proteínas, que fazem o metabolismo funcionar. O metabolismo é o conjunto de reações químicas que ocorre nos organismos. Na década de 1980, entretanto, descobriu-se que os ácidos nucleicos, em especial o RNA, também são capazes de realizar a tarefa que era considerada exclusiva das proteínas. Certas moléculas de RNA também podem realizar a catálise de reações químicas.

A partir dessa descoberta, aliada ao fato de que existem vírus, como o da gripe ou o HIV, que possuem apenas RNA como material genético, a hipótese já existente de que o primeiro ser vivo era formado por RNA ganhou um grande impulso. Atualmente,é amplamente aceita essa hipótese, que é conhecida como a "teoria do Mundo de RNA".

O RNA é, portanto, uma molécula bastante flexível. Pode armazenar informação genética e, ao mesmo tempo, catalizar reações químicas e, portanto, possibilitar o metabolismo.

Em teoria, bastaria existir uma molécula de RNA que aumentasse a chance de que moléculas parecidas com ela fossem formadas para disparar a centelha da vida. A partir daí, os descendentes dessa molécula hipotética poderiam evoluir para formas mais complexas até os organismos atuais.

E como teria surgido a primeira molécula de RNA com capacidade de fazer réplicas de si mesma?

Os seres vivos atuais são demasiadamente complexos para imaginarmos que, por simples arranjos casuais, eles teriam surgido por uma combinação de moléculas simples. Uma molécula que tem capacidade catalítica dos organismos atuais teria uma probabilidade muito pequena de ter surgido por uma combinação casual.

O RNA é uma molécula polimérica, que resulta da polimerização de seus monômeros, ou seja, de ribonucleotídeos. Existem, nos organismos atuais, quatro tipos de nucleotídeos que são diferentes entre si na composição de suas bases nitrogenadas: a adenina, a citidina, a guanina e a uracila, representadas pelas letras A, C, G e U. Assim, a quantidade de sequências diferentes com um tamanho de apenas 10 nucleotídeos é um número muito elevado, que é o resultado de 4 elevado à décima potência. O resultado dessa conta é 1.048.576. Isso quer dizer que há mais de um milhão de possíveis moléculas de RNA com somente 10 ribonucleotídeos! Mas isso não quer dizer que somente uma molécula entre 1 milhão delas possui uma determinada propriedade. Um exame mais amiúde das moléculas de RNA de organismos atuais mostra que o cálculo não é bem esse.

Se compararmos sequências de ribonucleotídeos que possuem uma determinada função de organismos atuais, verificamos que é comum que exista variação. Isso significa que existem muitas moléculas de RNA com sequências de nucleotídeos diferentes que desempenham a mesmíssima função. Além disso, sabemos que as grandes cadeias atuais de macromoléculas são resultado da combinação de sequências menores, que são aquelas que realmente têm a função catalítica.

Se o RNA foi a primeira "molécula viva", em que a mesma molécula desempenhava as funções de material genético e de metabolismo, por que os organismos atuais possuem RNA, DNA e proteínas com divisão de tarefas?

Uma das características principais do RNA é a de ser bem menos estável quimicamente que o DNA. Atualmente, a hipótese mais aceita é a de que o papel de manutenção da função de transmissão do material genético pelo DNA seja mais recente. As proteínas também teriam passado a exercer grande parte das funções catalíticas pelo metabolismo secundariamente. As principais evidências disso são:

1. Muitas das funções-chave do metabolismo, como a síntese de proteínas, são catalisadas por moléculas de RNA.

2. A informação que passa do DNA para o RNA pelas polimerases do RNA também pode ser passada do RNA para o DNA, com a participação de transcriptases reversas, que usam o RNA como molde para a síntese de DNA.

3. Diversos cofatores (moléculas que participam de reações químicas na célula) são formados por ribonucleotídeos (ATP) ou possuem ribonucleotídeos em suas moléculas.

4. Existem vírus que possuem somente RNA como material genético.

5. O RNA tem uma importante função de regulação da atividade gênica, em especial os micro-RNAs, que são moléculas de cadeia curta.

As células atuais são sempre encapsuladas com um envoltório de natureza lipoproteica. Como elas poderiam ter surgido?

Esta é uma das questões que já foi resolvida há bastante tempo. Os lipídeos não se misturam com soluções aquosas, formando fases. Todos aqueles que tentaram misturar óleo de cozinha com água sabem muito bem disso. Entretanto, sob agitação, os lipídeos podem formar espontaneamente microgotículas, que podem ter água em seu interior.