1.4. Representantes do Subfilo Vertebrata: Amniotas

      • Amniados (Amniota)

      Por “amniado” (ou amniota) entendem-se os animais dotados de membranas extraembrionárias, que formam o ovo amniótico. Tais membranas (ou anexos) são o cório (membrana mais externa, que garante isolamento térmico e microbiológico, além de auxiliar nas trocas gasosas), o âmnio (envoltório com água, responsável pela proteção mecânica e contra a desidratação), o alantoide (extensão da porção final do trato digestório responsável pela excreção e, não raro, pelas trocas gasosas) e o saco vitelínico (bolsa presente na porção médio-anterior do trato digestório que armazena vitelo, substância nutritiva que serve de alimento ao embrião durante seu crescimento; essa estrutura, todavia, não é exclusiva dos amniados, e está presente em muitos outros vertebrados).

      Além disso, esses animais contam com outras características derivadas, tais como: peles mais resistentes à desidratação, regiões externas altamente queratinizadas (escamas, unhas, cornos, bicos), esqueletos diferenciados (com mais de um par de costelas sacrais, osso astrágalo nos pés etc.) e incorporação de mais dois pares de nervos ao crânio em relação aos demais tetrápodes, que possuem dez. Também é muito claro o maior distanciamento entre a cintura escapular e o crânio (separados por uma vértebra cervical nos anfíbios), conferindo-lhes um pescoço com maior motilidade, e assim um campo maior de percepção e ação mandibular.

      O valor adaptativo que todas essas mudanças trouxeram aos amniados permitiu que eles, já por volta do Carbonífero (há mais de 330 milhões de anos), obtivessem sucesso em extrair recursos de ambientes mais secos, ainda com pouca competição, e colonizassem boa parte da superfície terrestre em pouco mais de 50 milhões de anos (M.a.), ainda no Permiano.

      A este ponto você já conseguiu perceber de que animais estamos falando? Pense numa hipótese sobre quais seriam estes animais, e veja um pouco à frente se ela será rejeitada.

      • Tartarugas (Testudines)

      As aproximadamente 300 espécies de tartarugas, cágados e jabutis estão entre os animais mais marcantes e distinguíveis entre todos. Sua anatomia é tão particular que mesmo uma criança é capaz de reconhecê-los prontamente. Mas... Por que existe esse intervalo morfológico tão pronunciado em relação aos demais “répteis”? Duas explicações possíveis são: i) as linhagens intermediárias entre o ancestral dos amniados e os quelônios não têm representantes atuais; ii) os quelônios sofreram o efeito de um possível fenômeno evolutivo (ainda muito debatido) chamado equilíbrio pontuado, no qual, em resumo, mutações se acumulam rapidamente ao longo do tempo geológico, o que faz surgir poucas linhagens “intermediárias”.

      Esses animais estão presentes na Terra há pelo menos 200 M.a., desde o Triássico, e apresentam uma característica muito marcante: suas costelas, fundidas e externas às cinturas, formando o casco (Figura 5.5). Essa estrutura, embora importantíssima na proteção mecânica, impõe grandes limitações no modo de vida desses animais, que possuem um espaço interno não expansível (causando dificuldades nos movimentos respiratórios e na contenção das vísceras e dos ovos) e locomoção reduzida, principalmente a terrestre. Entre outras peculiaridades, apresentam também uma placa córnea na boca, em vez de dentes, e crânio suboval, sem reentrâncias além da abertura ocular (Figura 5.7).

      É importante enfatizar, para os alunos, a natureza desse casco, pois muitos deles tendem a imaginar que as tartarugas podem sair de suas “casas”. Aqui se percebem dois erros graves: o casco é a fusão das costelas com a coluna vertebral e queratina dérmica: portanto, faz parte do corpo do animal (não se trata de seu refúgio) e não pode ser abandonado nem virado (ao contrário do que se vê em alguns desenhos animados).

      Como fonte interessante de pesquisa a ser realizada por estudantes do ensino médio está o comportamento reprodutivo ( e tente descrever como ele se dá), os efeitos ambientais sobre o desenvolvimento do ovo e estímulos usados para orientação e navegação (que podem incluir luz, magnetismo e sentido das ondas oceânicas, como é também o caso de muitas aves e baleias).


      Figura 5.7 Fotografia de um esqueleto de uma tartaruga-das-galápagos. Repare na posição da cintura escapular, interna às costelas, e no crânio, cuja única abertura é a orbital.
      Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/9a/Galapagos_Turtle_skeleton.jpg/800px-Galapagos_Turtle_skeleton.jpg

      • Escamados (Squamata)

      Eis um grupo a ser abordado cuidadosamente com os alunos. Cobras e lagartos tendem a causar ojeriza em muitas pessoas, o que acontece, geralmente, porque não conseguem entendê-los. Um ponto principal a ser atacado é sua importância ecológica, pois esses animais são fundamentais na manutenção das cadeias alimentares tropicais e subtropicais.

      Com quase 6.000 espécies atuais, esses animais (Figura 5.8) são encontrados no registro fossilífero desde o Jurássico (há mais de 150 M.a.), o que não indica com precisão a sua idade, dada a geralmente frágil constituição de seus esqueletos. Possuem diversas características cranianas exclusivas a eles, como os ossos do focinho.

      Outro detalhe marcante do crânio (mas não exclusivo, pois assim também são os dinossauros e crocodilianos) é a presença de duas fenestras (aberturas) temporais além da cavidade ocular, o que aumenta a motilidade e favorece o  (haja vista a capacidade apresentada por algumas serpentes ao engolir algum alimento, auxiliada pelas perdas da sínfise mandibular e da cintura escapular. Outro fato interessante, não relacionado ao esqueleto craniano, mas sim à ingestão de grandes presas, é a abertura traqueal, localizada no assoalho bucal, que contribui para que o animal não engasgue).

      Os lagartos formam um grupo muito comum e diverso: a imagem de teiús, calangos, iguanas, lagartixas, camaleões e dragões-de-komodo logo vêm à mente da maioria das pessoas. E dentre todos esses, podem ser usadas as imagens de alguns deles em salas de aula para cativar e encantar os alunos como, por exemplo, os Anolis (que apresentam apêndices gulares — “papos” —coloridos na época do acasalamento). Pesquisas sobre o funcionamento das mudanças de cores dos camaleões (relacionadas aos cromatóforos: esse tema, aliás, pode ser facilmente relacionado à citologia e à fisiologia) ou sobre o possível comportamento de caça (se o lagarto é de espera ou ativamente móvel) tendem a entreter os alunos mais do que qualquer aula. Afinal, volta e meia estes jovens estão assistindo a programas sobre a vida selvagem na TV! Deve-se, portanto, oferecer aos estudantes a oportunidade de exibir os conhecimentos válidos que eles têm e de discuti-los.

      Uma das modalidades didáticas por vezes menosprezada é a aula expositiva, mas ela pode ser muito útil no ensino de zoologia se aproveitar o fascínio geral que a vida animal provoca nos alunos, fazendo as aulas parecerem um safári ou um show de curiosidades. Temas como mitologia (basilisco mitológico, homem-lagarto, dragão, medusa), o "lagarto-que-corre-n'água" (Basiliscus sp.), ou então coisas como um livro dos recordes do mundo animal ("qual o mais venenoso?", "qual o maior?" etc.) podem muito bem permear o cerne da aula, e o professor pode aproveitar quaisquer ganchos para se aprofundar em aspectos evolutivos, fisiológicos ou morfológicos, e até outros, uma vez que a atenção tenha sido obtida e a curiosidade, despertada.

      Em relação às serpentes (termo mais correto que "cobras", que originalmente deveria se referir às serpentes pertencentes à família das corais), dois temas transversais podem ser abordados: um em relação ao meio ambiente (educação ambiental; não confunda com ecologia!) e outro em relação à saúde.

      No primeiro caso, é bom o professor entender um pouco as possíveis bases evolutivas da ofiofobia (aversão às serpentes): muitos de nós herdamos uma sensação de repúdio à presença de serpentes, aranhas e larvas. Evolutivamente, esse comportamento deve ter sido muito positivo na história do homem: afinal, os ancestrais que evitavam tais animais tinham mais chances de sobreviver e deixar descendentes! Esse sentimento instintivo, portanto, não pode ser destruído em uma aula. No entanto, um efeito positivo pode ocorrer se o indivíduo passar a entender as funções insubstituíveis desses seres no equilíbrio dos ecossistemas: basta lembrar que as serpentes são predadoras eficientes de muitos animais vetores de doenças, bem como de algumas outras serpentes!

      Já em relação à saúde, comentários sobre os diversos mecanismos de ação dos venenos (quer sejam os proteolíticos das jararacas ou os neurotóxicos das cobras-corais), ou então sobre a anatomia dos dentes (Figura 5.9), talvez devam receber tanta ênfase quanto às instruções sobre a prevenção, procedimentos em caso de acidente (jamais usar o torniquete ou chupar a ferida; se possível, fotografar ou coletar a serpente etc.) e o mecanismo básico de atuação dos soros (e perguntas como "por que não é uma vacina?") podem educar o cidadão e — por que não? — salvar uma vida.

      Um dos fatos curiosos é o de que nem todos os escamados são ovíparos. Cerca de 100 espécies de clima mais frio são vivíparas. Você consegue imaginar o motivo? Além disso, o professor também pode abordar em sala o potencial desses predadores através de seus órgãos dos sentidos: será que utilizam  os mesmos que os nossos para caçar? Dá até para bolar um jogo, no qual os participantes usem (ou simulem) apenas órgãos sensoriais de uma serpente.


      Figura 5.8 Fotografias de escamados.
      Fonte: CEPA


      Figura 5.9 Esquemas de dentição de serpentes e exemplos comuns, entre parênteses. a) áglifa (jiboia); b) opistóglifa (falsa-coral); c) proteróglifa (coral-verdadeira); d) solenóglifa (urutu-cruzeiro).
      Fonte: CEPA

      • Crocodilianos (Crocodylia)

      Alguns dos predadores mais atrozes que já existiram são os crocodilos, e todo esse poderio tem um grande potencial em sala de aula. Embora muito variáveis em tamanho (de pouco mais de 1 metro para o crocodilo-anão até mais de 7 metros para o crocodilo-poroso; todavia, Sarcosuchus imperator†, do Cretáceo, ultrapassava os 12 m), todos eles se destacam pelo corpo alongado, atarracado, cilíndrico e musculoso, com focinho longo e repleto de dentes afiados. Exceto em situações inusitadas, são animais de tocaia, que  com violência e rapidez (tentando, submersos, arrastar a presa enquanto a mordem, se ela for grande o bastante para resistir à investida inicial).

      Os crocodilianos são comuns no registro fossilífero no final do Triássico, há cerca de 210 M.a. Aparentemente, ocorreu um leve aumento da diversidade do grupo, para um total de apenas 23 espécies atuais, que incluem o gavialjacaréscrocodilos (perceba os dentes superiores alinhados com os inferiores, assim como o 4º dente inferior hipertrofiado). As principais características morfológicas do grupo estão no coração (com quatro cavidades, mas com mistura de sangues arterial e venoso nos vasos — o que contribui para que sejam ectotermos), no crânio (têm a abertura das narinas que se comunica com o fundo da boca e dentição tecodonte – Figura 5.10), nos quadris etc. A pele desses animais é revestida por placas córneas e, por isso, não sofre muda.

      Outros detalhes curiosos, como o  , a  , a determinação sexual influenciada pela temperatura do meio externo,  (algo que deve ter sido mais comum nos ancestrais dos crocodilianos modernos) etc. podem ser apresentados à classe e discutidos considerando os cenários evolutivos.


      Figura 5.10 Tipos de dentição nos gnatostomados. A última, tecodonte, corresponde à dos crocodilianos.
      Fonte: CEPA

      • Dinossauros (Dinosauria)

      É impressionante como esse assunto chama a atenção dos jovens. Há poucas oportunidades como essa, em sala de aula, para encantar o público. O motivo desse interesse pode variar, mas quase sempre está relacionado à curiosidade e ao espanto, já que muitas dessas formas enormes não encontram semelhantes na fauna atual.

      Os dinossauros aparecem no registro fóssil desde o fim do Triássico, há mais de 200 M.a., e em grande parte foram mortos na penúltima (pois estamos passando por mais uma, antropogênica) extinção em massa, a do Cretáceo-Terciário — K-T, que marcou a passagem para a Era Cenozoica (~70 M.a.) —, que possivelmente extinguiu mais de 50 % das espécies terrestres.

      Entretanto... Ainda vivem quase 10.000 espécies de dinossauros. “Como assim?”, responderão seus alunos. Você, que recentemente terá refrescado sua memória, deverá tentar retomar e reforçar a classificação baseada na ancestralidade (Figuras 5.11 e 5.12). Nesse momento não importa, nem de longe, saber quais são os grupos de dinossauros; talvez um mero relance de sua diversidade já bastará, como uma sequência de fotos, diapositivos (é possível que o professor se surpreenda com alguns alunos!), ou vídeos curtos, como os da série “ ” (BBS). Ah... E as espécies ainda viventes de dinossauros são... as aves!


      Figura 5.11 Esquema representando a filogenia dos Amniota (repare que os “répteis” não são um grupo natural, porque os ancestrais de todos eles também são ancestrais das aves).
      Fonte: CEPA


      Figura 5.12 Esquema representando a filogenia dos Dinosauria.
      Fonte: CEPA

       

      Durante o estudo desses animais, o professor deve retomar conceitos evolutivos e paleontológicos (como ao retratar o ambiente cretáceo — clímax dos dinossauros, ao contrário do que sugerem os nomes de alguns filmes por aí —, com florestas de gimnospermas e angiospermas, insetos etc. — uma excelente atividade, inclusive, pode ser pedir que a sala construa um diorama de algum período do Mesozoico, de algum local específico), e enfatizar as características das aves, tanto as compartilhadas com outros dinossauros quanto as exclusivas (que incluem as aves extintas, como a protoave e as diatrimas): muitas das tradicionais (como ossos pneumáticos, quilha no esterno, bico, pescoço, fúrcula, ossos da perna, pigostílio...), na verdade, são compartilhadas com outros dinossauros ou apenas algumas aves extintas (ou há fortes indícios de que o sejam).

      Uma das poucas características exclusivas das Aves (lato sensu) é a presença de penas assimétricas. Na verdade, o valor adaptativo que as penas representaram para esse grupo diverso de dinossauros talvez não seja superado por nenhuma outra encontrada nos vertebrados: não só possibilitaram o voo, mas também a endotermia, coisas que expandem de maneira brutal o campo de atuação desses organismos.

      Às vezes, os alunos ficam intrigados com as conclusões da Paleontologia. Mas é importante que isso fique claro: muitas vezes, a Ciência trabalha com dados e indícios, na tentativa de entender eventos inobserváveis ou inacessíveis: assim foi com o átomo, com os genes (Mendel entendeu seu funcionamento mais de meio século antes da visualização do DNA), com as filogenias... Até na solução de um crime, às vezes! Para tentar compreender as espécies extintas, a Paleontologia lança mão de vários princípios que frequentemente são debatidos, como o uniformismo (segundo o qual, simplificando, as leis físicas e naturais de hoje se aplicam ao passado, mas não necessariamente com a mesma intensidade). Dessa forma pode ficar mais claro o motivo do uso de aves, mamíferos, crocodilos e tartarugas atuais como modelos — algumas vezes pelo tamanho, outras pela suposta proximidade evolutiva, outras ainda apenas para comparação e busca de padrões — nas tentativas de se compreender a ecologia, a fisiologia, a morfologia e o comportamento de linhagens extintas (às vezes, a partir de um único dente!). Como muitas vezes as estruturas preservadas nos fósseis são do esqueleto, o estudo sobre ele adquire dupla importância.

      • Mamíferos (Mammalia)

      Estudar os mamíferos é entender um pouco mais de nossa origem, assim como quando estudamos os vertebrados... Mas aqui o processo fica ainda mais evidente.

      Para começar, o professor pode sugerir aos alunos que tentem compilar características exclusivas dos mamíferos. Ao final da relação, várias mais podem ser sugeridas, como: crânio sinápsido (Fig. 13); mandíbula com osso único; duas dentições, com dentes diferenciados; dois côndilos occipitais; três ossículos no ouvido médio; ossos longos com epífises ósseas (crescimento limitado); esqueleto pós-craniano diferenciado regionalmente; pele com glândulas e pelos; orelhas; neocórtex desenvolvido; arco aórtico esquerdo; diafragma; posição das pernas na locomoção.

      De todas as características citadas, como muitas não são preservadas pelos fósseis, é difícil saber quais realmente se restringem aos mamíferos como um todo — mas, de qualquer forma, estão presentes nos atuais. Um dos mais antigos mamíferos é o Adelobasileus†, do Triássico superior (225 M.a.).


      Figura 5.13 Crânio sinápsido. Repare que só há uma abertura craniana além da orbital e da nasal. Legenda: j: jugal; qj: quadrado-jugal; sq: esquamosal; po: pré-orbital; p: parietal.
      Fonte: CEPA

      Muitas vezes, as pessoas pensam que “dinossauro” é algo como qualquer grande vertebrado extinto, mas você sabe que isso não confere; na verdade, os mamíferos são descendentes de uma linhagem que tem outros amniados extintos, não dinossauros, como o dimetrodonte. Para ilustrar a expressiva fauna extinta de mamíferos, animais como o indricotério, o mamute (não é ancestral dos elefantes), o dentes-de-sabre (que não é ancestral dos felídeos), o gliptodonte (não é ancestral dos tatus) e o megatério (não é ancestral das preguiças) são bastante impressionantes.

      Todas as características anatômicas e fisiológicas dos mamíferos, aliadas à brusca interrupção da vida de muitos dinossauros, permitiram a proliferação das mais diversas formas desses animais, que podem ser tão pequenos quanto um Batodonoides vanhouteni† (~0,0013 kg) ou tão gigantescos quanto uma baleia-azul (~170.000 kg), alvo incansável dos baleeiros. A diversidade desses animais pode ser verificada em mais de 4.500 espécies viventes distribuídas em quase 30 ordens, as quais são agrupadas em três grupos: monotremados (ovíparos; ex.:  ), marsupiais (com marsúpio; ex.:  ) e placentários (com placenta complexa; ex.:  ).