2. Representações irredutíveis

2.2. Raízes

Consultas. As demonstrações dos teoremas assegurando as propriedades apresentadas aqui podem ser consultadas nas referências básicas. Em particular, veja o Cap. 5, Seção 5.18 em diante, da Ref. [Chen]. Veja também as Refs. [Iachello], [Agostinho] e o excelente livro texto em português [SanMartin]. Como sempre para um tratamento super rigoroso do ponto de vista matemático, consulte sempre os textos do Grupo Bourbaki, neste caso, Caps. VII e VIII da Ref. [Bourbaki].

Cartan-Weyl. A álgebra $su(2)=\{H_{1},E_{\alpha},E_{-\alpha}\}$, apresentada na Tarefa 2 com $-\alpha=\bar{\alpha}$, tem suas constantes de estrutura na forma canônica de Cartan-Weyl: \begin{equation} [H_{1},E_{\pm\alpha}]=\pm E_{\pm\alpha},\; [E_{+\alpha},E_{-\alpha}]=H_{1}. \end{equation} As características gerais presentes neste exemplo particular são: (i) o elemento $H_{1}$ forma a subálgebra de Cartan, indicando uma álgebra de posto um; (ii) a "raiz" $\alpha$ é um vetor unidimensional, cujo o único elemento é a constante de estrutura em $[H_{1},E_{\alpha}]= E_{\alpha}$, autovalor do operador na subálgebra de Cartan. Assim, $\alpha=[1]$; (iii) a raiz negativa é $\bar{\alpha}=-\alpha=[-1]$; (iv) há uma raiz única para cada elemento da álgebra fora da subálgebra de Cartan; (v) a raiz nula é associada aos elementos na subálgebra de Cartan.

A generalização para uma álgebra de Lie semissimples $\mathcal{L}_{r}$ de posto $r$ tem a forma \begin{align} {[H_{i},H_{k}]}&=0,\; i\leq k\leq r \\ [H_{i},E_{\alpha_{k}}]&=(\alpha_{k})_{i}E_{\alpha_{k}}, \\ [E_{\alpha_{i}},E_{-\alpha_{i}}]&=\sum_{k=1}^{r}(\alpha_{i})_{k}H_{k}, \\ [E_{\beta_j},E_{\beta_l}]&=N_{\beta_j\beta_l}E_{\beta_j+\beta_l}. \end{align} Os $r$ vetores $r$-dimensionais $\alpha_{k}$, denominados de raízes simples, têm as constantes de estrutura em $[H_{i},E_{\alpha_{k}}]=(\alpha_{k})_{i}E_{\alpha_{k}}$ como componentes: \begin{equation} \alpha_{k}=\left[(\alpha_{k})_{1},\ldots,(\alpha_{k})_{r}\right]. \end{equation} Note que usamos colchetes para escrever o vetor em coordenadas. Diremos que estes vetores estão escritos na base formada pelo sistema de pesos fundamentais (FWS, de Fundamental Weight System, a serem discutidos mais adiante). Assim, as componentes das raízes simples são os autovalores dos operadores comutantes $H_{k}$, os quais formam a subálgebra de Cartan $\mathcal{H}=\{H_1,\ldots,H_r\}$. O elemento $E_{\alpha_{k}}$ é um autovetor simultâneo dos operadores na subálgebra de Cartan. Além das raízes simples ($\alpha$), as quais são linearmente independentes, existem outras raízes (não-simples). Para cada raiz positiva existe uma negativa. Existe uma raiz não-nula para cada elemento fora da subálgebra de Cartan. Qualquer elemento na subálgebra de Cartan está associado à raiz nula. Por comodidade, o conjunto das raízes simples será denotado por $\Pi$ e o conjunto de todas as raízes por $\Sigma$. A constante de estrutura $N_{\beta_j\beta_l}$ é dada pelas seguintes regras: \begin{equation} N_{\beta_j\beta_l} = \begin{cases} 0, & \text{se $\beta_j=-\beta_l\not\in\Pi$,}\\ 0, & \text{se $\beta_j+\beta_l\not\in\Sigma$,}\\ \pm \sqrt{\frac{q(p+1)}{2}}|\beta_j|, & \text{se $\beta_j+\beta_l\in\Sigma$,} \end{cases} \end{equation} onde um dos sinais na última opção deve ser escolhido livremente e (série descendente) \begin{equation} p=m\in\mathbb{N}^{+} \;\text{se}\; \beta_l-m\beta_j\in\Sigma \;\text{e}\; \beta_l-(m+1)\beta_j\not\in\Sigma \end{equation} e (série ascendente) \begin{equation} q=m\in\mathbb{N}^{+} \;\text{se}\; \beta_l+m\beta_j\in\Sigma \;\text{e}\; \beta_l+(m+1)\beta_j\not\in\Sigma. \end{equation} Nem todas as constantes de estrutura serão inteiros.

Chevalley. A álgebra \(su(2)=\{h_{1},e_{\alpha},e_{-\alpha}\}\), apresentada na Tarefa 3 com $-\alpha=\bar{\alpha}$, tem suas constantes de estrutura na forma canônica de Chevalley: \begin{equation} [h_{1},e_{\pm\alpha}]=\pm 2e_{\pm\alpha},\; [e_{\alpha},e_{-\alpha}]=h_{1}. \end{equation} As características gerais presentes neste exemplo particular são: (i) o elemento $h_{1}$ forma a subálgebra de Cartan, indicando uma álgebra de posto um; (ii) a "raiz" $\alpha$ é um vetor unidimensional, cujo o único elemento é a constante de estrutura em $[h_{1},e_{\alpha}]=2e_{\alpha}$, autovalor do operador na subálgebra de Cartan. Assim, $\alpha=(2)$; (iii) a raiz negativa é $\bar{\alpha}=-\alpha=(-2)$; (iv) há uma raiz única para cada elemento da álgebra fora da subálgebra de Cartan; (v) a raiz nula é associada aos elementos na subálgebra de Cartan.

A generalização para uma álgebra de Lie semissimples $\mathcal{L}_{r}$ de posto $r$ tem a forma \begin{align} {[h_{i},h_{k}]}&=0,\; i\leq k\leq r \\ [h_{i},e_{\pm\alpha_k}]&=\pm A_{ik}e_{\pm\alpha_k}, \\ [e_{+\alpha_i},e_{-\alpha_k}]&=\delta_{ik}h_{i}, \\ [e_{\beta_j},e_{\beta_l}]&=\pm (p+1) e_{\beta_j+\beta_l}, \end{align} onde \begin{equation} p=m\in\mathbb{N}^{+} \;\text{se}\; \beta_l-m\beta_j\in\Sigma \;\text{e}\; \beta_l-(m+1)\beta_j\not\in\Sigma \end{equation} e \begin{equation} p=-1 \;\text{se}\; \beta_j=-\beta_l\not\in\Pi \;\text{ou}\; \beta_j+\beta_l\not\in\Sigma. \end{equation} As constantes de estrutura $A_{ik}$ são os autovalores dos operadores $h_{i}$ da subálgebra de Cartan e formam uma matriz quadrada de ordem $r$ não singular denominada de matriz de Cartan, \begin{equation} A_{ik}=\alpha_i^{\vee}\cdot\alpha_k,\; \alpha_i^{\vee}=\frac{2\alpha_i}{|\alpha_{i}|^2},\; i\leq k\leq r,\end{equation} onde $\alpha_{i}\cdot\alpha_{k}$ denota o produto escalar, $|\alpha_{i}|^2=\alpha_{i}\cdot\alpha_{i}$ é o módulo ao quadrado e $\alpha^{\vee}$ é denominada de corraiz ou raiz dual. Como as componentes de uma raiz simples são os autovalores dos elementos da subálgebra de Cartan, então as linhas (ou colunas) da matriz de Cartan são os vetores raízes. Esta forma de escrever as coordenadas $b_{i}=\alpha_i^{\vee}\cdot\beta$ de uma raiz qualquer $\beta$ será denotada por parênteses, como em $\beta=(b_{1},\ldots,b_{r})$. Diremos que a raiz $\beta$ está escrita na base Dynkin (DYN), formada pelas corraízes simples. Todas as constantes de estrutura na forma de Chevalley são inteiros. Isto significa que os possíveis ângulos entre as raízes simples são limitados. A matriz de Cartan fornece duas informações geométricas importantíssimas sobre as raízes simples $\alpha_{i}$ e $\alpha_{k}$: (i) o ângulo $\theta_{ik}$ entre $\alpha_{i}$ e $\alpha_{k}$, \begin{equation} \label{eq:thetaik} \theta_{ik}=\frac{(7+m)\pi}{12},\; m=A_{ik}A_{ki}\in \{1,2,3\}; \end{equation} para $m=0$, o ângulo é $\pi/2$ ou $\pi$; (ii) a razão entre os comprimentos, \begin{equation} \label{eq:razaoik} \frac{|\alpha_i|^{2}}{|\alpha_k|^{2}}=\frac{A_{ki}}{A_{ik}}. \end{equation}

A base Dynkin fornece o algoritmo mais eficiente para calcular o sistema de raízes.

Base SRS. As raízes simples $\alpha_{i}$, autovalores dos operadores comutantes na subálgebra de Cartan, são linearmente independente. Elas formam uma base no espaço vetorial das raízes. Como as raízes simples formam uma base, qualquer outra raiz $\gamma$ pode ser escrita em termos delas, \begin{equation} \gamma=\sum_{i=1}^{r}c_{i}\alpha_{i}. \end{equation} Usaremos chaves para escrever o vetor raiz neste caso: $\gamma=\{c_1,\ldots,c_r\}$. Diremos que esta raiz está escrita na base formada pelo sistema de raízes simples (SRS).

Bases DYN. As corraízes simples $\alpha^{\vee}$ também formam uma base no espaço vetorial das raízes. Qualquer raiz $\beta$ pode ser escrita em termos delas, $\beta=\sum_{i=1}^{r}b_{i}\alpha_{i}^{\vee}$. Usaremos parêntese para escrever o vetor raiz neste caso: $\beta=(b_1,\ldots,b_r)$. Diremos que esta raiz está escrita na base formada pelo sistema de corraízes simples ou na base Dynkin (DYN).

Base FWS. Quando escrevemos as coordenadas das raízes simples diretamente em termos dos autovalores dos operadores na subálgebra de Cartan, usamos colchetes $\alpha_{k}=\left[(\alpha_{k})_{1},\ldots,(\alpha_{k})_{r}\right]$. Diremos que estes vetores estão escritos na base formada pelo sistema de pesos fundamentais (FWS, de Fundamental Weight System). Pesos são mais gerais que raízes. Pesos etiquetam representações irredutíveis. A raiz é o peso da representação adjunta.

Naturalmente existem matrizes de transformação entre estas bases, bem com uma métrica para cada uma.

Definições.  Considere $\alpha$ e $\beta$ raízes quaisquer.

  1. Uma raiz é positiva se tiver sua primeira componente não-nula em alguma base.
  2. Uma raiz $\beta$ é maior que outra raiz $\alpha$ se a diferença $\beta-\alpha$ for positiva.

Propriedades. Considere $\alpha$ e $\beta$ raízes quaisquer. Veja a Sec.5.19 da Ref. [Chen].

  1. A projeção $\alpha^{\vee}\cdot\beta$ da raiz $\beta$ na corraiz $\alpha^{\vee}$ é um inteiro.
  2. Uma raiz $\alpha$ não possui qualquer outro múltiplo além de $-\alpha$.
  3. A única sequência possível de raízes da forma $\alpha+m\beta$ é limitada: $m=\alpha^{\vee}\cdot\beta=0,\pm 1,\pm 2,\pm 3$.
  4. Os únicos ângulos possíveis entre raízes simples são $90^{\circ}$, $120^{\circ}$, $135^{\circ}$ ou $150^{\circ}$.
  5. É possível apenas dois tamanhos para raízes simples numa mesma álgebra.

Diagramas de Dynkin. Com base nas propriedades de raízes simples, Dynkin criou um sistema gráfico engenhoso de, literalmente, visualizar a estrutura de uma álgebra de Lie semissimples (clássicas e excepcionais). Nesses diagramas, a raiz menor é representada por um círculo aberto e a a maior por um círculo fechado. Quando o ângulo entre elas for de $120^{\circ}$ haverá uma linha ligando os círculos. Quando o ângulo entre elas for de $135^{\circ}$ haverá duas linhas ligando os círculos. Quando o ângulo entre elas for de $150^{\circ}$ haverá três linhas ligando os círculos. Quando o ângulo entre elas for de $90^{\circ}$ (ou $180^{\circ}$) haverá nenhuma linha ligando os círculos. A Tabela 1 mostra os diagramas de Dynkin para as álgebras de posto $r\leq 3$. Simplesmente observando a igualdade entre dois diagramas, permite a conclusão de isomorfismo entre as álgebras correspondentes. Note que as álgebras $B_3$ e $C_{3}$ não são isomórficas. Nas álgebras clássicas, a raiz maior tem o dobro do tamanho da raiz menor. Somente na álgebra excepcional $G_2$ se pode encontrar a raiz maior com o triplo da raiz menor. No entanto, apenas dois tamanhos de raízes aparecem numa mesma álgebra, como mostrado na última coluna da Tabela 1 (no formato menor/maior comprimentos).

Tabela 1. Diagramas de Dynkin.
$A_1\sim B_1\sim C_1$
 $su(2)\sim so(3)\sim sp(2)$
$A_2$  $su(3)$ $120^{\circ}$ $1/1$
$B_2\sim C_2$
 $so(5)\sim sp(4)$ $135^{\circ}$ $1/2$
$D_2=A_1\oplus A_1$
 $so(4)=so(3)\oplus so(3)$ $90^{\circ}$ $1/1$
$G_{2}$
  $150^{\circ}$ $1/3$
$A_3\sim D_3$
 $su(4)\sim so(6)$
$B_3$  $so(7)$
$C_3$  $sp(6)$

Exemplo 1. O sistema de raízes da álgebra $A_2$, ou $su(3)$, está mostrado na Tabela 2. A raiz maior (ou mais alta) $\Lambda=(1,1)$ está na camada $0$. Existem cinco camadas. As raízes estão em ordem decrescente na base SRS e organizadas em camadas (layers). Apenas a raiz nula é degenerada (duplamente). A degenerescência da raiz nula é sempre igual ao posto da álgebra. O soma das raízes positivas é o vetor $(2,2)$ na base DYN.

Tabela 2. Raízes da álgebra $A_2$.
$L(\beta)$ DYN SRS $\alpha_i$ FWSm
0 $(1,1)$ $\{1,1\}$ $\alpha_1+\alpha_2$ $[2,1]$
1 $(2,-1)$ $\{1,0\}$ $\alpha_1$ $[1,-1]$
1 $(-1,2)$ $\{0,1\}$ $\alpha_2$ $[1,2]$
2 $(0,0)$ $(0,0)$ $[0,0]$
3 $(1,-2)$ $\{0,-1\}$ $[-1,-2]$
3 $(-2,1)$ $\{-1,0\}$ $[-1,1]$
4 $(-1,-1)$ $\{-1,-1\}$ $[-2,-1]$

As raízes simples (linearmente independentes) são $\Pi^{+}=\{\alpha_1,\alpha_2\}$, onde $\alpha_1=(2,-1)=\{1,0\}$ e $\alpha_2=(-1,2)=\{0,1\}$. Note que elas estão na mesma camada $1$. A posição da camada indica a quantidades de raízes simples que devem ser subtraídas da raiz máxima para se chegar àquela camada. A matriz de Cartan é formada pelas raízes simples na base DYN: \begin{equation} \label{eq:Aa2} A = \begin{pmatrix} 2 & -1\\ -1 & 2 \end{pmatrix},\quad A^{-1} = \frac{1}{3} \begin{pmatrix} 2 & 1\\ 1 & 2 \end{pmatrix}. \end{equation} Sabendo que as raízes simples possuem o mesmo comprimento, o qual podemos escolher livremente, digamos $|\alpha_i|=\sqrt{2}$, e que o ângulo entre elas é $120^{\circ}$, a matriz de Cartan torna-se a métrica no espaço das raízes na base SRS. A matriz de Cartan é a forma analítica do diagrama de Dynkin. Assim, a raiz $\beta_{1}=\alpha_1+\alpha_2$ tem comprimento \begin{equation} |\beta_{1}|^{2}=\beta_{1}\cdot\beta_{1}= \begin{pmatrix} 1 & 1 \end{pmatrix} \begin{pmatrix} 2 & -1\\ -1 & 2 \end{pmatrix} \begin{pmatrix} 1 \\ 1 \end{pmatrix} =2. \end{equation} Assim, todas as raízes têm o mesmo comprimento. O produto escalar \begin{equation} \beta_{1}\cdot\alpha_{1}= \begin{pmatrix} 1 & 1 \end{pmatrix} \begin{pmatrix} 2 & -1\\ -1 & 2 \end{pmatrix} \begin{pmatrix} 1 \\ 0 \end{pmatrix} =1 \end{equation} indica que a raiz $\beta_{1}$ faz um ângulo de $60^{\circ}$ com a raiz $\alpha_{1}$, como esperado da soma $\alpha_1+\alpha_2$.

A Figura 1 mostra o sistema de raízes na forma de vetores. Este sistema de raízes foi usado no modelo eightfold way para organizar/classificar diversas propriedades de hádrons (partículas subatômicas massivas, como o próton e o nêutron). Neste modelo, a cada raiz é associada uma partícula. Duas partículas de carga nula são associadas à raiz nula. Como exemplo de organização, as massas das partículas associadas às raízes não-nulas são próximas.

Figura 1. O sistema de raízes da álgebra $A_2$ ou $su(3)$. A raiz nula, duplamente degenerada, está no centro. As raízes simples são $\alpha_1$ e $\alpha_2$. Todas as raízes têm o mesmo comprimento.