1. Leis de Newton

1.3. Os princípios

Princípio 1
Existem certos referenciais, denominados de inerciais (no sentido de incapacitados), com as seguintes propriedades.
  1. Cada corpo isolado move-se em uma linha reta neste referencial inercial.
  2. A noção de tempo pode ser quantificada: uma unidade de tempo pode ser definida através do movimento uniforme de um corpo isolado neste referencial inercial.
  3. Cada corpo isolado move-se com uma velocidade constante neste referencial inercial.

Estas três propriedades definem um referencial inercial. Note que um corpo isolado não tem aceleração em um referencial inercial. Assim, podemos definir, pelo menos operacionalmente, tempo como sendo um parâmetro \(t\) proporcional ao comprimento $s$ da trajetória de um corpo isolado (velocidade constante) em um referencial inercial: \begin{equation}\Delta s(t)=\int_{0}^{\Delta t}v\,dt = v\,\Delta t\implies \Delta t=\frac{\Delta s}{v}.\end{equation} Naturalmente, qualquer outro parâmetro $t'$ definido como tempo, usando um outro corpo isolado, estará relacionado de forma linear com o primeiro parâmetro $t$, pois os comprimentos de duas trajetórias quaisquer são sempre proporcionais. Note também que podemos medir apenas intervalos de tempo, proporcionais ao comprimento da trajetória, e nunca os valores absolutos do "tempo".

Como vimos anteriormente, o comprimento de uma trajetória é calculado através de uma integral. Assim, usar o comprimento de uma trajetória para medir intervalos de tempo não é prático. Desde há muito tempo, temos usado o movimento de rotação da Terra em torno de seu próprio eixo, praticamente constante, como um instrumento (relógio) para medir intervalos de tempo. Qualquer processo repetitivo, com uma frequência praticamente constante, pode ser usado como um relógio. Os relógios mais precisos que dispomos no momento são os chamados "relógios atômicos", baseados na impressionante regularidade de certos processos nucleares (portanto, pertencentes ao domínio da Física Quântica). Em um relógio atômico, o erro é de apenas um segundo em um milhão de anos. Um fato importante: embora não sabemos exatamente o que é o tempo, sabemos operar com ele, isto é, sabemos medir intervalos de tempo. Em geral, escolhemos um intervalo padrão como unidade de tempo e todos os demais intervalos são medidos por comparação.

Princípio 2
Considere três corpos isolados sendo observados em um referencial inercial. Estes corpos podem interagir apenas entre si, sempre aos pares. Sejam $\vec{v}_{i}(t)$, $i\in\{1,2,3\}$, seus vetores velocidades e $t$ o tempo. Então as duas propriedades seguintes se verificam.
  1. Existem experimentos envolvendo a colisão entre dois corpos cujos resultados podem ser expressados como \begin{equation}\vec{v}_{i}(t) + \mu_{ij}\vec{v}_{j}(t) = \vec{P}_{ij},\end{equation} onde os escalares $\mu_{ij}$ e os vetores $\vec{P}_{ij}$ são constantes, isto é, são independentes do tempo. As constantes vetoriais $\vec{P}_{ij}$ dependem do experimento, do referencial inercial e dos dois corpos envolvidos.
  2. As constantes escalares $\mu_{ij}$ são positivas e não dependem do experimento e nem do referencial inercial. Elas dependem apenas dos dois corpos envolvidos e satisfazem \begin{equation}\mu_{12}\mu_{23}\mu_{31}=1.\end{equation}

Algumas observações são necessárias. Observe que devido ao fato das constantes $\mu_{ij}>0$ obedecerem à condição acima, elas podem ser escritas numa forma racional $\mu_{ij}=m_{j}/m_{i}$, com $m_{i}>0$ (isso é um teorema). Em termos destas novas constantes, os resultados anteriores podem ser re-escritos como \begin{equation}m_{i}\vec{v}_{i}(t) + m_{j}\vec{v}_{j}(t) = \vec{p}_{ij},\quad \vec{p}_{ij}=m_{i}\vec{P}_{ij}. \end{equation} A quantidade vetorial definida por \begin{equation} m_{i}\vec{v}_{i}(t)\equiv \vec{p}_{i}(t) \end{equation} é denominada de momentum linear (ou quantidade de movimento) do $i$-ésimo corpo. A constante vetorial $\vec{p}_{ij} = \vec{p}_{i}(t)+\vec{p}_{j}(t)$ é o momentum linear total dos dois corpos envolvidos em cada experimento e é uma constante quando estes dois corpos estão isolados. A constante $m_{i}>0$ é denominada de carga inercial (ou massa inercial, ou simplesmente massa, por razões históricas). Note que apenas a razão $\mu_{ij}$ é determinada pelo experimento. Portanto, podemos determinar apenas as razões $\mu_{ij}=m_{j}/m_{i}$ entre massas. Isto significa que temos de eleger um corpo padrão, cuja massa deve ser assumida como uma unidade de massa, digamos $m_{i}=1$ Kg. Então a massa $m_{j}=\mu_{ij}$ é determinada univocamente do experimento. Novamente, mesmo não sabendo o que é massa, somos capazes de operar com ela, escolhendo um padrão e realizando comparações.