3. Conhecendo o nosso Porto

PortoVamos aprofundar um pouco a questão sobre o surgimento da diversidade.

Do mesmo modo que novos indivíduos são originados a partir de indivíduos ancestrais, as novas populações também se originam de populações ancestrais e, em última instância, as novas espécies surgem a partir de espécies ancestrais. O surgimento de novas espécies – processo chamado de especiação – é o mais óbvio mecanismo gerador de diversidade. E como isso acontece?

Na grande maioria das vezes, a especiação se dá pelo isolamento reprodutivo de populações de uma mesma espécie. Algo acontece que impede completamente a troca de genes entre as populações ou a diminui bastante. Um ótimo exemplo é o surgimento de novas espécies pelo isolamento de populações em ilhas oceânicas.

Você sabia que houve um período em que nossas praias estavam muito mais distantes do que estão hoje?

Há cerca de 18 mil anos, durante o auge da última glaciação, o nível do mar na costa do Brasil encontrava-se mais de 100 metros abaixo do nível atual, pois boa parte da água dos oceanos encontrava-se congelada nos polos. Portanto, uma parte considerável do fundo do mar próximo da costa encontrava-se exposta (veja a figura. 2.1). Toda essa área, provavelmente, era coberta por matas como as que hoje cobrem as planícies litorâneas do sudeste do Brasil (as chamadas matas de restinga, que crescem sobre solo arenoso). As atuais ilhas desse litoral eram montanhas nessa planície. Com o aumento do nível do mar ao longo de milênios, essas montanhas tornaram-se ilhas.

Figura 2.1: Esquema representando o nível do mar na costa de São Paulo durante o último período glacial (à esquerda), há cerca de 18 mil anos atrás, e na atualidade (à direita).
Fonte: CEPA.

Na figura acima, note que o mar se afastou da costa no pico glacial (à esquerda), expondo a planície litorânea. Com a subida do nível do mar, as montanhas que havia nessa planície tornaram-se ilhas, isolando as populações de organismos que aí viviam.

Na costa de São Paulo, a jararaca comum (Bothrops jararaca) ocorre atualmente em todo o litoral e provavelmente também ocorria naquela época. Nas ilhas da Queimada Grande e de Alcatrazes, duas populações de jararacas ficaram isoladas e, portanto, não se acasalavam mais com as populações do continente. Diante de condições ambientais distintas nessas áreas, aquelas jararacas foram se diferenciando a ponto de se tornarem espécies distintas da jararaca comum, ou seja, onde havia apenas uma espécie de jararaca há 18 mil anos, hoje há três. (figura. 2.2).

Figura 2.2: Jararaca-ilhôa (Bothrops insularis) da ilha da Queimada Grande.
Fonte: Fotografia de Marcio R. C. Martins.

No entanto, nem sempre é necessário o isolamento em ilhas, como o descrito para as jararacas, para que populações de uma mesma espécie se tornem isoladas e sofram especiação. O surgimento de barreiras geográficas – como rios e montanhas –, que isolam populações de espécies e que se distribuem por áreas muito amplas, levam frequentemente ao surgimento de novas espécies. Mais ainda: até populações não isoladas geograficamente podem acabar se diferenciando tanto que se tornam reprodutivamente isoladas e acabam dando origem a espécies distintas.

Embora a especiação seja muito importante, ela não é o único processo que leva ao aumento da diversidade de uma região. A colonização é também um fator importante para o aumento da biodiversidade.

Voltemos ao exemplo das ilhas do litoral do sudeste do Brasil. Imagine que, antes da última glaciação, as áreas próximas do litoral encontravam-se submersas, como hoje. Com a glaciação, o nível do mar regrediu e essas áreas ficaram expostas. O que antes era fundo de mar tornou-se o chão de florestas litorâneas durante a glaciação. (figura 2.3).

Figura 2.3: Representação do litoral e da serra do mar com o mar no nível extremo da última glaciação.
Fonte: CEPA.

A areia nua do fundo exposto desse mar acabou sendo colonizada por plantas e animais, até que se instalaram florestas parecidas com as matas litorâneas atuais, ou seja, por meio de colonização, uma região na qual não havia qualquer planta ou animal terrestre passou a ter uma enorme diversidade, com centenas de espécies de plantas e milhares de variedades de animais e outros organismos terrestres. O que houve foi, principalmente, uma expansão da área de ocorrência desses animais e plantas a partir de áreas adjacentes que eram cobertas por florestas litorâneas.