Técnicas de Biologia Molecular


O reconhecimento de que o DNA codifica a informação genética, a descoberta da estrutura do DNA e a elucidação do mecanismo de expressão gênica constituem o fundamento da biologia molecular.

A tecnologia do DNA recombinante, que possibilita aos cientistas o preparo de grandes quantidades de sequências específicas de DNA, revolucionou a genética, lançando a base para novos campos de estudos, que reforçaram o avanço do Projeto Genoma Humano, combinando a genética com a tecnologia da informação.


Enzimas de restrição


As enzimas de restrição são nucleases altamente específicas, produzidas por bactérias. Estas enzimas clivam o DNA que lhe é estranho (restrição); portanto, este mecanismo pode ser definido como um sistema de defesa bacteriano. A bactéria protege seu próprio DNA desta degradação, “camuflando-o” através da metilação de algumas bases específicas (modificação).

As enzimas de restrição são agrupadas de acordo com a sua estrutura, a atividade dos sítios de reconhecimento e a clivagem. Estas enzimas reconhecem sequências específicas de 4 a 8 pares de base (pb) na molécula de DNA e fazem dois cortes, um em cada fita. Existem dois tipos distintos de clivagens:

I. Os dois cortes ocorrem no eixo de simetria da sequência específica, gerando extremidades abruptas (Animação 1).

II. Os cortes são feitos simetricamente, porém, fora do eixo de simetria, gerando extremidades coesivas (Animação 2).

As mais importantes na Tecnologia do DNA Recombinante são as enzimas do Tipo II; o sítio de reconhecimento deste grupo de enzima é normalmente uma sequência palindrômica, isto é, ela tem um eixo de simetria, e a sequência de bases de uma fita é a mesma da fita complementar quando lida na direção oposta.


Animação 1: Clivagem no eixo de simetria, gerando moléculas com extremidades abruptas. As setas indicam os sítios de clivagem e as linhas pontilhadas representam o centro de simetria da sequência.



Animação 2: Clivagem simetricamente situada ao redor do eixo de simetria, gerando moléculas com extremidades coesivas. As setas indicam os sítios de clivagem e as linhas pontilhadas representam o centro de simetria da sequência.


Vetores para carregar sequências de DNA


Após o isolamento de um gene, pode-se inseri-lo em outra molécula de DNA diferente, capaz de carregá-lo e amplificá-lo em centenas de cópias. Este processo de amplificação é obtido por meio do uso de moléculas de DNA denominadas vetores de clonagem molecular. Existem tipos básicos de vetores empregados nas técnicas de biologia molecular. Entretanto, esses vetores para serem bons veículos de clonagem precisam apresentar características especiais em diferentes situações.

PLASMÍDEO: Plasmídeos são pequenas moléculas circulares de DNA dupla fita, presentes nas células procarióticas, que contêm os elementos necessários para a sua replicação e um gene de resistência a antibiótico. Os plasmídeos presentes num grande número de cópias são usados como veículos de clonagem desde que capacitem a amplificação do segmento do DNA neles clonado.

O plasmídeo deve conter características específicas para ser um bom vetor (Animação 3).

a) Origem de replicação (O); sequência de DNA que permita que o vetor seja replicado na célula hospedeira.

b) Múltiplos Sítios de Clonagem (MSC); local onde o inserto é incorporado ao vetor de clonagem.

c) Resistência à ampicilina (AmpR); as células que contêm tais vetores são capazes de crescer na presença de antibióticos, enquanto as células que não contêm esses vetores acabam morrendo.


Animação 3: Estrutura molecular de um plasmídeo típico usado em clonagem molecular. Estão representados o gene de resistência (AmpR), a região de múltiplos sítios de clonagem (MSC) e a origem de replicação (O). Obs: passe o ponteiro do mouse sobre a figura.


No processo de clonagem molecular, é essencial que seja utilizada uma enzima de restrição capaz de produzir extremidades compatíveis, durante a clivagem, entre o DNA a ser clonado (inserto) e o DNA receptor (vetor).

Após a ligação do DNA ao vetor, esta molécula híbrida será introduzida em uma bactéria, por um processo chamado transformação. Este processo é necessário para que o vetor possa sofrer duplicações e, consequentemente, possa amplificar o número de cópias do inserto.

VÍRUS: Os vírus de DNA e RNA podem ser utilizados em técnicas de biologia molecular. O genoma do vírus SV40 foi amplamente estudado, tendo sido isolado de células tumorais de macacos; ele foi um dos primeiros sistemas virais utilizados para introduzir genes em células de mamíferos.

O DNA do vírus SV40 possui 5.200 pares de bases e pode ser dividido em duas regiões quanto à expressão gênica viral. Essas regiões são chamadas de região precoce e região tardia. O produto da expressão da região precoce do genoma viral é responsável pelo início da replicação viral em células permissíveis. Os produtos de expressão codificados pela região tardia correspondem às proteínas que formam o capsídeo da partícula viral. A produção de DNA recombinante no vírus SV40 pode ser realizada através da substituição do segmento de expressão precoce ou do segmento de expressão tardia (Animação 4).


Animação 4: Genoma do vírus SV40. Obs: passe o ponteiro do mouse sobre a figura.



Clonagem no SV40 pela substituição da região tardia

Quando a região tardia do SV40 é substituída com outro DNA, perde-se a expressão das proteínas do capsídeo (funções tardias). Para que o sistema de clonagem funcione adequadamente, pode-se realizar a infecção simultânea com outro vírus SV40, que tem uma deleção nos genes da região precoce, mas a região tardia intacta. Nas células coinfectadas, as proteínas da região precoce serão produzidas pelo vírus recombinante e as proteínas do capsídeo pelo vírus deletado. Como resultado, teremos a produção de uma população de partículas virais mistas, ou seja, vírus deletado e vírus recombinante (Animação 5).


Animação 5. Clonagem no SV40 pela substituição da região tardia.


Clonagem no SV40 pela substituição da região precoce

Quando a clonagem no SV40 é feita na região precoce, a produção de partículas virais depende do suprimento, por outra fonte, das proteínas codificadas pela região precoce. Portanto, a clonagem necessariamente deverá ser realizada em linhagens de células especializadas, as quais apresentam uma porção do genoma do SV40 integrado ao seu próprio genoma. Dessa forma, esta linhagem celular produzirá as proteínas virais responsáveis pelo processo de duplicação do vírus, induzindo a sua duplicação. Entretanto, esta estratégia de clonagem apresenta desvantagens, pois o genoma da célula hospedeira pode sofrer rearranjos ou deleções.

Clonagem em retrovírus

Atualmente, outro sistema de clonagem está sendo utilizado e apresenta muitas vantagens quando comparado aos sistemas descritos anteriormente. São os chamados retrovírus, que são vírus cujo material genético é composto somente por RNA e, portanto, apresentam um ciclo bastante diferente dos mencionados anteriormente.

Os retrovírus infectam uma grande variedade de células de mamíferos e o seu RNA é transcrito reversamente para DNA, o qual é incorporado ao genoma da célula hospedeira. Neste estado, ele produz continuamente novas partículas virais, juntamente com o produto do gene nele clonado. Por causa da sua versatilidade, os retrovírus são atualmente os vetores eleitos para uso em terapia gênica.

VETORES PARA LEVEDURAS

O grande interesse existente no estudo das leveduras Saccharomyces cerevisiae e Schizosacharomyces pombe se deve ao fato de que são organismos eucariotos inferiores e, assim sendo, possuem organização celular similar à de eucariotos superiores. Além disso, muitas proteínas de leveduras são similares, estrutural e funcionalmente, às suas homólogas em mamíferos, permitindo também estudos pós-traducionais.

YAC (do inglês Yeast Artificial Chromosome, cromossomo artificial de levedura) consiste em um tipo de vetor de cópia única, que contém sequências centroméricas (CEN) e sequências teloméricas (sequências das extremidades dos cromossomos). A presença de sequências teloméricas nestes vetores permite que sejam replicados como moléculas lineares, com comportamento semelhante ao do DNA cromossomal. YACs não são utilizados rotineiramente em experimentos de clonagem; entretanto, têm-se mostrado uma ferramenta valiosa na caracterização de grandes segmentos genômicos na medida em que é possível clonar em um YAC fragmentos que vão de 100 a 2.000 kb (Animação 6).


Animação 6. YACs: Contêm um centrômero, dois telômeros, gene(s) marcador(es) para seleção em levedura e uma sequência tipo ARS. Devido à presença destas sequências, os YACs são duplicados como pequenos cromossomos lineares na levedura.


RNAm convertido em DNAc


A enzima transcriptase reversa é um tipo de DNA polimerase dependente de RNA, ou seja, esta enzima é capaz de sintetizar DNA in vitro, usando como molde RNAm. O produto dessa reação é o DNA complementar ou, de modo abreviado, o chamado DNAc.

A síntese e a clonagem de DNAc contribuem para grandes avanços na análise da estrutura e expressão de genes de eucariotos, uma vez que o DNAc é a cópia do RNAm e ele não contém íntrons. A ausência dos íntrons permite que DNAc de eucariotos sejam diretamente transcritos e traduzidos em bactérias e em outros microorganismos, possibilitando assim a produção, em grande escala, de polipeptídeos importantes tanto na área de pesquisa como na área aplicada. Além disso, a ausência de íntrons também facilita a determinação da sequência de aminoácidos da proteína por ela codificada. Esta metodologia permite a identificação e caracterização da sequência de uma enorme quantidade de proteínas (Animação 7).


Animação 7: Síntese de DNAc fita dupla.


Biblioteca de DNA genômico


Bibliotecas genômicas são coleções de clones recombinantes, formadas de moléculas correspondentes a todo o genoma do organismo. A construção de uma biblioteca genômica permite obter informações sobre a estrutura molecular de um gene bem como o isolamento da porção do DNA genômico, que contenha toda a unidade de transcrição mais as regiões flanqueadoras, onde se localizam os elementos controladores da expressão desse gene.

Assim, um dos aspectos principais a serem considerados na construção de uma biblioteca genômica é a obtenção de um número grande de clones portando fragmentos do genoma, obtidos aleatoriamente. Portanto, o tamanho de uma biblioteca genômica, para um dado gene de interesse, é determinado pelo tamanho dos fragmentos clonados e pelo tamanho do genoma. Sendo assim, a construção de bibliotecas genômicas tem como objetivo minimizar o número de clones necessários através da clonagem de fragmentos de DNA de maior tamanho possível. Resumidamente, a construção da biblioteca genômica envolve duas etapas (Animação 8).

1. Isolamento de DNA, que é posteriormente clivado, produzindo diferentes fragmentos de tamanhos compatíveis com o vetor de clonagem.

2. Ligação desses fragmentos no vetor e introdução dos vetores obtidos nas células hospedeiras.


Animação 8: Construção de uma biblioteca genômica.


Métodos de sequenciamento de DNA


A partir do final da década de 70, foram desenvolvidos métodos que possibilitaram a determinação da sequência nucleotídica de fragmentos de DNA. Esta metodologia permitiu a determinação de sequências completas de DNA e milhares de genes. O princípio do método baseia-se na síntese de DNA in vitro, realizada na presença de desoxirribonucleotídeos trifosfato sem um grupo OH na posição 3', que está presente em nucleotídeos normais.

A molécula de DNA é sintetizada in vitro utilizando os desoxirribonucleotídeos trifosfato e desoxirribonucleotídeos trifosfato sem um grupo OH na posição 3'. Portanto, o elongamento da cadeia de DNA é bloqueado pela incorporação do nucleotídeo sem um grupo OH na posição 3'. Cada reação produz um conjunto de cópias do DNA inicial, que terminam em diferentes pontos da sua sequência. Os desoxirribonucleotídeos trifosfato sem um grupo OH na posição 3' são marcados com diferentes corantes fluorescentes (fluorocromos).

Após a reação de sequenciamento, os diferentes fragmentos de DNA são separados por eletroforese em gel ou em capilar. Os fluorocromos presentes nos fragmentos são excitados por um feixe laser, os sinais fluorescentes são amplificados e detectados por tubos fotomultiplicadores ou, nos modelos mais modernos, por câmaras CCD. A identificação de cada nucleotídeo é realizada por análises computacionais através do comprimento de onda de emissão específica de cada fluorocromo (Animação 9).


Animação 9: O produto da reação de sequenciamento é submetido à eletroforese em uma raia de gel. À medida que os fragmentos passam pelo feixe de laser, os fluorocromos são excitados e a luz emitida é detectada por um fotomultiplicador. Esta informação é traduzida em forma de sequência através de um computador.


A polimerase em cadeia


Por meio da reação em cadeia da polimerase, denominado também PCR (do inglês - Polymerase Chain Reaction), é possível amplificar uma sequência de DNA específica, sem a utilização da clonagem molecular. Anteriormente à amplificação, é necessária a construção, por síntese química, de dois oligonucleotídeos de DNA (iniciadores) complementares às extremidades de cada fita de DNA de interesse, que flanqueará uma região específica do DNA. Estes oligonucleotídeos servem como iniciadores da síntese de DNA in vitro, que é catalisada pela DNA polimerase.

Um ciclo de PCR começa com a desnaturação por calor (95°C), que promove a separação da fita dupla de DNA. A reação é resfriada na presença de um excesso dos dois oligonucleotídeos, possibilitando a hibridização dos dois iniciadores com a sequência complementar presente no DNA-alvo. Em seguida, a reação é incubada para atividade da DNA polimerase, produzindo novas fitas de DNAs a partir dos iniciadores e utilizando os quatro desoxirribonucleotídeos (dATP, dCTP, dGTP e dTTP) (Animação 10).


Animação 10: As 3 etapas do ciclo de PCR.