[Texto complementar] - "Todos os olhos" - parte I



Às vezes é complicado entender a possibilidade da evolução de estruturas complexas. Podemos medir a evolução alterando o tamanho do bico das aves ou selecionando bactérias resistentes a antibióticos, mas não podemos observá-la, em tempo real, criando órgãos ou vias celulares complexas. Às vezes é difícil imaginar como a seleção natural, agindo sobre a variabilidade gerada ao acaso, poderia construir a complexidade que observamos no mundo natural.

Um bom exemplo para esse enigma é a estrutura do olho humano. Trata-se de uma estrutura de câmera, finamente regulada para captar imagens, com um sistema para correção do foco e da entrada de luminosidade. O próprio Charles Darwin se admirava com a estrutura do olho e apresenta em sua obra “A Origem das Espécies” a seguinte citação (que, como veremos adiante, até hoje é extraída de seu contexto original):

"Supor que o olho com todos os seus dispositivos para ajustar o foco a distâncias diferentes, para admitir quantidades de luz diferentes, e para a correção de aberração esférica e cromática, podia ter sido formado pela seleção natural parece, confesso livremente, absurdo no mais alto grau." (Darwin, 1872)

De fato, falar apenas do olho humano talvez não faça jus ao problema. Pesquisadores estimam que os olhos evoluíram, independentemente, ao menos 40 vezes ao longo da evolução!

Antes de mostrar alguns desses 40 “tipos” de olhos, seria interessante tentar responder ao aparente ceticismo de Darwin em relação à evolução dos olhos de acordo com sua própria teoria.

A imagem abaixo mostra um esquema do olho humano com “todas as peças” necessárias para que uma imagem clara seja captada, transformada em sinais elétricos e enviada até o cérebro para ser “traduzida”:

Figura 7 - semana 8


O que acontece se perdermos uma das peças? O cristalino, por exemplo? O cristalino funciona como uma lente com capacidade de alterar o seu foco. Caso pudéssemos imaginar um olho sem cristalino, poderíamos ter certeza de que tal olho não formaria uma imagem clara. O mesmo serve para qualquer uma das partes do olho: imagine um olho sem a íris, os músculos que regulam a abertura da pupila e/ou a angulação do cristalino; ou mesmo o humor vítreo (o líquido que preenche a câmara do olho). Tire do olho qualquer um desses elementos e teremos um olho em que não pode ser formada uma imagem nítida!

É simplesmente impossível que uma estrutura complexa como o olho tenha sido formada em um único passo por uma “mutação fortuita” e subsequentemente tenha sido selecionada. Qualquer estrutura complexa que observamos hoje deve ser resultado de inúmeros e sucessivos pequenos passos, todos eles úteis e favorecidos pela seleção natural, culminando na estrutura complexa que é hoje observada.

A pergunta que fica então é: Como pode o olho que conhecemos ter tido inúmeros e sucessivos passos, sendo cada um deles útil ao organismo? Para que serviria um olho simplificado, em que está ausente o cristalino (e que, portanto, não forma imagem)? Ou um olho no qual falta a musculatura que controla a íris e o cristalino? Para que serviria um olho incompleto?

De fato, à primeira vista pode ser difícil imaginar qualquer funcionalidade possível para um “olho incompleto” e, se não existirem estágios transicionais úteis para essa estrutura, então ela simplesmente não pode ter surgido através de seleção natural.

Entretanto, as nossas indagações com relação ao olho começam a ser respondidas ao nos voltarmos para os diversos tipos de olhos presentes na natureza. Na verdade, parece que muitos animais se dão muito bem com olhos simplificados em que falta uma, ou mais, das estruturas presentes nos olhos dos vertebrados. Vamos ver alguns exemplos!

1) O olho de platelmintos: Não se pode sequer chamar tal estrutura de “olho”; trata-se apenas de uma camada de células fotorreceptoras: não existe uma câmara para direcionar a luz ou formar imagem, uma lente ou uma camada córnea para prover proteção. Esse “ocelo” é capaz apenas de captar a intensidade da luz.

Figura 8 - semana 8


2) Olho formando uma concavidade: presente em alguns vermes, tal olho apresenta um diferencial, que é o fato de que suas células formam uma concavidade que direciona os fótons a serem recebidos.

Figura 9 - semana 8


3) Olho presente em alguns gastrópodes, no qual a concavidade forma uma taça que dá ao animal maior capacidade de distinguir o ângulo de incidência da luz.

Figura 10 - semana 8


4) Olho do Nautilus , com abertura em “pin hole” permite a formação de imagens nítidas.

Figura 11 - semana 8


5) Olho do polvo: além da abertura em um furo, possui uma camada córnea protetora e uma lente (cristalino), que direciona os fótons de luz e forma uma imagem mais nítida.

Figura 12 - semana 8


6) Olho de vertebrado: Finalmente chegamos, novamente, ao olho complexo dos vertebrados com todos os elementos previamente descritos:

Figura 13 - semana 8


Essa sequência mostra que um “olho incompleto” pode ser muito útil ao seu portador, e que alterações em sua estrutura, ainda que sejam pequenas (como um pequeno aumento na angulação da concavidade), podem ser mais úteis e favorecidas pela seleção!

É importante lembrar que estamos observando apenas olhos de animais que existem hoje! Não estamos traçando a evolução do olho, pois para isso precisaríamos analisar a estrutura dos olhos dos fósseis presentes em nossa linhagem ao longo da evolução. Estamos apenas constatando que, mesmo hoje, podemos observar olhos funcionais, com diversos graus de complexidade estrutural, em vários grupos viventes.

Não há melhor conclusão para a as nossas indagações do que continuar a transcrever aqui a continuação do texto de Darwin em “A Origem das Espécies” falando sobre o olho e fechando o seu raciocínio:

“...Quando foi dito pela primeira vez que o sol estava parado e o mundo girava à sua volta, o senso comum da humanidade declarou que essa doutrina era falsa; mas conforme todos os filósofos sabem, em ciência não se pode confiar no velho lema Vox populi, vox Dei. A razão diz-me que se for possível mostrar que existem numerosas gradações desde um olho simples e imperfeito até um olho complexo e perfeito, cada gradação sendo útil para o seu possuidor, como certamente é o caso; se, além disso, o olho alguma vez variar e as variações forem herdadas, como certamente também é o caso; e se tais variações forem úteis para qualquer animal sob condições de vida em mudança, então a dificuldade em acreditar que um olho perfeito e complexo podia ser formado por seleção natural, embora insuperável pela nossa imaginação, não devia ser considerada como subversiva da teoria."