O registro da evolução da vida na Terra



Suponha que estejamos admirando um fóssil em nossas mãos, em uma exposição de um museu ou até mesmo em uma figura de um livro impresso ou de uma publicação eletrônica. Sabemos que tal organismo viveu na Terra há muito tempo. Suponha ainda que seja um fóssil de um protocordado, grupo de organismos que, segundo as hipóteses vigentes, deu origem aos cordados e, portanto, aos vertebrados e a nós mesmos. Podemos ficar tentados a pensar que ele teria sido nosso “tatara”-“tatara-tatara” – (“tatara”)n – avô! Isso, sem dúvida, nos traria grande emoção, assim como nos emocionamos ao ouvir histórias de nossos antepassados menos remotos. Mas a única certeza que temos é a de que ele viveu e morreu, mas nunca temos a certeza de que ele deixou descendentes, ou até mesmo que os seus descendentes e os descendentes de seus descendentes estão presentes hoje em dia. Entretanto, quando admiramos qualquer espécime de um organismo que está vivo, temos certeza de que ele descende de uma longa (mas muito longa mesmo) linhagem de ancestrais e descendentes, que remonta ao início da vida na Terra!

Assim, o estudo das características que existem nos seres vivos atuais também nos permite saber o que ocorreu durante a evolução de seus ancestrais. Dentre as características que existem nos organismos vivos, seu próprio material genético é a escolha natural para nos ajudar a descobrir o que ocorreu durante a evolução.

A primeira comparação de sequências de macromoléculas homólogas foi publicada, em 1962, pelos pesquisadores Emile Zuckerkandl e Linus Pauling. Eles compararam as sequências de resíduos de aminoácidos da proteína citocromo c. Essa proteína faz parte da cadeia respiratória, ocorrendo portanto em todos os organismos que respiram. Além disso, o citocromo c é uma proteína que apresenta uma coloração marrom-avermelhada, provocada pela associação da cadeia polipeptídica a um grupo heme. Essa característica facilitou bastante a purificação da proteína em sua forma nativa, pois uma inspeção visual permite a localização imediata da fração que contém o citocromo c.

Baseados na comparação das sequências de aminoácidos, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a quantidade de aminoácidos diferentes entre as sequências era proporcional ao tempo em que viveu o ancestral comum das espécies. Por exemplo, a diferença entre as sequências de citocromo c de tubarões e aves era aproximadamente igual à diferença entre as de tubarões e as de outros mamíferos. Não havia semelhança como a que existe na forma desses animais, nitidamente relacionada ao seu deslocamento dentro da água. Esse primeiro trabalho estabeleceu o princípio do “relógio evolutivo molecular”.

Atualmente, dispomos de tecnologia que nos permite conhecer a sequência de todos os nucleotídeos do DNA do genoma inteiro de um ser vivo. Assim, pesquisadores estão trabalhando incessantemente na comparação dessas enormes sequências de macromoléculas para analisar não somente o parentesco entre as espécies estudadas, mas também conhecer os processos que ocorreram na diversificação no nível molecular.

Assim como se comparam as estruturas visíveis dos seres vivos para o estabelecimento de homologias, as sequências de moléculas também são comparadas de acordo com suas homologias.

Por exemplo, as asas dos morcegos são homólogas às patas dianteiras de cavalos, de primatas e também às nadadeiras de baleias. Na Figura 3, essas estruturas estão representadas e seus ossos estão coloridos de acordo com a correspondência que existe entre eles.

A homologia é uma hipótese de ancestralidade comum. Isso quer dizer que, se existem duas estruturas que são hipotetizadas como homólogas em dois ou mais seres vivos, isso implica a existência de um ser vivo ancestral a essas espécies que tinha a mesma estrutura, e que esta se modificou ao longo da evolução, dando origem às estruturas diferenciadas.

Figura 3 - Semana 5

Figura 3


Vejamos, a seguir, como se pode estabelecer a homologia em sequências de macromoléculas.

Com relação ao citocromo c, já mencionado, trata-se de uma proteína que se localiza nas mitocôndrias e faz parte da cadeia respiratória. Se os vertebrados possuem essa organela, é direta a premissa de que ela veio do ancestral comum. Mas a homologia também pode ser hipotetizada a partir da semelhança, ou similaridade, entre as moléculas.

Suponha que há duas moléculas de DNA, com 100 nucleotídeos cada, que compartilham, entre si, 90 nucleotídeos iguais nas mesmas posições, sendo 10 deles diferentes. Nesse caso, a similaridade, que é uma medida da semelhança, é de 90%. Podemos concluir que são moléculas homólogas, já que a chance de que elas compartilhem todos esses nucleotídeos por efeito do acaso é pequena, especialmente se as moléculas forem grandes.

Vamos analisar agora algumas sequências reais de alguns mamíferos. Na figura 4, estão os 66 primeiros nucleotídeos do gene CoI de algumas espécies. O gene CoI contém a informação necessária para a síntese de uma enzima, que também faz parte da cadeia respiratória e que se localiza na mitocôndria, a Oxidase do citocromo I.

Figura 4 - Semana 5

Figura 4


Nessa figura, cada nucleotídeo dos quatro possíveis (A, G, T e C) está destacado por uma cor diferente. Basta bater o olho para verificar que a sequência que mais difere das demais é aquela obtida de ratos. Ora, o rato é um roedor, enquanto os demais mamíferos são primatas.