1. Início de Conversa

A nossa história, indiretamente, teve início há mais de 3,5 bilhões de anos (B.a.), quando a vida surgiu na Terra (clique aqui!). Então surgiram os primeiros eucariontes, há quase 2 B.a.; e passado mais 1 B.a., surgiu o ancestral de todos os animais. Desse ponto até o aparecimento dos primeiros vertebrados no registro fóssil, foram necessários mais 500 milhões – e assim por diante, conforme visto anteriormente.

Talvez essas informações soem um tanto estranho: afinal, como a transformação entre uma célula procarionte e uma eucarionte (P–E) pôde demorar duas vezes mais que a entre o primeiro animal e o primeiro mamífero (A–M)? Existem duas explicações possíveis para esse fenômeno:

  • Uma se baseia nas ideias de von Baer: as primeiras estruturas a se formarem no embrião, e também as que sofrem maior pressão de seleção (pois são as mais decisivas na sobrevivência do organismo), tendem a surgir primeiro e são tão cruciais para a sobrevivência que não toleram muitas alterações – que, quando ocorrem, geram profundas alterações no ser resultante. Portanto, os passos evolutivos primordiais (P–E) tendem mesmo a ser muito mais lentos;
  • A outra tem relação com o tempo de evolução compartilhado. O surgimento dos mamíferos dificilmente seria possível se não houvesse antes um animal e uma célula eucarionte, porque os próprios animais dependeram de alterações celulares para se estabelecerem. Não podemos esquecer que, embora exista um intervalo de quase 800 M.a. em A–M, esses animais têm uma história comum de quase 3 B.a. de alterações acumuladas (alterações importantes, cf. item anterior). Isso mostra que as estruturas realmente importantes (e às vezes não tão evidentes) já tinham evoluído quando surgiu o primeiro animal, e foram herdadas pelo primeiro mamífero.

Dessa maneira, temos algo parecido com as matryoshkas ou mamushkas (mатрёшка). Esse tradicional souvenir russo possui uma peculiaridade que nos é útil para uma analogia: as bonecas menores são encaixadas em bonecas um pouco maiores, e esse conjunto é encaixado em bonecas ainda maiores, e assim sucessivamente. Sempre que uma boneca intermediária passar a fazer parte de uma maior, a menor dentro dela também passará, pois elas compartilham a mesma história.


Figura 6.1 Matryoshkas ou mamushkas (mатрёшка)
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/89/Russian.dolls.hugeset.arp.jpg/800px-Russian.dolls.hugeset.arp.jpg

Similarmente, grosso modo podemos falar o mesmo em nosso exemplo inicial: como todos os mamíferos são animais, e todos os animais são eucariontes, os mamíferos acumularam as características dos outros dois grupos. Nesse arranjo dos grupos biológicos, frutos da evolução e da seleção, costuma-se normalmente reconhecer a propriedade da “inclusividade” (ilustrada na comparação com as bonecas), representada na taxonomia com categorias hierárquicas nas classificações.

Como entender a bagunça?

Conforme você ainda entenderá, a organização da diversidade animal, atualmente, visa também a tentar explicá-la: por isso têm sido preferidas, cada vez mais, as classificações naturais (que considerem as relações de parentesco). O Reino Animalia (ou Metazoa, nome que, todavia, tem uma desvantagem: faz uma aposição ao antigo reino Protozoa, já há tempos considerado artificial) conta com cerca de 1.200.000 espécies descritas, mas esse número tem aumentado. Todas elas estão classificadas em algum dos mais de 30 filos e, assim como as bonecas russas, fazem parte de grupos ainda maiores e também muito importantes, que marcam pontos decisivos na evolução dos animais (Figura 6.2).

Grupo Sinapomorfia Animais
Animalia Colágeno
Espermatozoide
Porifera + Cnidaria + Bilateria
Eumetazoa Epitélios verdadeiros Cnidaria + Bilateria
Bilateria Simetria bilateral Veja a figura 6.2
rotostomia Clivagem determinada
Blastóporo originando a boca
Veja a figura 6.2
Deuterostomia Clivagem indeterminada
Blastóporo como neoformação
Veja a figura 6.2
Spiralia Clivagem espiral Veja a figura 6.2
Trochozoa Larva trocófora Veja a figura 6.2
Articulata Corpo metamerizado Veja a figura 6.2

A importância evolutiva de eventos como a aquisição de simetria bilateral é muitas vezes menosprezada em sala de aula, mas não deveria. Essa característica é tão marcante que revolucionou a morfologia animal a partir de então: quando estabelece um plano único de simetria, marca também um eixo (o longitudinal, que define uma região anterior e uma posterior) e um outro plano perpendicular (o horizontal, que determina uma região dorsal e outra ventral). Claro, isso influencia uma cefalização, e esses organismos começam a apresentar grande especialização e regionalização corpórea, com aumento do número de estruturas e complexidade.

Outra apomorfia (novidade evolutiva) muito relevante foi a metamerização, porque permite uma maior especialização e compartimentalização e também possibilita a otimização do espaço intracorpóreo, com a repetição de estruturas ao longo do eixo ântero-posterior.

São várias as vantagens de se ensinar através de um cladograma, e não de uma tabela compilando inúmeras características para cada grupo. Dentre elas, podemos eleger:

  1. Aprendizado da noção de inclusividade;
  2. Reconhecimento de características homólogas;
  3. Interpretação de diagramas;
  4. Adaptação a linguagem e raciocínios corriqueiros na Biologia há mais de meio século;
  5. Integração a conceitos evolutivos;
  6. Percepção de que a sistemática não trata de um mero amontoamento de espécies;
  7. Treino no raciocínio científico através de formulação de hipóteses a partir de um cladograma.

Figura 6.2 Propostas alternativas de evolução dos animais bilaterais (adaptado de Ruppert et al., 2005): em negrito, os grupos de destaque para o ensino médio (podendo os demais ser omitidos sem maiores prejuízos). Acima, a proposta tradicional, baseada em morfologia; abaixo, a baseada em dados moleculares.
Fonte: CEPA

 

Baleias são peixes, mas aranhas não são insetos!

A limitação de tempo num curso do ensino médio deve ser sempre lembrada e, portanto, as classificações naturais dentro de cada filo provavelmente não poderão ser examinadas (com exceção, talvez, de Arthropoda e Chordata). Que não restem muitas dúvidas: um aluno jamais deve ser cobrado de memorizar uma árvore filogenética (cladograma)! Ele tem de saber, isso sim, interpretar uma corretamente, quando a vir.

Recursos multimídia como vídeos (v. abaixo) devem ser comentados ou discutidos: será que as espécies se transformam umas nas outras? Isso tudo dependerá da concepção de espécie escolhida para o curso; em todo o caso, o professor deve frisar a natureza dicotômica das especiações.

Se desejar fazer o download do vídeo, clique aqui

Abaixo segue uma relação de exemplos de grupos zoológicos não naturais (não monofiléticos), que continuam sendo empregados no ensino básico, embora não existam mais para a Zoologia há décadas:

  • “Reino Protozoa” (conjunto de seres unicelulares heterótrofos sem relação de parentesco direta);
  • “Sub-reino Invertebrata” (não inclui os vertebrados);
  • “Filo Aschelminthes” (conjuntos de filos sem relação direta);
  • “Infraclasse Apterygota” (não inclui os insetos alados);
  • “Classe Oligochaeta” (não inclui as sanguessugas);
  • “Classe Turbellaria” (não inclui os neodermados);
  • “Superclasse Agnatha” (não inclui os gnatostomados);
  • “Classe Pisces”, exceto Tetrapoda (não inclui os tetrápodes);
  • “Subclasse Osteichthyes”, exceto Tetrapoda (não inclui os tetrápodes);
  • “Classe Reptilia” (inclui apenas parte dos amniados, excluindo aves e mamíferos);
  • “Subordem Lacertilia” (não inclui as serpentes);
  • “Ordem Dinosauria”, exceto Aves (se incluir as aves, não há problemas);
  • “Família Pongidae” (exclui a família dos hominídeos).