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A disciplina procura apresentar algumas possibilidades analíticas para o estudo da educação escolar, ultrapassando a dimensão institucional. Para isso, examinaremos referências recentes que – frente às crescentes dificuldades de compreender o presente a partir de categorias de análise articuladas à cultura política do Ocidente moderno ou, em outros territórios, reconhecendo seus limites para pensar processos de constituição nacional em termos de diferença (e não de inferioridade ou atraso) – procuram constituir outros modos de pensar as relações sociais produzidas a partir da emergência do Estado. Na medida em que a educação escolar ocupou lugar tão central na construção do Estado e de uma subjetivação conectada à experiência de cidadania, inclusive para criar ou reproduzir as condições de possibilidade de uma identidade nacional, parece-nos bastante importante neste momento, em que se tornam cada vez mais visíveis a crise das racionalidades de governo que possibilitaram a crescente expansão da escolarização, em termos de alongamento dos anos vistos como básicos, da ampliação de públicos-alvo ou ainda em termos da universalização de vagas. Essa expansão, a que comumente identificamos como democratização escolar, resultou numa miríade de efeitos, por vezes contraditórios, de maneira que nos parece produtivo pensar o diagnóstico de seu “fracasso” também em relação ao que ela de fato tem gerado – não somente no que se refere à própria instituição escolar, mas de modo mais geral. O fato é que, tendo sido um dos primeiros direitos sociais a ser reconhecido e investido de esforços políticos, econômicos e sociais (já durante o século XVIII), a educação escolar se articula muito de perto ao processo de centralização de diferentes artes de governar nos quadros do Estado; além disso, o fato de se tratar de política social de longa trajetória resulta em sua presença disseminada pelos territórios nacionais, mesmo que com importantes variações regionais. É nesse sentido que pressupomos que a grade de análise a ser examinada pode resultar em uma contribuição tanto para a pesquisa educacional quanto para o próprio campo de estudos que têm se articulado em torno dessa perspectiva – na qual a escola ou a educação escolar raramente são tomadas como eixo de análise.

Propomos, então, iniciar a disciplina com uma breve discussão da noção de governamentalidade em Michel Foucault, porque é partir dela que diferentes autores, fiéis menos aos usos do que à atitude crítica proposta por Foucault, vão levar adiante seus projetos de alargar a compreensão sobre o Estado como “regime móvel de governamentalidades múltiplas”, o que permite reconhecer as transformações pelas quais vêm passando ao longo de todo o século XX para além de sua persistência institucional, e também as configurações específicas que se desenham em diferentes territórios – muitas vezes mal compreendidas quando vistas a partir de categorias pertinentes à cultura política europeia. A partir daí, nosso esforço será o de examinar tais apropriações e desenvolvimentos, especialmente a partir do livro organizado por Veena Das e Deborah Poole – Anthropology in the Margins of the State (2004) – do trabalho de Didier Fassin – La force de l’ordre: une anthopologie de la police des quartiers (2011) –, bem como dos trabalhos realizados por Didier Fassin e outros em Juger, Réprimer, Accompagner: essai sur la morale de l’État (2013). Finalmente, tomaremos contato com pesquisas brasileiras que têm trabalhado nesta perspectiva nos últimos anos, de modo a destacar sua contribuição analítica para a compreensão do presente.

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