Programação


  • UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

    ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE DE RIBEIRÃO PRETO


    REF0136 - Filosofia da Educação Física e Esporte (2023)

  • CRONOGRAMA FILOSOFIA 2022

                                                                  CRONOGRAMA – 2023

                                                 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE 

    4a. e 6a. feiras das 8 às 10 h

    DATADIAS DA SEMANAASSUNTO
    15/mar.Quarta-feiraSemana de Recepção. Não haverá aula.
    17/mar.Sexta-feiraSemana de Recepção. Não haverá aula.
    22/mar.Quarta-feiraIntrodução + Pensamento filosófico
    24/mar.Sexta-feiraIntroduzindo + Definições de Filosofia
    29/mar.Quarta-feiraExperimento Música – Análise Música
    31/mar.Sexta-feiraHomem Homérico
    5/abr.Quarta-feiraSemana Santa. Não haverá aula.
    7/abr.Sexta-feiraSemana Santa. Não haverá aula.
    12/abr.Quarta-feiraHomem como Razão
    14/abr.Sexta-feiraCuidado da Alma
    19/abr.Quarta-feiraAs Regras do Método
    21/abr.Sexta-feiraTiradentes. Não haverá aula
    26/abr.Quarta-feiraDicotomia Cartesiana
    28/abr.Sexta-feiraDivisão dos grupos e definição dos temas
    + Revisão Prova
    3/mai.Quarta-feiraPROVA
    5/mai.Sexta-feiraCenário 1 – Filosofia e Saúde
    10/mai.Quarta-feiraCenário 2 – Esporte e Estética
    12/mai.Sexta-feiraCenário 3 – Esporte e Violência
    17/mai.Quarta-feiraGrupo 1 – Seminário Filosofia e Saúde
    19/mai.Sexta-feiraGrupo 2 – Seminário Esporte e Estética
    24/mai.Quarta-feiraCenário 4 – Racismo
    26/mai.Sexta-feiraGrupo 3 – Seminário Esporte e Violência
    31/mai.Quarta-feiraCenário 5 – Temporalidade
    02/jun.Sexta-feiraCenário 6 – Filosofia e Saúde 2
    7/jun.Quarta-feiraCenário 7 – Ética do Melhoramento
    9/jun.Sexta-feiraRecesso (Corpus Christi). Não haverá aula.
    14/jun.Quarta-feiraAtividade Prática
    16/jun.Sexta-feiraGrupo 4 – Seminário Racismo
    21/jun.Quarta-feiraGrupo 5 - Seminário Temporalidade
    23/jun.Sexta-feiraGrupo 6 - Seminário Filosofia e Saúde 2
    28/jun.Quarta-feiraGrupo 7 - Seminário Ética do Melhorament
    30/jun.Sexta-feiraAuto Avaliação
    5/jul.Quarta-feiraRecuperação
    7/jul.Sexta-feira
    12/jul.Quarta-feira
    14/jul.Sexta-feira


  • Textos Introdutórios - Filosofia

  • Cenário 1 - Filosofia e Saúde


    • Fabiana, uma jovem bastante animada e extrovertida de 26 anos, trabalha em um laboratório de diagnósticos médicos. Periodicamente, os funcionários deste laboratório devem fazer exames médicos completos. Em um destes exames, Fabiana foi diagnosticada com obesidade moderada (grau I), recebendo uma recomendação médica incisiva para emagrecer, com vistas à melhoria de sua saúde e qualidade de vida.  O médico mencionou que isso garantiria uma melhora em sua disposição para o trabalho e aumento de sua expectativa de vida. Após indicação, ela procura uma academia de grande porte para iniciar uma rotina de exercícios físicos visando o emagrecimento. O profissional responsável pela prescrição do treinamento físico de Fabiana aplica um questionário de nível de atividade física, realiza um protocolo de avaliação física padrão e, com os resultados em mãos, elabora uma periodização de treinamento físico especial para perda de peso. Fabiana inicia sua prática, mas não está muito animada; “não curto muito fazer exercício”, ela disse para algumas amigas. Mesmo assim, acredita que isso será bom para sua saúde, porque foi uma recomendação médica. Nas avaliações físicas posteriores, aos 3 e 6 meses após o início do treinamento, o profissional apresenta os resultados a ela, os quais indicam diminuição significativa de sua porcentagem de gordura corporal. Agora Fabiana não está mais com obesidade moderada, mas leve (ou sobrepeso). Ela é estimulada a continuar a rotina de práticas, mas seu desânimo aumentou e ela se sente deprimida. Suas amigas percebem que ela está desanimada e reconhecem certo mal-estar nos comportamentos dela.


      1. De acordo com a análise filosófica de Hans-Georg Gadamer, pode-se considerar que os procedimentos adotados no caso Fabiana enfocam a saúde ou enfocam a doença? Por quê?


      2. Considerando o texto de Gadamer, como se pode dizer que Fabiana foi tratada?


      3. O que significa dizer que a saúde se oculta e como isto se aplica ao caso de Fabiana?


      4. Procure ler o enunciado à luz do texto de Gadamer, contrapondo as características do tratamento ali evidenciado às características de um tratamento à saúde inspiradas pela filosofia. Na prática, sob essa luz, como atuariam os profissionais que a atenderam?


      GADAMER, H.-G. (2006). Sobre o caráter oculto da saúde. Em: GADAMER, H.-G. O caráter oculto da saúde. (A.L Costa, Trad.). Petrópolis: Vozes. pp. 109-121.



  • Cenário 2 - Esporte e Estética


    • “Olha só, Jorge, aquele ali jogava num timeco da Ucrânia e se acha o tal por isso”. “Olha o líbero, descasou e não consegue segurar nenhuma bola”; “O levantador é bom: tem bom patrocinador, acabou de casar, jogou na Itália... esse joga bem”. E o amigo de Jorge continuava a falar sobre esse jogo da Super liga Masculina, em que a equipe do Futuro estava em quadra. Jorge, pouco atento aos comentários de seu amigo, estava mergulhado na partida. Via os jogadores saltando, passando a bola, atacando, defendendo... percebia o conjunto da movimentação de cada equipe. Num certo lance exclama internamente retesando todo o corpo: “Linda!!”. “Nossa, que leveza! Parece que nem fazem força...”, Jorge pensava sobre o time que estava ganhando. Antes de olhar para o outro lado da quadra recebe uma mensagem de Whatsapp da namorada. Estava indignada por ele ter trocado a estréia VIP de uma peça de Shakespeare por uma partida. Jorge desliga o celular, meneia a cabeça e olha para o outro lado da quadra. Via a expressão de tensão quando a câmera fazia closes no rosto dos jogadores, quase uma dor que parecia se estender pela boca contorcida que acompanhava seus saltos doídos e quase desesperados para defender as cortadas. Erros banais como toques na rede pareciam perseguir o time que perdia, enquanto o time que ganhava parecia pôr seus corpos escorrendo como uma queda d’água que não toca a rocha, mas mantém uma distância e forma constantes nas descidas de cada bloqueio. Via a bola seguindo a direção que parecia corresponder ao mais pleno desejo da equipe. “Jorge, cê ouviu o que eu falei? Agora o time está indo... abriu 7 pontos e os bloqueios estão funcionando... esse técnico novo, além de ganhar bem, mexeu bem na equipe.” Jorge, num intenso estado quase meditativo, plenamente presente no jogo, mas ouvindo o comentário do seu amigo, pensou: “Bloqueio? Só vi eles voando...”. E, a cada bola no chão, a cada ponto, Jorge se dava conta de que quase participava do jogo de vôlei a que assistia!

      1.Ilustrando com a mensagem da namorada recebida por Jorge, (a) explique como o signo da distinção social impede que o esporte seja visto como uma forma de experiência estética. Ao contrário, (b) com base em que argumentos o esporte pode ser entendido como uma experiência estética?

      2.Fazendo um paralelo entre o amigo de Jorge e a tradição intelectual metafísica (e cartesiana), bem como entre Jorge e as reflexões sobre o elogio efetuadas por Gumbrecht (e suas experiências relatadas como espectador esportivo), descreva o que aproxima cada um desses pares.

      3.Sofrimento, Instrumentos, Jogadas e Timing: explicando cada um desses fascínios, segundo a análise de Gumbrecht, aponte se e como eles se relacionam ao que se passa no Cenário.

      Gumbrecht, Hans Ulrich (2007). Definições. Em: Gumbrecht, H. U. Elogio da Beleza Atlética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. pp. 22-48.

      Gumbrecht, Hans Ulrich (2007). Fascínios. Em: Gumbrecht, H. U. Elogio da Beleza Atlética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. pp. 108-138.


  • Cenário 3 - Esporte e Violência


    • O MMA é esporte? E o vale-tudo, é ou não esporte? No vale-tudo, vale tudo? Essas são algumas perguntas que poderiam introduzir uma reflexão sobre o tema. Entretanto, pode-se inverter a ordem, começar por alguns fatos e passar a questões mais pontuais.

      Quando, em 1995, Rorion Gracie viu a competição que criara, o UFC, ser submetida por seus sócios a regras como o estabelecimento de rounds e limite de tempo para os combates, vendeu os direitos e deixou o negócio:

      ‘A nossa diferença sempre foi essa. Para eles, era um show de televisão sobre briga. Para mim, o evento era uma briga de verdade, sendo televisionada. E briga de verdade não tem tempo’, diz Rorion. [...]‘O cara pega o outro no estrangulamento, bate o gongo e tem que soltar? Que briga é essa? Isso é uma palhaçada. O tempo vai acabar com o show’, dizia (Awi, 2012, p. 123, 124 e 125).

      Jorge Pereira, professor de jiu-jítsu, ex lutador de vale-tudo e promotor de um extinto evento da modalidade nos anos 2000, explica o que almejava com a competição: “Queria voltar às origens do verdadeiro vale-tudo. Como é que o UFC pode dizer que o cara que ganha lá é campeão do mundo de MMA se eles não permitem cabeçada no rosto? Cabeçada é uma das maiores armas da briga de rua. O sujeito é campeão do mundo e não sabe dar uma cabeçada?” Seria um torneio com apenas as três regras de honra: proibição de mordida, puxão de cabelo e dedo no olho. [...] (Awi, 2012, p. 267 e 268).

      Jorge se considera um “profissional de guerra do jiu-jítsu”, diz: “‘No dia em que precisarem, eu luto até a morte com qualquer outro faixa preta de qualquer outro estilo, de qualquer peso, só pelo amor ao jiu-jítsu’” (Awi, 2012, p. 147).

      De fato, em 1998, preferindo cumprir agenda de combates a tratar uma grave lesão no olho, Pereira perdeu 90% de uma vista: ‘Ficar cego por causa do amor a uma luta é uma coisa para gente honrada. Sei que sou visto como um louco por muita gente, mas acho que fiz a coisa certa, sacou?’, diz” (Awi, 2012, p. 266).

      Tendo competido nos tempos em que o UFC ainda se assemelhava mais ao vale-tudo do que ao MMA, Vitor Belfort, que com 19 anos tornara-se o mais jovem campeão jamais visto do UFC, prestes a disputar o título agora com 38 anos, tem como uma de suas causas o banimento das cotoveladas no MMA. A seu ver, os sangramentos provocados por esses golpes desfavorecem o sonho de fazer do MMA uma luta olímpica. Lyoto Machida também defende a proibição, alegando que as cotoveladas causam danos capazes de definir uma luta sem necessariamente exigir habilidade esportiva que diferencie a qualidade de um atleta sobre outro na modalidade.

      Valendo-se do conteúdo do Cenário e com base nos argumentos do texto de Roland Barthes, responda às perguntas abaixo:

      1. A exemplo da tourada, os combates de vale-tudo podem ser apontados como o “modelo e o limite do esporte” (Barthes, 2009, p.97). A considerar pelo texto e pelos pensamentos de Rórion Gracie e Jorge Pereira, quais comparações podem ser feitas entre ambos (tourada e vale-tudo)?  
      2.A glória reservada ao vencedor na tourada – “a vitória do homem sobre a ignorância, o medo, a necessidade” – é a mesma reservada ao vencedor no vale-tudo? Por quê?
      3.“Uma luta séria”: conflito ou competição? Vencer o homem ou vencer as coisas? Quais coisas? O músculo é matéria-prima ou aquilo que vence? Responda a essas questões considerando a causa defendida por Belfort e Machida procurando concluir assinalando qual a ideia de homem e o domínio de quê está em jogo nesse combate.
      4.O escândalo esportivo: “provação do esporte pelo absurdo”. Se no esporte o espectador não é apenas um observador, mas é um ator, explique com base no texto o que justifica que, para o espectador neófito, o MMA não seja percebido como um esporte, mas como duelo nocivo.

      Referências:

      AWI, F. (2012). Filho teu não foge à luta: como os lutadores brasileiros transformaram o MMA em um fenômeno mundial. Rio de Janeiro: Intrínseca.

      BARTHES, R. (2009). O que é o esporte? (A. Telles, Trad). Serrote, 3, 96-105. (Original em francês de 1961).


  • Cenário 4 - Racismo

  • Cenário 5 - Temporalidade


    • Pegando onda

      Rafa está na água sentado sobre a prancha. Olha em torno de si e vê três outros surfistas, dois dropando uma onda, olha a praia e vê a agitação, faixas, pessoas, arquibancada, escuta a voz distorcida do locutor. Inverte o olhar e acompanha o ritmo e a formação das ondas. Aquela praia no litoral norte de São Paulo é a sua praia, a praia onde quase diariamente pega as ondas, que conhece muito bem. Rafa espera sentindo-se impulsivo, prestes a disparar tão rápido como seus pensamentos que se encavalam vendo-se fracassar conseguir, fracassar conseguir, acertando errando, acertando, acertando, acertando... Se perguntando vai dar certo não vai, vai dar certo não vai? Pensa se será bem avaliado e se honrará a cidade sagrando-se campeão, subindo no alto do pódio com sua prancha. Rápido o pensamento rápido com um fundo de triste, cinzento, melancolia lenta contrapesa o foco nas ondas. Tem que pegar ondas. Nesta bateria teria de subir em até 10 ondas em 25 minutos. Escuta o anuncio no alto-falante: “10 minutos!”; Rafael pensou: “10 minutos! Peguei 7 ondas e não gostei de nenhuma... Vou pegar outras, nem que seja à força!!”. Ainda sobe em mais 3 ondas, realiza suas manobras e escuta as duas sirenes indicando o fim da bateria. Mesmo pontuando com suas manobras, Rafa está desclassificado. Frustrado, desabafa com um amigo: “Me senti preso lá; não tava de boa, tinha 10 ondas pra pegar e ainda tinha aqueles avisos do tempo acabando... tive que começar a pegar qualquer onda pra pontuar... isso não é surfe...”. Afastado do centro do agito da competição, sentado na areia e mirando o mar, Rafa compara as boas ondas que vê quebrando com as ondas gordas do final de semana anterior. ‘Cara, o surf é uma parada muito louca, altamente reflexiva; só que tácita, sacou? Não dá pra explicar. Dobras, ondas, horizonte, venho vou, superfície…” Mas agora não se parecia com nada daquilo. Com raiva do que acaba de se passar, Rafa se dá conta de que tinha aproveitado mais a água naquele dia das gordas e das longas esperas que o dia de hoje. Algumas semanas antes Rafa tinha sido apontado ao organizador do campeonato como um dos melhores locais. O organizador foi à praia e convidou Rafa a participar da competição. Diante de seu vacilo disse-lhe que não tinha nada a perder e que, no mínimo, sairia ganhando do patrocinador uma lycra pra surfar. Rafa estava alegre, tinha saído da água após algumas horas de boa espera, boas ondas, boas manobras. O organizador chegou a elogiar a onda que viu Rafa pegar e perguntou como foi seu dia. Rafa, sorriso constante no rosto, respondeu: Demais!! E “Como você fez aquela manobra?”, perguntou o organizador. “Qual?” disse Rafa. “A última”. Rafa apenas deu de ombros, “Não sei, coisa da onda, ela é que deve saber”.

      1.De acordo com o cenário, procure caracterizar o modo como o tempo passa na condição de free surfer e na condição de atleta.
      2.Diferencie tempo de temporalidade com base no texto Tempo vivido.
      3.Baseie-se no texto Deleuze: surfista da imanência, de Daniel Lins, para descrever o que significa, de acordo com a experiência de surfar, a resposta de Rafa a como fez certa manobra: “Não sei, coisa da onda, ela é que deve saber”.
      4.Movimento, corpo sem órgãos e tempo no surfe: articule os pensamentos free surfer de Rafa com o texto do surfista da imanência para descrever as relações entre esses elementos na experiência vivida do surfista.

       



  • Cenário 6 - Filosofia e Saúde 2

    • ESPORTE E SAÚDE II

      AMPLIANDO

      Zuza foi acometido por uma má formação congênita. Sua deficiência lhe traz restrições de mobilidade.

      Eduardo, devido a complicações no parto, tem diminiuição de amplitude do movimento de um braço que, além disso, não se estende plenamente.

      Nivaldo nasceu sem uma mão e sem quase todo o antebraço.

      Os três, hoje, são adultos e praticam futebol, karate e basquete, respectivamente.

      Relatos:

      “Muita gente tem preconceito, porque não conhece o deficiente físico. Na escola, uma vez um engraçadinho qualquer, que não me conhecia, na hora da chamada, quando a professora chamou meu nome, o engraçadinho riu.” (Zuza)


      “Geralmente a pessoa quando tem deficiência se isola, fala ‘Não posso fazer isso porque eu tenho esse problema’, ‘Não posso fazer aquilo porque tenho esse problema’, ‘Não vai dar certo’, ‘Eles fazem esse movimento e eu não vou conseguir fazer’.” (Eduardo)


      “Antes, quando eu era molequinho, você ia pra escolinha, não fazia nada, não se tinha nada, não vai fazer nada...”


      “Quando as pessoas vêem, ficam assustadas, né? Falam ‘Vixi, como esse moleque vai jogar?!’.” (Nivaldo)


      “Aquilo que no plano biológico se nos mostrou como regressão a um meio “encolhido”, e  no plano social, como uma exclusão sancionada por instituições de diferentes ordens, reaparece  no plano existencial como recusa de dignidade, recusa de reconhecimento” (Ricouer, 2008, p. 220).


      1. Se saúde e doença (deficiência) são normatizadas socialmente (codificadas pelos outros, não pelo organismo), recorra ao texto de Ricouer para explicar o porquê desse mecanismo de exclusão social. Interprete cada um dos relatos acima sob esta ótica.

      2. Um gracejo, um auto-isolamento, imobilidade, um susto: esses acontecimentos pontuados nos relatos equivalem a recusas de dignidade, recusas de reconhecimento? Como e porque podem incidir na auto-estima da pessoa?

       

      Relatos:



      “A professora pegou e falou pro aluno: ‘Você acha que é melhor que ele pra rir?’. Aí a professora falou, não só pra esse aluno que riu, falou assim: ‘Se você tivesse a metade do esforço que o Zuza tem, seria ótimo, porque ele pode ser do jeito dele, mas ele se esforça. Mesmo não conseguindo fazer as coisas, ele pega e tenta. Não é como uns e outros que tem preguiça de fazer’.” (Zuza)


      “Eu tentava provar pra mim mesmo que eu conseguia ser melhor do que aquele que era normal. Uma vez o zagueiro falou ‘Pode deixar que esse aí não faz nada’. E eu fui lá e fiz um gol. Outro jogador do time dele, que não era tão arrogante, pegou e falou assim: ‘Você é bobo? Você pensa que o cara não joga só porque ele tem problema? Ele sabe jogar sim’. Aí esse time, em especial, começou a me tratar como eu era, um jogador normal.” (Zuza)


      “Como a minha deficiência é no braço direito, e por sorte eu sou canhoto, a gente troca, trabalha com a base invertida e eu tenho uma certa facilidade com as pernas. Então a gente usa as pernas, trabalha com a mão esquerda na frente, porque como a mão direita não consegue ficar esticada, ou levantada muito tempo, a mão esquerda fica na frente pra tentar ofuscar esse defeito. Aqui na academia não tem diferença nenhuma em relação aos meus companheiros de treino, devido ao treinamento que o sensei trabalha comigo pra gente poder superar essa deficiência. Aqui a gente treina de igual pra igual. Agora, quando se vai competir, a gente trabalha também para que os adversários em uma competição não percebam. E o pessoal, geralmente, não consegue perceber, por causa desse treinamento, desse trabalho que a gente faz pra poder eliminar essa que seria uma falha.” (Eduardo)


      “Os fundamentos do karate fazem com que a gente vá com determinação, independente do resultado. Que a gente consiga superar qualquer obstáculo, seja o nervosismo, seja até mesmo a deficiência no braço. Então, eu me sinto uma pessoa sem deficiência nenhuma”. (Eduardo)


      “Ia pra escolinha, não fazia nada... Aí você começa a praticar um esporte, você vê que não tem diferença nenhuma. Poxa, aí eu me senti lá em cima! Aí você vê que consegue jogar melhor que muita gente que tem os dois braços. Aí você empolga! Você vai normal, tranquilo. Isso aí pra mim foi muito bom”. (Nivaldo)


      “(...) Aí, depois, quando eu começo a jogar, aí falam ‘Vixi, aqui é uma pessoa normal!’. Num primeiro momento é espanto, depois o jogo continua. Dão porrada, cotovelada, que nem em uma pessoa normal.” (Nivaldo)


      “Pra você, amarrar o tênis é normal. Pra mim, quando eu consegui amarrar o tênis, ‘Nossa, eu consegui amarrar meu tênis!’. Então, é normal. Tem coisinhas que você faz que pra você é normal. Pra mim, vixe! É uma coisa que conquistei, que consegui fazer. Aí, no esporte, é a mesma coisa. Tem coisas que você vai fazer que eu não vou fazer. Mas dependendo eu faço de um outro jeito, seria praticamente a mesma coisa que você ia fazer. E, não sei, eu nasci assim, não tenho que reclamar. Pra mim é tudo normal” (Nivaldo)   


      “Reencontramos no nível existencial a interpretação do patológico proposta no plano biológico. A doença, dizíamos, é coisa diferente de falta, de carência, enfim de quantidade negativa. É uma outra maneira de ser-no-mundo” (Ricouer, 2008, p. 220).


      3. O que se passa na atividade esportiva e cotidiana, segundo cada um dos relatos de nossos heróis, que possibilita a ocorrência deste reencontro e, tanto de acordo com os relatos como segundo o texto de Ricouer, qual o seu significado existencial?


      4. Recorra ao texto de Ricouer para explicar o raciocínio próprio à interpretação do patológico proposta no plano biológico e como ela se diferencia da interpretação mais comum.


      RICOUER, Paul (2008). A diferença entre o normal e o patológico como fonte de respeito. Em: RICOUER, Paul. O justo 2: Justiça e verdade e outros estudos. (I. Benedetti, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. pp. 209-220.


      Depoimentos recolhidos de:

      Cursiol, J.A. (2014). As experiências vividas pela pessoa com deficiência física nas práticas esportivas em meio a não deficientes: uma análise fenomenológica. Relatório Final de Iniciação Científica, PIC/CNPq EEFERP-USP.


  • Cenário 7 - Ética do Melhoramento

    • CENÁRIO 7

      ÉTICA DO MELHORAMENTO

      MasahikoTanaka sagrou-se o primeiro campeão mundial de karate em 1975, aos 34 anos. Somando ao título do ano anterior, naquele mesmo ano tornava-se bicampeão japonês da modalidade. Dois anos depois, em 1977, venceu pela segunda vez também o mundial. Presença constante em cursos e eventos de karate no Brasil, cerca de vinte anos depois, em 1997, esteve na USP onde contou porque decidiu participar também do terceiro campeonato mundial em 1980: “Eu queria saber se, embora sempre treinando, aos 39 anos, já sem a mesma velocidade e agilidade de antes, eu ainda era Tanaka, se eu ainda podia vencer”. O mestre tornou-se célebre como o primeiro tricampeão mundial de karate .

      Vitorioso aos 19 anos, ninguém conquistou um título do UFC tão jovem como Vitor Belfort. Já com mais de 30 anos, o lutador defendeu, até o momento da proibição, o uso que fazia de Terapia de Reposição de Testosterona (TRT). A seu ver, o TRT não lhe daria vantagens em relação aos adversários, apenas igualaria uma condição que o aumento da idade subtrai, isto é, equilibra os níveis de hormônio entre os oponentes mais velhos e os mais jovens.

      Conforme contado no Cenário 4 (Esporte e Violência), Belfort tem como uma de suas causas o banimento das cotoveladas no MMA. Para ele, o sonho de fazer do MMA uma luta olímpica é prejudicado pela má impressão suscitada pelos sangramentos provocados por esses golpes. A proibição também é defendida por Lyoto Machida, para quem as cotoveladas causam danos capazes de definir uma luta sem necessariamente exigir habilidade esportiva que diferencie a qualidade de um atleta sobre outro na modalidade.

      Valendo-se do conteúdo do Cenário e com base nos argumentos dos textos de Michael Sandel, responda as perguntas abaixo:

      1.Em que diferem as intenções de Tanaka e de Belfort de competir em idades mais avançadas que a de seus adversários? O que essas intenções presumem quanto ao relacionamento com a natureza humana?

      2.Belfort recorre a um argumento de justiça em sua defesa do TRT: seu uso o colocaria em condições equivalentes às de seus adversários. A) Nesse caso, qual dilema ético subjaz à defesa do TRT por parte de Belfort? B) Por que seu argumento pode ser considerado falho?

      3.Sangramentos abundantes (provocados por cotoveladas) dariam visibilidade ao show e atrairiam parcelas significativas de audiência ao UFC. A considerar pelo argumento de Machida, qual motivo de admiração esportiva pode ser ameaçado pela ênfase nessa espetacularização? Em que precisamente consistiria essa admiração no caso dessa modalidade específica, o MMA?

      SANDEL, M. (2013). A ética do melhoramento. Em: SANDEL, M. Contra a perfeição. Ética na era da engenharia genética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. pp. 13-35.

       SANDEL, M. (2013). Atletas biônicos. Em: SANDEL, M. Contra a perfeição. Ética na era da engenharia genética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. pp. 37-55.