Você está no estágio de urgência e emergência no pronto-socorro municipal, quando atende Solange, que tem 21 anos de idade, natural e procedente de Bauru, estudante do ensino superior. Solange, no momento da consulta, refere dor de garganta intensa, há 5 dias. Conta que seus sintomas iniciaram de maneira súbita, apresentando piora importante, com febre medida (39oC), calafrios, dores no corpo e “ínguas” na região anterior do pescoço. Espontaneamente negou tosse, dispneia, coriza, alterações no paladar e olfato. Conta que no início dos sintomas estava preocupada com COVID-19 e, estimulada por seus pais, no quarto dia de sintomas realizou por conta própria teste para pesquisa do SARS-COV2, o qual não detectou a presença de antígenos virais. Entretanto, devido a febre persistente resolveu procurar auxílio médico. Conta que fez uso de cetoprofeno e dipirona sem melhora significativa dos sintomas. Solange nega comorbidades ou alergias.

Durante o exame físico você identifica que Solange está febril (38,5oC), porém em bom estado geral, acianótica, saturação em ar ambiente 98%, anictérica. Frequência cardíaca de 88 bpm, frequência respiratória 18 ipm, pressão arterial 120/85 mmHg. Cardiovascular: duas bulhas rítmicas e normofonéticas.

Pulmonar: murmúrio vesicular presente em todos os campos sem ruídos adventícios.

Abdômen: plano, flácido, indolor, ruídos hidroaéreos presentes

Neurológico: Glasgow 15, ausência de sinais meníngeos

Exame otorrinolaringológico: oroscopia conforme apresentada na figura 1.

Cervical: presença de nódulos dolorosos no nível II bilateral, com aproximadamente 3 cm de diâmetro, móveis e não aderidos a planos profundos. Ausência de outras adenomegalias cervicais.


Após o exame físico, você apresenta o caso a sua preceptora para elaboração de hipóteses diagnósticas e definição de condutas. Ao final da discussão, apesar da febre, não foram identificados sinais de gravidade no quadro pelo escore quickSOFA, sendo optado pelo tratamento em regime ambulatorial. Após questionamentos sobre a necessidade de realização de exames laboratoriais, cultura e antibiograma, foi definido pela não realização dos procedimentos, devido aos antecedentes epidemiológicos e critérios de Centor Modificado compatíveis com etiologia bacteriana. Desta forma foi prescrito Amoxicilina 500 mg de 8 em 8 horas por 7 dias associada a tratamento sintomático.

Três dias depois, você ainda estava no estágio no pronto socorro municipal, e atende novamente Solange, desta vez, trazidas pelos pais. Os mesmos referem que inicialmente houve breve melhora dos sintomas, seguida de piora, com aumento da dor faríngea, limitação da abertura bucal, inchaço e vermelhidão na face lateral direita do pescoço. Referem que hoje, pela manhã, Solange estava sonolenta e não falava “coisa com coisa”.

Você examina Solange e notou que a mesma apresentava abertura ocular espontânea, obedecia adequadamente a comandos verbais, porém estava confusa e torporosa. Durante o exame físico você identifica que Solange está febril (39 oC), em regular estado geral, acianótica, saturação em ar ambiente 96%, anictérica. Frequência cardíaca de 124 bpm, frequência respiratória 28 ipm, pressão arterial 80/50mmHg.

Cardiovascular: duas bulhas rítmicas, taquicardicas e normofonéticas 

Pulmonar: murmúrio vesicular presente em todos os campos sem ruídos adventícios. 

Abdômen: plano, flácido, indolor, ruídos hidroaéreos diminuídos. 

Neurológico: Glasgow 13, ausência de sinais meníngeos 

Exame otorrinolaringológico: Trismo moderado, oroscopia conforme apresentada na figura 2. 

Cervical: presença abaulamento doloroso na topografia dos níveis II a IV, a direita, com hiperemia e calor local.


Imediatamente você apresenta o caso a sua preceptora, que orienta internação na sala de emergência, pois a paciente apresenta sinais compatíveis com Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) e possível choque séptico, já que o escore quickSOFA demonstrou-se positivo.

Sua preceptora orienta obtenção de acesso venoso periférico calibroso, coleta de hemograma, coagulograma, lactato, bilirrubinas total e frações, função renal, hemocultura, cultura de secreção faríngea e antibiograma.

Iniciou antibioticoterapia empírica de amplo espectro, guiada para os germes mais comuns para o foco infeccioso de Solange (abscesso peritonsilar com extensão cervical), com ceftriaxone 1 grama endovenoso de 12 em 12 horas, associada a clindamicina 600 mg ev de 6 em 6 horas. Após expansão volêmica com cristalóide, os sinais vitais apresentaram nítida melhora, com FC de 88 bpm, FR 16 e PA 110/85 mmHg.

Sua preceptora, adicionalmente, orienta você a entrar em contato com a central de regulação de vagas, solicitando vaga em unidade de terapia intensiva e avaliação da equipe de otorrinolaringologia do Hospital de Estadual de Bauru, para drenagem do possível abscesso faríngeo e cervical.

Uma colega que estava de plantão no acolhimento do HEB, contou que Solange foi internada no mesmo dia, sendo admitida em UTI e realizada Tomografia computadorizada que confirmou abscesso cervical. Na manhã seguinte, foi operada pela equipe de otorrino, com ampla drenagem cervical e faríngea com coleta de secreção para cultura e antibiograma. A equipe da CCIH (comissão de controle de infecção hospitalar) do HEB modificou a antibioterapia, embasada na flora microbiana mais típica para o foco infeccioso em questão, com a ressalva de possibilidade de mudança de acordo com as culturas que estavam em andamento.

Após quatro dias na UTI, Solange recebe alta para enfermaria, sendo mantida a prescrição da CCIH (Vancomicina e Meropenem) pois o germe identificado nas culturas era sensível aos antibióticos prescritos.

Durante as orientações de alta para o domicílio, após 14 dias de internação Solange questiona ao médico assistente: “Como uma simples dor de garganta pode dar tanto problema?”

Modifié le: lundi 13 novembre 2023, 16:35