Há muito tempo atrás, antes dos computadores serem inventados, os alquimistas estudavam as propriedades místicas dos números. À falta de computadores, eles tinham que confiar aos dragões os trabalhos que deveriam ser feitos por eles próprios. Os dragões eram animais inteligentes, mas ao mesmo tempo preguiçosos e mau-humorados. Um dos piores poderia, algumas vezes, queimar o seu dono com um simples arroto abrasador. Mais a maioria dos dragões não eram cooperativos, devido ao fato da violência exigir muita energia.

Um dia o alquimista deu a Martin uma lista de números e mandou-o ao calabouço para perguntar ao dragão se algum número da lista era ímpar. Martin nunca tinha estado no calabouço antes. Ele levou uma vela, e mais adiante, no canto mais escuro, encontrou o velho dragão, cuja aparência não era muito amigável. Timidamente, ele se manteve afastado. Ele não queria ser queimado com uma chama do dragão.


Mas Martin foi corajoso e resolveu visitar o dragão.



Resmungou o dragão enquanto olhava desconfiado para Martin. 

"Por favor, dragão, eu tenho uma lista de números e preciso saber se alguns deles são ímpares." Martin começou. "Aqui está," ele escreveu a lista na poeira com seu dedo : 

( 3142, 5798, 6550, 8914 ) 

O dragão estava de mau humor naquele dia. Se tratando de um dragão, era sempre assim.

- "Desculpe, garoto," disse o dragão. "Eu estou disposto a lhe dizer se o primeiro número da lista é ímpar, é o melhor que posso fazer. Qualquer coisa, além disto, seria muito complicado; provavelmente não valeria o meu esforço". 

- "Mas eu preciso saber se algum número da lista é ímpar, não apenas o primeiro número," explicou Martin. 

- "Eu só irei verificar o primeiro número da lista. Mas eu verificarei em todas as listas que você quiser, se você entregá-las a mim alguma hora.

Martin pensou por um momento. Deve haver alguma coisa por traz do que o dragão disse. "O que você pode dizer sobre esta primeira lista, então ?," ele perguntou apontando para a primeira lista que desenhou na poeira : 

( 3142, 5798, 6550, 8914 ) 

"O primeiro número da lista não é ímpar," disse o dragão. 

Então, Martin cobriu o primeiro número da lista com a sua mão e desenhou um novo parêntesis a esquerda, deixando a seguinte lista: 

( 5798, 6550, 8914 ) 

e disse " E esta lista ?

"O primeiro número desta lista não é ímpar," o dragão respondeu. 

Martin cobriu um pouco mais da lista. "E esta lista , então ?

( 6550, 8914 ) 

" O primeiro número desta lista também não é ímpar," disse o dragão. Ele pareceu aborrecido, mas pelo menos ele está cooperando. 

" E esta aqui ?, " perguntou Martin. 

( 8914 ) 

" Não é ímpar.

" E esta aqui?

( ) 

" Isto é uma lista vazia !, " o dragão bufou. "Não pode haver um número ímpar lá, pois não existe nada lá .

" Bem," disse Martin, "Eu sei que nenhum dos números da lista que o alquimista me deu é ímpar. Todos são pares.

" Eu nunca disse isto !!!, " bramou o dragão. Martin cheirou a fumaça. " Eu somente falei sobre o primeiro número de cada lista que você me mostrou.

" Isto é verdade, dragão. Eu poderia escrever todas as listas que você viu?

" Se você quer, " o dragão respondeu. Martin, então, escreveu na sujeira : 

( 3142, 5798, 6550, 8914 ) 

( 5798, 6550, 8914 ) 

( 6550, 8914 ) 

( 8914 ) 

( ) 

" Você não vê ?, " Martin perguntou. "Dizendo-me que o primeiro elemento de cada uma destas listas não é ímpar, você me disse que nenhum dos elementos da minha lista original era ímpar .

" Isto é bastante complicado, " disse o dragão testando. "Parece-me que você descobriu a recursão. Mas não me pergunte o que isto significa, você mesmo tem que descobrir."

E com isto ele fechou os seus olhos e recusou-se a proferir qualquer outra palavra.


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Conto de David S. Touretzky, traduzido e adaptado por Prof. Ruiter Caldas (UFAM)

Última atualização: sexta-feira, 4 set. 2020, 16:20