5. Equações de Maxwell

5.3. Forma covariante.

O Eletromagnetismo de Maxwell está intimamente interligado com a Relatividade Especial de Einstein, embora esta tenha sido descoberta (elaborada?) cerca de meio século depois. Tivemos uma pequena demonstração desta inter-relação na Seção 3.2. Ainda que de forma singela, vamos "construir" uma formulação co-variante para as equações de Maxwell. Isto significa reescrever as equações de Maxwell de forma a facilitar a verificação de que elas são invariantes perante às transformações de Lorentz.

Vamos iniciar estabelecendo notações. A geometria não é mais a euclidiana. A geometria da Relatividade Especial é aquela estabelecida por Minkowski (hiperbólica). Tempo não é mais absoluto; junto com o espaço euclidiano tridimensional, forma o espaço-tempo quadridimensional, onde um evento em um referencial inercial \(\mathcal{O}\) ocorrendo num "instante" $t$, na posição $(x,y,z)$, será grafado como um quadrivetor (um tensor de ordem um),

\begin{equation} (x^{\mu})=(x^{0},x^{1},x^{2},x^{3})=(ct,x,y,z). \end{equation}

As coordenadas $x^{\mu}$ são denominadas de contra-variantes. Como a métrica deste espaço não é a identidade, teremos também as coordenadas co-variantes,

\begin{equation} x_{\mu}=\sum_{\nu=0}^{3}g_{\mu\nu}x^{\nu}=g_{\mu\nu}x^{\nu}. \end{equation}

Note a soma implícita nos índices contra e co-variante designados pela mesma letra. Neste espaço, a distância infinitesimal entre dois pontos (ou eventos) é

\begin{equation} (ds)^{2}=(cdt)^{2}-(dx)^{2}-(dy)^{2}-(dz)^{2} = \sum_{\mu,\nu=0}^{3}g_{\mu\nu}\,dx^{\mu}dx^{\nu} = dx_{\mu}dx^{\mu}, \end{equation}

onde a métrica $g_{\mu\nu}$ é diagonal,

\begin{equation} g_{00}=-g_{11}=-g_{22}=-g_{33}=1. \end{equation}

Esta forma de calcular a distância infinitesimal e o fato dela ser invariante perante às transformações de Lorentz define a geometria deste espaço (espaço de Minkowski).

Note a presença da velocidade da luz, $c$, sempre multiplicando o tempo $t$, para formar $x^{0}=ct$, no grupo das equações de Maxwell ligado à indução,

\begin{equation} \frac{1}{c}\frac{\partial\vec{E}}{\partial t}- \vec{\nabla}\times(c\vec{B})=-4\pi C_{m}(\vec{J}/c),\quad \frac{1}{c}\frac{\partial(c\vec{B})}{\partial t}+ \vec{\nabla}\times\vec{E}=0. \end{equation}

Assim, os campos elétrico $\vec{E}$ e magnético (rebatizado) $c\vec{B}$ têm as mesmas dimensões. Isso sugere "rebatizarmos" também a densidade de corrente para $\vec{J}/c$, a qual passa a ter as mesmas dimensões de densidade de carga (verifique). Note que tudo está confluindo para percebermos que as equações de Maxwell vivem no espaço de Minkowski. Tem mais. Tomando o divergente da equação de Maxwell que tem o rotacional do campo magnético e usando a primeira equação de Maxwell para introduzir a densidade da cargas, obteremos a equação da continuidade (verifique), introduzida primeiramente na Seção 3.3 como uma lei de conservação (da carga elétrica),

\begin{equation} \frac{1}{c}\frac{\partial\rho}{\partial t}+\vec{\nabla}\cdot(\vec{J}/c)=0. \end{equation}

Esta equação está "implorando" para definirmos um quadrivetor densidade $(J^{\nu})$:

\begin{equation} \partial_{\nu}J^{\nu}=\frac{\partial J^{0}}{\partial x^{0}}+\frac{\partial J^{1}}{\partial x^{1}}+\frac{\partial J^{2}}{\partial x^{2}}+\frac{\partial J^{3}}{\partial x^{3}}=\frac{1}{c}\frac{\partial\rho}{\partial t}+\vec{\nabla}\cdot(\vec{J}/c)=0,\quad (J^{\nu})=(\rho,J_{x}/c,J_{y}/c,J_{z}/c). \end{equation}

Ou seja, o quadridivergente da quadridensidade igual a zero, $\partial_{\nu}J^{\nu}=0$, é a forma co-variante da conservação da carga no espaço-tempo de Minkowski.

Outra equação que também está implorando para ser reescrita na forma covariante é o calibre de Lorentz, introduzido na Seção 5.2,

\begin{equation} \frac{1}{c}\frac{\partial\phi}{\partial t}+\vec{\nabla}\cdot(c\vec{A})= \frac{\partial A^{0}}{\partial x^{0}}+\frac{\partial A^{1}}{\partial x^{1}}+\frac{\partial A^{2}}{\partial x^{2}}+\frac{\partial A^{3}}{\partial x^{3}}= \partial_{\nu}A^{\nu}=0,\quad (A^{\nu})=(\phi,cA_{x},cA_{y},cA_{z}). \end{equation}

Desta vez definimos o quadrivetor potencial $(A^{\nu})$. A versão covariante do calibre de Lorentz afirma que o quadridivergente do quadripotencial é nulo. Seria outra lei de conservação? Ou simplesmente a conservação da carga (elétrica) em termos dos potenciais? Seguindo a mesma linha, a versão covariante da simetria de calibre é

\begin{equation} A_{\mu}\to A_{\mu}-\partial_{\mu}(c\xi). \end{equation}

Note aqui os índices covariantes. Resumo até aqui: densidade de carga (campo escalar) se junta com densidade de corrente (campo vetorial) para formar o quadrivetor densidade; potencial escalar (campo escalar) se junta com potencial vetor (campo vetorial) para formar o quadrivetor potencial. Usando estes dois quadrivetores, a versão covariante das equações de ondas $(\ast)$ e $(\ast\ast)$ para os potenciais, com o calibre de Lorentz, introduzidas na Seção 5.2, é (verifique)

\begin{equation} \partial_{\mu}\partial^{\mu}A^{\nu}=4\pi C_{m}\,J^{\nu}. \end{equation}

E os campos elétrico e magnético, o que eles formam no espaço-tempo de Minkowski? Como já temos os potenciais no espaço-tempo, vamos usá-los para tentarmos uma versão co-variante para os campos. Para tal, usemos as relações entre os campos e seus potenciais,

\begin{equation} \vec{E}=-\vec{\nabla}\phi-\frac{1}{c}\frac{\partial(c\vec{A})}{\partial t},\quad \vec{B}=\vec{\nabla}\times\vec{A}. \end{equation}

A equação do campo elétrico pode ser reescrita assim:

\begin{equation} E_{i}=-\frac{\partial\phi}{\partial x^{i}}-\frac{1}{c}\frac{\partial(cA_{i})}{\partial t}=-\frac{\partial A_{0}}{\partial x^{i}}-\frac{\partial(cA_{i})}{\partial x^{0}}=-\frac{\partial A_{0}}{\partial x^{i}}+\frac{\partial(A_{i})}{\partial x^{0}},\end{equation}

onde estamos usando o quadrivetor potencial na última igualdade. Não se deixe levar pelo fato de usarmos a mesma letra para indicar o potencial vetor $A_{i}$ e o quadrivetor potencial $A_{i}\to -cA_{i}$. O resultado acima sugere definirmos um campo eletromagnético $F_{\mu\nu}$ por uma matriz anti-simétrica (tensor de ordem dois),

\begin{equation} F_{\mu\nu}=\frac{\partial A_{\nu}}{\partial x^{\mu}}-\frac{\partial A_{\mu}}{\partial x^{\nu}}=\partial_{\mu}A_{\nu}-\partial_{\nu}A_{\mu}. \end{equation}

Verifique que esta matriz assume as formas

\begin{equation} (F_{\mu\nu})=\begin{pmatrix} 0 & E_{1} & E_{2} & E_{3}\\ & 0 & -cB_{3} & cB_{2}\\ & & 0 & -cB_{1}\\ & & & 0 \end{pmatrix},\quad (F^{\mu\nu})=\begin{pmatrix} 0 & -E_{1} & -E_{2} & -E_{3}\\ & 0 & -cB_{3} & cB_{2}\\ & & 0 & -cB_{1}\\ & & & 0 \end{pmatrix}. \end{equation}

Impressionante! Os campos vetoriais elétrico e magnético se juntam para formar um objeto único (um tensor de ordem dois) no espaço de Minkowski.

Exercício. Elabore cuidadosamente as provas omitidas sob a etiqueta "verifique".