2. 'Vidas em português'

Trechos para Discussão do Filme:
Língua, Vidas em português

(Lopes, 2013)


“Eu acho que a língua portuguesa é hoje talvez uma das línguas europeias com maior vivacidade, com maior dinamismo. Não por causa de nenhuma essência especial do Português, mas por causa de uma razão histórica que aconteceu ao Brasil, em que, digamos, Portugal deu origem a um filho maior que o próprio pai. A língua passou a ser gerida por outros mecanismos de cultura. Depois acontecerem outros países africanos que introduziram na Língua Portuguesa alguns fatores de mudança, coloração, que tornam o português hoje realmente uma língua que aceita muito, que é capaz de introduzir tonalidades, variações, que enriquecem muito a língua portuguesa, não só do ponto de vista linguístico, mas o quanto ela pode traduzir culturas.”
(Mia Couto, escritor, Moçambique)

“O que foi notável foi depois, num processo histórico, que está para além da língua, como é que estas culturas se mestiçaram e, a certa altura, o português perdeu o dono, quer dizer, ficou sem dono. Felizmente. E namorou, e namorou no chão, e namorou na poeira do Brasil, e namorou também aqui, na poeira de Moçambique. Quer dizer, sujou-se, no sentido que o Manoel de Barros dá. Sujou-se nesse sentido em que é capaz de casar com o chão.”
(Mia Couto, escritor, Moçambique)

“Nós falamos e usamos tudo isso, os substantivos, os verbos, os adjetivos, as conjunções. Tudo, digamos, usamolo como se isso tivesse existido sempre. A linguagem passou com certeza, digamos, de um estado rudimentar e pouco a pouco vai se tornando mais complexa. Vai sendo capaz de exprimir sentimentos, emoções. O que significa que quantas mais palavras conhecemos, mais somos capazes de dizer o que pensamos e o que sentimos. No século XVII houve um homem chamado Antônio Vieira, Padre Antônio Vieira, que viveu no Brasil, que defendeu os índios, foi diplomata, foi orador. Diz ele o seguinte: “São as afeições, como as vidas, que não há mais certo sinal de terem de durar pouco, que terem durado muito.” Ora bem, isso pode dizerse de uma maneira muito mais simples: “as vidas e as afeições, os afetos, os amores, quanto mais tiverem durado, mais perto estão de deixar de durar.” Devemos nós falar de uma maneira tão complicada na nossa comunicação cotidiana? Provavelmente não, claro, mas talvez nessa época, e é certo, o modo de comunicar-se era muito mais rico de expressão do que é hoje. E cada vez temos menos palavras, cada vez usamos menos palavras. Quer dizer, no tempo em que nós vivíamos nas cavernas e não conhecíamos nem os verbos e nem os substantivos, mas fazíamos “ohn, hem, ohn” e com isso nos entendíamos, suponho eu que nos entendíamos, e, sim, acabavam por se entender, evidentemente. E foi com esses sons iniciais, primitivos, que foram construindo a linguagem. Os idiomas, as línguas, tudo isso foi construído assim. Parece que estamos num processo de involução, em que estamos a voltar às cavernas. Se calhar, estamos/ qualquer dia começamos/ enfim, pra dizer a uma mulher, enfim, que se gosta dela, somos capazes de dizer “ohn, ohn” qualquer coisa assim. E ela ficará muito contente, porque lhe disseram, desta maneira um pouco estranha, que é amada.”
(José Saramago, escritor, Portugal)

“Nós temos sempre necessidade de pertencer a alguma coisa. E parece que a liberdade plena seria a de não pertencer a coisa nenhuma, mas como é que se pode não pertencer à língua que se aprendeu, à língua com que se comunica, a língua com que, neste caso, com que se escreve? Se o leitor, se o leitor de livros, aquele que gosta de ler, não se limitar àquilo que se faz agora, se ele andar pra trás, se ele começar do princípio, se ele pode ler os primitivos, e os grandes cronistas e depois os grandes poetas, a língua passa a ser algo mais que um mero instrumento de comunicação. Transforma-se numa, digamos, numa mina inesgotável de beleza e de valor. Pensemos que são, no nosso caso, oito séculos de pessoas a falar português e a escrever português. Muita coisa se perdeu, evidentemente, mas aquilo que ficou, aquilo que sobrou, aquilo que os arquivos e as bibliotecas guardam, dava pra passar lá a vida inteira, mergulhado na Língua Portuguesa.”
(José Saramago, escritor, Portugal)

“A primeira vez que estive no Rio foi em 86. Vinha muito inflamado, trazia Os Lusíadas, e não fazia muito sentido ler Os Lusíadas aqui.”
 (Pedro Ayres Magalhães, músico, Portugal)

“Nós portugueses gostamos de nos reconhecer nos brasileiros e vice-versa, quando simpatizamos uns com os outros e acho que isso é comum. Também não posso dizer que haja uma identificação total, porque são culturas totalmente diversas. E o Brasil é um país multicultural, é enorme, como eu dizia, e penso que tem tradições de culturas muito diferentes de norte ao sul. Portugal também é assim, mas é um país muito mais pequeno. Mas entre Portugal e o Brasil embora falando o mesmo idioma eu acho que isso também é aquilo que nos liga, não é. Falamos a mesma língua, mas ela não é falada da mesma maneira. E penso que quando estamos nos comunicando, sentimos isso, não é, essa vontade de aproximação e, ao mesmo tempo a distância que existe entre as duas maneiras de ser.”
(Teresa Salgueiro, cantora, Portugal)

“Me chamaram pra falar no Congresso, sobre a defe/, eu não vou não. E falar sobre a língua nacional. Eu não sou filólogo, eu não sou linguista, não sou um estudioso no assunto, sou apenas um usuário da língua. A que futuramente tenderá a ser a língua brasileira está evoluindo muito, e se tornou uma língua muito diversa, em certas áreas do que você poderia chamar chamar português padrão.”
(João Ubaldo Ribeiro, escritor, Brasil)

“Nós temos uma pluralidade de culturas e subculturas que Portugal não tem, pelo nosso tamanho e pela nossa história. Nós fomos colonizados por Portugal, mas recebemos vastas levas de povos de outra origem.”
(João Ubaldo Ribeiro, escritor, Brasil)

“Nós estamos importando não só vocabulário, mas nós estamos importando também a sintaxe americana, a maneira de pensar americana, a maneira de colocar o raciocínio. Isso é que é gravíssimo. Hoje você encontra a composição do futuro no Brasil, pelo menos na juventude, como se o nosso futuro fosse composto. 'Eu vou sair', quer dizer 'eu sairei', mas 'eu vou ir' é um pouco demais, né? Mas você ouve 'porque nós vamos ir na festa depois, primeiro nós vamos ir no cinema', é, é 'we will go'. Até isso (es)tá indo embora, (es)tá virando tempo composto em português brasileiro. Mas a verdade incontestável é que, se as línguas não mudassem, nós todos estaríamos falando latim até hoje, né?”
(João Ubaldo Ribeiro, escritor, Brasil) 

“Gostaria de exaltar em bom tupi, as belezas do meu país. Que seria a língua que nós deveríamos de falar como a língua do Brasil. Assim como tem as línguas moçambicanas, o crioulo da Guiné e de São Tomé e de Cabo Verde, tem os kimbundos e os umbundos e kicongos de Angola.”
(Martinho da Vila, cantor e compositor, Brasil)

“Quase me apetece dizer que não há uma língua portuguesa, há línguas em português. É uma língua que tinha que passar, inevitavelmente, por transformações, segundo os lugares onde a falam, as culturas e as influências. Mas isso não tira nada a evidência de que se trata do corpo da língua portuguesa. É um corpo espalhado pelo mundo.” 
(José Saramago, escritor, português)


Referências bibliográficas

Lopes V, diretor. Língua: vidas em português. [filme]. Rio de Janeiro: Riofilme; 2003.