Gases reais e forças intermoleculares

Toda a teoria cinética de gases que desenvolvemos até aqui considera as partículas constituintes dos gases como sendo pontos materiais que carregam momento, e que podem trocar essa quantidade de movimento com as demais partículas ou com as paredes do recipiente que as contém. Em algumas situações, imaginamos as moléculas como sendo esferas duras (tipo bolas de bilhar) e pudemos determinar com este modelo o número de colisões por unidade de tempo e o caminho livre médio. Através desses conceitos determinamos as propriedades de transporte mais importantes para o gás.

O gás que estudamos até agora obedecem à lei dos gases ideais PV=NkBT, segundo a qual o volume de cada molécula ou a existência de interação entre elas não se manifesta, nem é importante. Tanto que as variáveis P e V na equação acima podem assumir qualquer valor de 0 a \(\infty\). Mas qual é o significado de V=0 quando sabemos que as moléculas na verdade têm um volume finito (inclusive usamos isso para estimar o número de Avogadro)? 

De fato, quando levamos em conta a existência de forças intermoleculares (isto é, a interação entre as moléculas do gás), bem como o tamanho finito das moléculas, denominamos o gás como sendo imperfeito ou real. Como veremos, neste caso, a equação de estado difere um pouco do caso ideal, devido a certas correções. Essas correções só passam a ser importantes em regimes de altas densidades do gás. Espera-se, portanto, que a lei dos gases ideais continue válida para baixas densidades. 

Dessa forma, é esperado que as correções da lei dos gases ideais dependam da densidade, assim, deverão se tornar irrelevante no limite em que \((N/V) \to 0\). Isso nos leva a escrever que:

\(\frac{PV}{Nk_B T} = 1 + B(\frac{N}{V})+C(\frac{N}{V})\)2 + ... 

onde, em geral, os coeficientes B e C podem também depender da temperatura, tal que B(T) e C(T) e são denominados de coeficientes do Virial, devido a um outro teorema importante da Mecânica Estatística. Porém aqui, iremos considerar um tratamento mais simples, que simplesmente inclui as correções necessárias de uma maneira fenomenológica. 

Vamos tratar o gás de uma forma simples e obter a equação de estado. Devido ao volume finito das moléculas, esperamos que:

\( \frac{\lim}{p\to\infty} V = b = \frac{4N}{3}\pi (R_m)\)3

onde \(R_m\) é o raio (tamanho) da molécula e N é o número total de moléculas. Isso significa que \(V \to b\), quando \(P \to \infty\).

Dessa forma, a primeira correção que podemos fazer na equação dos gases é:

\( P(V-b)=Nk_B T\) 

Isso corresponde a uma intensa força de curto alcance, que impede que as moléculas colapsem sobre si mesmas. Não sendo possível comprimi-las além de uma distância mínima. Mais adiante veremos que essa distância corresponde a aproximadamente o tamanho dos átomos que compõe as moléculas. Isso se deve ao fato dos átomos serem compostos de cargas elétricas, que tendem a se repelir quando muito próximas uma das outras.

Imaginemos agora que exista uma atração entre as moléculas. Se olharmos para uma molécula próxima da parede do recipiente, veremos que o efeito da interação com os vizinhos é o de efetivamente diminuir a interação da molécula com a parede, e consequentemente diminuir a pressão do gás.

Interação molecular de longo alcance

Figura 2.14.1: Interação molecular longo alcance, devido às moléculas vizinhas, que reduzem a pressão das moléculas que colidem com a parede.

O efeito da interação deverá ser tanto maior no decréscimo de pressão quanto maior for a densidade \(n\). Sendo um efeito de interação de pares, esperamos que a correção seja proporcional a (\(n\))2. Assim, vamos dizer que o termo de correção é proporcional a (1/V)2 e denominaremos a constante de proporcionalidade pela letra a, ou seja,

\( P = \frac{Nk_B T}{V-b}-\frac{a}{V^2}\) 

de modo que

\( (P+\frac{a}{V^2})(V-b)=Nk_B T\)

que é denominada de equação de Van der Waals, para um gás real. As constantes a e b são normalmente denominadas constantes de Van de Walls e trazem informação sobre o diâmetro molecular e a força de atração entre as moléculas do gás.

Isotermas de Van de Waals

Figura 2.14.2: Curvas isotermas para um gás de Van de Waals (gás real).

Como vimos anteriormente, se traçarmos curvas (gráficos) de P versus V, iremos obter curvas hiperbólicas, chamada de isotermas. Se fizermos isso para um gás real, obtemos que para baixas temperaturas começa a ocorrer um desvio desse comportamento, que está associado à interação entre as moléculas do gás. Esses desvios podem ser inicialmente explicados pela equação de Van der Waals, mas para certas condições de temperatura e pressão, o comportamento das curvas de Van de Waals leva a situações que não fazem sentido (não tem significado) físico. Isso está relacionado às transições de fases do gás (isto é, mudança para outros estados da matéria) que não estão incluídos naquele modelo.  Esses pontos são chamados de pontos críticos do sistema.

A existência do ponto crítico denota a ocorrência de mudança de fase no sistema, o que existe apenas para sistemas de gases reais. Aí reside o segredo das mudanças de estado da matéria. Sólido, líquido e gás são estados dependentes da interação entre as moléculas e a temperatura.

O gás de Van der Waals é uma primeira aproximação realística dos gases prevendo a formação de um líquido. Detalhes maiores deste tipo de efeito deverão ser abordados num curso de Mecânica Estatística.

 

 

Última atualização: segunda-feira, 24 mar. 2014, 13:11