A crítica literária abriu uma nova perspectiva para se compreender a Bíblia Hebraica. A aplicação de sua metodologia, apoiada no estudo de filologia semítica comparada, permitiu a apreensão dos recursos expressivos do hebraico bíblico – as nuances dos valores léxicos, a força das metáforas e dos paralelismos, a integridade estilística e rítmica do texto. A ideia central desta abordagem consiste em considerar o conjunto da Bíblia Hebraica como uma obra literária, e estudá-la tal como ela é, concentrando menor atenção nas circunstâncias históricas de sua composição. O método empregado é o da crítica retórica (close reading) associada ao enfoque interdisciplinar, e são esses os recursos metodológicos que adotaremos no presente curso. Essa proposta de leitura coloca em relevo uma das qualidades mais significativas da Bíblia Hebraica: a presentificação do relato e sua relevância para a audiência. Como o texto foi produzido para uma audiência contemporânea à sua composição, parte-se do pressuposto básico que ele tenha feito sentido e tenha sido totalmente inteligível para essa audiência – constituída de homens, mulheres e crianças reunidos em assembleias – ainda que para o leitor moderno se apresente obscuro e contraditório. Se o contexto vital condiciona a forma fixa adequada de expressão e a intenção do discurso, todos os elementos que o compõem devem ser parte do repertório linguístico-cultural da audiência e como todo davar bíblico (coisa que é dita e coisa que é feita) esperava-se que produzisse algum efeito sobre os ouvintes. A leitura conjunta do texto bíblico será regida por esse contato entre o texto e suas circunstâncias. O texto a ser estudado pode ser uma saga, um conto, uma etiologia, uma lista genealógica, uma prescrição legal; o ponto focal do nosso estudo consiste em ir além das análises formais para uma compreensão mais profunda das diferentes dimensões e perspectivas contidas no registro bíblico e em seus enredos arquetípicos. Cada resposta às indagações que formularmos evidenciará um aparato – linguístico, literário, antropológico, arqueológico – empregado com o intuito de iluminar o texto bíblico, através de uma confluência fértil, mas rigorosamente controlada, de modelos. E, no entanto, cada resposta evidencia também novos questionamentos, saturados de subjetividades, de caráter inesperado, o que não permite a inércia nem a observação pré-moldada. É, portanto, da escolha criteriosa dos pressupostos acadêmicos, e de sua aplicação criativa, que dependemos para produzir algum conhecimento relevante com nossos estudos.