Revista
Pesquisa FAPESP - Julho 2002 - Edição 77 Ciência > Supercordas sem nós Enfoque
criado por pesquisador da Unesp facilita os cálculos na teoria que busca a
unificação das forças da natureza Alessandro
Greco
Nova concepção de átomo: não mais partículas, mas cordas que vibram
como as de um violino Crédito: Miguel
Boyayan
Um bebê emite os primeiros
ruídos no primeiro mês de vida, com o tempo começa a dizer vogais e palavras que
mais parecem uma língua estrangeira, até finalmente dizer mamãe e papai. Nas
últimas três décadas, a Teoria das Supercordas - uma das fronteiras da física,
que persegue a unificação de todas as forças conhecidas e procura explicar
fenômenos extremos, do interior do átomo aos confins do universo - passou por
uma evolução semelhante. Um dos mais recentes avanços nesse campo foi produzido
por um grupo de pesquisadores liderado pelo norte-americano naturalizado
brasileiro Nathan Jacob Berkovits, no Instituto de Física Teórica (IFT) da
Universidade Estadual Paulista (Unesp). Consiste de uma nova linguagem
matemática, destinada a resolver um problema que atormenta os físicos há mais de
25 anos: a complexidade de cálculos dentro da Teoria das
Supercordas.
Berkovits, um físico de 41 anos que mantém o ar jovial e
despojado, enxergou uma velha dificuldade com novos olhos e criou um atalho que
permite manipular com mais facilidade a Teoria das Supercordas: pela primeira
vez, conseguiu fazer cálculos que tratam de forma igual dois grupos de
partículas subatômicas. Um deles é o dos bósons, transportadores de forças: é
formado pelos fótons, que conduzem a luz, e os grávitons, portadores da força da
gravidade. O outro grupo é o dos férmions, partículas que constituem a matéria:
são os elétrons e os quarks. Quando bósons e férmions eram vistos de forma
diferente, era bem mais difícil desenvolver as equações que procuram prever o
comportamento das partículas subatômicas. "Os cálculos envolvendo férmions eram
extremamente trabalhosos", diz o pesquisador da Unesp, que há 15 anos encara
esses problemas. "Só mudei a forma de tratar as partículas."
O novo
enfoque pode ter implicações importantes. Inicialmente, por economizar tempo: em
vez de semanas, pode-se gastar só alguns dias para desenvolver os raciocínios
matemáticos; ou, em vez de dias, horas. O modelo simplifica, especificamente, os
cálculos que envolvem a supersimetria - conceito do mundo subatômico relacionado
à rotação das partículas em torno delas mesmas, como se fossem pequenos planetas
- e por isso facilita a resolução de um dos problemas mais desafiadores da
física: incluir a Teoria da Relatividade Geral no mundo quântico - o que é
fundamental para unificar teoricamente todas as forças e interações da natureza.
Além de simplificar os cálculos que envolvem supersimetria, o modelo permite
formular na Teoria das Supercordas alguns cálculos que anteriormente eram
impraticáveis. Segundo Berkovits, os novos cálculos podem ser usados, por
exemplo, para testar uma conjectura recente de Juan Maldacena, talentoso físico
argentino de 33 anos, que explica a interação entreos quarks - partículas que
formam os prótons e os nêutrons do núcleo atômico.
Publicado em abril de
2000 noJournal of High Energy Physics e apresentado em julho do mesmo ano
noStrings 2000 , um congresso de especialistas em supercordas reunido na
Universidade de Michigan, nos Estados Unidos - e desde então aprimorado numa
dezena de artigos em revistas especializadas -, o modelo de Berkovits gerou
admiração e surpresa. "É impressionante que um físico trabalhando quase sozinho
tenha desenvolvido esse modelo", comenta um dos pioneiros da Teoria das
Supercordas, o físico norte-americano John Schwarz, do Instituto de Tecnologia
da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos. "Esse trabalho mostra um grande
talento e determinação."
Não foi um trabalho tão solitário assim. Em
1994, Berkovits trocou o Kings College de Londres pelo IFT, um lugar com
escassez de especialistas na área. O trabalho que resolveu o problema do
tratamento dos bósons e dos férmions incluiu colaboradores como Cumrun Vafa, da
Universidade de Harvard, Warren Siegel, da Universidade Estadual de Nova York em
Stony Brook, ambos nos Estados Unidos, e alunos e pós-doutores do IFT como
Brenno Carlini Vallilo, Carlos Tello Echevarria, Marcelo Leite, Osvaldo Chandía
e Vladimir Pershin.
Berkovits continua a pesquisar seu modelo,
denominadoPure Spinor Formalism (Formalismo com Spinores Puros
-spinor é um recurso matemático usado para descrever a posição e o
comportamento de partículas subatômicas). O pesquisador, que este ano já
publicou quatro artigos sobre o assunto, desenvolve aplicações cada vez mais
refinadas. "Fui convidado a apresentar os desdobramentos do modelo original
noStrings deste ano, na Inglaterra", diz.
A compreensão do
modelo, em especial para não-especialistas, exige uma visão panorâmica da
história, dos defeitos, das qualidades e das dificuldades da Teoria das
Supercordas. Ela despertou sentimentos que foram do descrédito total, em vista
das dificuldades que pareciam insuperáveis, à euforia, dado seu potencial de
resolver problemas que de outro modo parecem insolúveis. Desde que foi criada,
no final da década de 60, mostrou ser uma concepção revolucionária.
Revolucionária porque mudou o conceito das partículas subatômicas: elas não
seriam mais pontos, mas pequenas cordas, abertas ou fechadas, que vibrariam como
as cordas de um violino, e teriam um tamanho calculado em 10-35 metro
(o número 1 precedido de 35 zeros após a vírgula). As aproximadamente 200
partículas hoje conhecidas nada mais seriam que formas diferentes de vibração
dessas microcordas, como as diferentes notas musicais.
A teoria,
considerada elegante pelos próprios físicos, tem implicações intrigantes. Cordas
podem vibrar de incontáveis maneiras, o que cria a possibilidade de existirem
infinitas partículas no universo. O físico austríaco Isidor Isaac Rabi
(1898-1988, Prêmio Nobel de 1944) se divertiria com a atualidade da pergunta que
fez quando lhe contaram que mais uma partícula, o múon, havia sido descoberta:
"Quem pediu essa partícula?" Detalhe: ele disse isso em 1936 e daí em diante
dezenas de outras partículas foram descobertas. A Teoria das Supercordas
sustenta que tanto o comportamento quanto as características básicas das
partículas, como massa e carga elétrica, são definidas pelo modo de vibração das
cordas. Provavelmente, as cordas nunca serão vistas: os microscópios de
tunelamento são capazes de enxergar átomos - em recente façanha, um grupo de
pesquisadores da IBM escreveu o nome da empresa com 35 átomos de xenônio -, mas
não há meio de visualizar as cordas, tão pequenas que, se um átomo fosse do
tamanho da Terra, elas seriam do tamanho de um átomo. O conceito é absoluto:
tudo no universo - inclusive nós, seres humanos - nada mais seria do que cordas
vibrando.
A Teoria das Supercordas foi usada para entender, por exemplo,
um tipo de radiação emitida pelos buracos negros, a radiação de Hawking, nome
que homenageia o físico inglês Stephen Hawking. A teoria é também um dos meios
pelo qual os físicos procuram entender a explosão que teria originado o
universo, o Big Bang, e mesmo a possibilidade de haver universos cíclicos, um
dando origem a outros.
Do átomo aos planetas
O maior
objetivo da Teoria das Supercordas, que o trabalho do grupo da Unesp ajuda a
concretizar, é unificar nas mesmas equações - ou fazer com que conversem - as
quatro forças da natureza: forte, fraca, eletromagnética e gravitacional. As
duas primeiras agem essencialmente no interior do átomo: a força (ou interação)
forte faz os quarks do núcleo permanecerem próximos e a fraca é responsável pela
radioatividade. Já num plano mais observável, a eletromagnética permite o uso da
eletricidade e faz os motores funcionarem, enquanto a gravitacional faz os
corpos do universo se atraírem - é a mais fraca de todas, mas a que mantém os
planetas em órbita.
As cordas poderiam atar o mundo microscópico da
mecânica quântica - que integrou as três primeiras forças - com o mundo
macroscópico da relatividade geral, sustentado pela gravidade. Não é fácil, por
causa da própria definição da força gravitacional: ela é o resultado da
multiplicação do valor de cada massa envolvida, dividido pela distância ao
quadrado. No mundo subatômico, quando uma partícula está perto de outra, a
distância é tão mínima, que, matematicamente, a gravidade tende ao infinito - um
resultado que perturba o mundo quântico e inviabiliza a integração da gravidade
com as outras forças.
A busca da unificação das forças derrotou o
criador das duas Teorias da Relatividade, a Especial e a Geral, o judeu alemão
Albert Einstein (1879-1955), e persiste como um desafio para as maiores
inteligências da ciência. Desde seu nascimento, na década de 70, a Teoria das
Supercordas procura explicar tudo o que ocorria com as forças e interações da
natureza. Mas a primeira versão, elaborada por três físicos - John Schwarz, do
Caltech, Pierre Ramond, da Universidade da Flórida, Estados Unidos, e André
Neveu, da Universidade de Montpellier II, França -, tinha um problema: suas
ferramentas matemáticas, seu vocabulário, enfim, era inadequado para descrever
um conceito-chave da Teoria das Supercordas, a supersimetria.
A Teoria
das Supercordas prediz que a natureza tenha uma outra simetria, além da mais
conhecida, a simetria do espaço-tempo - segundo a qual as leis da física são as
mesmas, estejamos na Terra, em Marte ou em qualquer outro ponto do universo.
Essa nova forma de organização da natureza, chamada supersimetria, está
relacionada à rotação das partículas em torno do próprio eixo, do mesmo modo que
a Terra gira em torno de si mesma a cada 24 horas - é o chamadospin , uma
característica tão importante das partículas subatômicasquanto a massa e a
carga.
Mas, enquanto a Terra só consegue rodar em torno de si mesma de
uma única forma, a natureza dividiu as partículas em dois grupos distintos, cada
um rodando de forma diferente - os bósons e os férmions. A supersimetria implica
que para cada bóson existe um férmion correspondente. Por exemplo, o elétron,
que é um férmion, teria um parceiro supersimétrico, o selétron (s de super), que
é um bóson. Os próprios físicos têm dúvida da existência dessas
partículas-gêmeas, chamadas superparceiros, pois nenhuma delas ainda foi
encontrada.
Schwarz, que fazia parte do primeiro time de formuladores da
teoria, não desistiu de achar um modo mais adequado de tratar a supersimetria.
Em 1984, em conjunto com o físico inglês Michael Green, finalmente encontrou as
ferramentas necessárias. Foi um momento de euforia, que ficou conhecido como
Primeira Revolução da Teoria das Supercordas e atraiu centenas de físicos para a
área. Mas o cobertor era curto. Ao cobrir a cabeça, criando um vocabulário para
descrever a supersimetria, as simetrias que tratam do espaço e do tempo
começaram a se comportar de forma estranha e não se encaixavam direito no novo
modelo. Os pés haviam ficado de fora.
Contas possíveis
O
modelo de Berkovits conserta esse problema, como um bebê que, depois de aprender
algumas palavras, consegue vocabulário suficiente para montar uma frase - o
vocabulário que Berkovits criou permite estudar supercordas de uma nova maneira,
até então impossível com as descrições anteriores. Um grupo que inclui
Berkovits, físicos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e das
universidades de Harvard e de Carolina do Norte, nos Estados Unidos, além de
Witten, Vafa e pós-doutorandos do IFT, aplicou essa abordagem na análise das
propriedades da conjectura de Maldacena, que abre caminho para entender,
detalhadamente, o comportamento das partículas no núcleo atômico - e o trabalho
andou. "Antes, era impossível realizar alguns cálculos da conjectura de
Maldacena", comenta Berkovits.
Aos poucos, surgem evidências de que esse
enfoque consegue harmonizar a supersimetria e a simetria do espaço-tempo dentro
da Teoria das Supercordas, simplesmente por eliminar as diferenças de tratamento
matemático entre bósons e férmions, antes vistos com fórmulas distintas e agora
fazendo parte das mesmas equações.
Outra visão da
Terra
Mas, para chegar a essa solução, foi preciso mudar o ponto de
vista, como se o problema fosse encontrar uma pessoa na Terra. Para descrever a
posição - latitude e longitude -, podemos usar dois tipos de coordenadas: a
cartesiana ou a polar. A primeira tem três variáveis perpendiculares (altura,
comprimento e profundidade) e trata a Terra como se fosse cúbica. A coordenada
polar substitui a altura pela latitude, o comprimento pela longitude e a
profundidade pelo raio da Terra, agora vista como esférica. Foi basicamente isso
que Berkovits fez: usou uma forma mais adequada do que seus colegas para
descrever a supersimetria, como se tivesse achado um atalho.
O
significado de seu trabalho poderá ser ainda maior. O modelo talvez consiga uma
descrição mais uniforme das cinco Teorias de Supercordas conhecidas. Sim, nada é
simples nessa área, mas o físico norte-americano Edward Witten, um dos mais
importantes nesse campo, deu um belo empurrão ao mostrar, em 1995, que essas
teorias são apenas versões diferentes de uma outra por ele chamada de Teoria M -
letra que lembra tantomother (mãe),membrane (membrana)
oumatrix (matriz). Até esse momento, a Teoria das Supercordas parecia um
animal que só se observava parcialmente - ora a cabeça, ora o pé -, sem uma
visão de conjunto. Witten conseguiu enxergar o mosaico formado por essas
abordagens e gerou outro momento de euforia entre os físicos - foi a Segunda
Revolução da Teoria das Supercordas.
Witten acompanha o trabalho do grupo
da Unesp há muitos anos. "O modelo de Berkovits é elegante e surpreendente",
comentou. Pode ser que estejamos perto da Terceira Revolução da Teoria das
Supercordas. É esperar para ver.
O PROJETO Pesquisa
e Ensino em Teoria de Cordas Modalidade Projeto
temático Coordenador Nathan Jacob Berkovits - Instituto de Física
Teórica da Unesp Investimento R$ 52.000,00