Ciência contemporânea

Vida na ciência contemporânea


Para Mayr (Figura 2.1), o ceticismo quanto a encontrar uma definição de vida está relacionado, entre outros fatores, à rejeição a uma linha de pensamento denominada vitalismo. Como os vitalistas falharam em sua tentativa de provar a existência de uma substância própria dos seres vivos, e com a visão que surgia entre os estudiosos da vida, no fim do século XIX, de que os seres vivos são compostos da mesma matéria que os seres inanimados (ou seja, não possuem uma substância particular), cresceu entre os cientistas a opinião de que não é possível definir “vida”. Ou, talvez pior, fortaleceu-se a opinião de que, caso isso seja possível, é algo tão complexo que não vale a pena. Para que ter um conceito preciso de vida se os experimentos com seres vivos não exigem que se saiba o que é vida, mas somente que se perceba se o ser estudado está vivo ou não?

Figura 1 - semana 2
Figura 2.1: Ernst Mayr
Fonte: CEPA

Se considerarmos que a pesquisa biológica está restrita à pesquisa experimental, realmente não fará muita diferença, mas se dermos atenção à biologia teórica, veremos que esse problema é crucial: a definição de “vida”, de forma clara e direta (como exigem as conceituações científicas), é fundamental para a diferenciação de todo um campo de conhecimento. Sendo a vida o objeto de estudo da Biologia, que a diferencia da Física e da Química, seria necessário caracterizar os sistemas estudados, no caso, os sistemas vivos.

Outra dificuldade apresentada por muitos cientistas para definir “vida” é o fato de que para toda definição sempre haverá exceções e, portanto, não será possível chegar a uma solução precisa. Podemos dizer que um ser vivo se reproduz, mas encontraremos a mula para negar esse conceito. Podemos dizer que todo ser vivo tem metabolismo, mas os vírus serão um problema. Assim, todas as tentativas de definir “vida” estão fadadas ao fracasso. Neste tipo de argumento, podemos perceber a existência de uma visão essencialista de definição de vida: para que um ser seja definido como vivo é imprescindível que compartilhe com outros seres vivos um conjunto de propriedades essenciais que possam ser elencadas e verificadas. Essa visão é bastante comum nos livros didáticos de ciências: são numerosas as listas de propriedades que caracterizam os seres vivos. Algumas priorizam os componentes dos sistemas vivos e seus modos de funcionamento (por exemplo, presença de ácidos nucleicos, ocorrência de interação de proteínas em um solvente aquoso), outras ressaltam as propriedades termodinâmicas ou a necessidade de possuir metabolismo, ou ainda a necessidade de reprodução e replicação. É comum ainda encontrarmos várias dessas e outras propriedades em um mesmo conjunto. Mas existe a lista mais correta?

O problema das listas de propriedades é o fato de que seus autores consideram a vida não como um fenômeno, mas como uma característica dos seres vivos. Supor que uma lista seja melhor do que outra significa priorizar determinadas características. E, sem dúvida, há muita polêmica sobre quais propriedades são as melhores para definir algo como vivo.

Mas, então, qual é a saída? Quais as opções à visão essencialista?

Emmeche e El-Hani, em um capítulo do livro “O que é vida? Para entender a Biologia do século XXI”, argumentam que não somente é possível definir vida de forma não essencialista como já existem boas definições. Para eles, uma definição satisfatória de vida exige que mudemos nossa visão comum sobre o que é definir. Não podemos pressupor que conceitos amplos como vida, matéria ou mente tenham a mesma precisão em sua definição que os termos mais específicos como ácido nucleico ou transcrição gênica. Além disso, é importante que retomemos uma ideia discutida, na primeira disciplina deste curso, sobre os paradigmas da ciência. Como vimos, para Thomas Kuhn, é o paradigma que fornece, durante certo período, os modelos de pesquisa e as soluções aceitáveis para um determinado grupo de pesquisadores. Sob um paradigma, os conceitos são definidos em relação uns aos outros, ou seja, para ser definido, um conceito é inserido em uma rede de outros conceitos. Assim, na visão paradigmática de definição de vida, ao contrário da essencialista, não é necessária uma lista de propriedades para caracterizar um ser vivo. Os atributos serão listados, pois são importantes para caracterizar o fenômeno, mas, agora, eles estarão ligados em uma rede de outros conceitos e farão sentido à luz de algum paradigma vigente.