Roteiro da Semana 10

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Curso: 02 - Evolução
Livro: Roteiro da Semana 10
Impresso por: Usuário visitante
Data: terça-feira, 8 out. 2024, 15:21

Descrição

Roteiro da semana 10 do Curso de Evolução

Apresentação da aula



Abertura de texto - semana 10




Se você tiver a oportunidade de visitar um Jardim Zoológico onde é exibido um grupo de uma espécie de um dos grandes macacos do velho mundo (chimpanzés, gorilas, orangotangos ou bonobos), além de poder admirar esses animais interessantíssimos, vale a pena também gastar algum tempo prestando atenção nos demais visitantes humanos. Não é incomum que ouçamos comentários tais como "Puxa, como parece gente!". De fato, esses animais pertencem ao mesmo grupo zoológico que nós mesmos, algo reconhecido antes mesmo do desenvolvimento das idéias evolutivas, dado o grande compartilhamento de características entre eles e nós. Somos classificados como pertencentes à espécie Homo sapiens e, portanto, ao gênero Homo e à família Hominidae, a mesma daqueles grandes macacos listados acima.

A admissão de nosso parentesco evolutivo com os demais primatas, entretanto, não foi feita sem dificuldades. Charles Darwin excluiu a nossa espécie de sua obra "A origem das espécies" de 1859 de forma deliberada, pois sabia que esse seria o tema mais delicado a respeito de suas idéias sobre evolução dos seres vivos. Afinal, termos sido feitos "à imagem e à semelhança" da divindade que nos havia criado era uma ideia que nos colocava acima e além de qualquer outro ser vivo e deixava nossa auto-estima elevada. A retirada dessa nossa posição especial entre os seres vivos não poderia, portanto, ser feita sem contestação. Foi somente em 1871 que Darwin abordou a evolução humana e outra publicação, cujo título pode ser traduzido como "A descendência do homem e seleção em relação ao sexo", bem depois que Thomas Huxley, o influente discípulo de Darwin, já havia publicado sua obra sobre evolução humana em 1863, cujo título traduzido é algo como: "Evidências do lugar do homem na Natureza".

A busca pelo 'Elo Perdido'



Depois que nos reconhecemos como parentes de outros primatas, era esperado que vestígios de nosso ancestral comum fossem encontrados. Tal ancestral comum ficou conhecido como o "elo perdido". Os sucessos obtidos nas buscas dos ancestrais de humanos e de outros primatas mostraram claramente o poder de previsão da teoria da evolução, característica importante das teorias científicas. A seguir descreveremos alguns exemplos notáveis da descoberta de fósseis de primatas aparentados com a nossa espécie.

O Homem de Neandertal



O primeiro espécime do Homem de Neandertal foi encontrado no Vale de Neander, na Alemanha, daí a sua denominação: Homo neanderthalensis. Sua descoberta foi anunciada em 1857, ou seja, um ano antes da famosa comunicação de Darwin e Wallace na Academia real de Ciências da Inglaterra, onde anunciaram a sua teoria de evolução por seleção natural. Os descobridores desse fóssil o interpretaram como evidências da existência de um ser humano primitivo, diferente do ser humano atual. Johann Carl Fuhlrott, um naturalista amador e Hermann Schaaffhausen, um anatomista, ambos alemães, atribuíram esse exemplar à espécie humana, mas supuseram que fazia parte de uma raça primitiva. As características mais marcantes que permitem distinguir o Homo neanderthalensis do Homo sapiens dizem respeito à robustez de sua ossatura. Na figura abaixo, uma recriação artística da face do Homem de neandertal de Hermann Schaaffhausen, de 1888, podemos notar especialmente a grande saliência dos ossos debaixo do supercílio, que é uma característica que nos permite distinguir H. neanderthalensis de H. sapiens. A ausência de um queixo também é uma característica diagnóstica entre essas duas espécies.

Figura 1 - semana 10

Figura 1


!!! Nesse link você poderá ver um vídeo que tenta reproduzir a aparência de um Homem de Neandertal (Note especialmente o formato do supercílio e do queixo).


O Homo erectus



Em 1891, época em que a teoria de Darwin e de Wallace já estava bem aceita no âmbito científico, o médico holandês Eugene Dubois encontrou fósseis de uma espécie que ele batizou de Pithecantropus erectus, que significa de "homem macaco que anda de pé", de acordo com a composição de palavras gregas e latinas no nome científico. Atualmente essa espécie é classificada como Homo erectus, pois as suas semelhanças com os humanos são muito maiores que aquelas observadas com outros hominídeos, o que justificou classificá-la no mesmo gênero. Na figura abaixo está representado um crânio dessa espécie.

Figura 2 - semana 10

Figura 2

Os Australopitecíneos



Em 1925, Raymond Dart, um antropólogo e anatomista australiano, enquanto lecionava em uma Universidade de Johannesburg, na África do Sul, estudou um crânio de um primata fossilizado e atribuiu a ele o nome de Austalopithecus africanus. Esse nome científico significa "macaco da África do Sul". Tal fóssil ficou sendo conhecido como "Criança de Taung". Dart postulou que tal espécime pertencia a uma espécie ancestral da espécie humana, o que foi contestado por antropólogos nesssa época, que, em sua maioria, acreditavam em uma origem humana asiática.

Mais tarde, em 1972, uma equipe de paleoantropólogos eminentes foi organizada especialmente para a procura de fósseis ancestrais humanos em uma formação rochosa (jazida de Afar) propícia para tal na Etiópia. Em 1974, um esqueleto quase completo foi encontrado. Esse fóssil foi batizado de Lucy, em referência a uma canção dos Beatles que se chama "Lucy in the skies with diamonds". A espécie à qual Lucy pertenceu foi denominada de Austalopithecus afarensis, referência ao lugar onde o primeiro exemplar foi encontrado. As datações por radiometria permitiram estimar que Lucy viveu há pouco mais de 2 milhões de anos. As características anatômicas desse e de outros exemplares dessa espécie indicavam claramente que ela adotava a postura bípede.

O Homo ergaster



Essa espécie foi a espécie mais antiga de hominídeos a ser encontrada fora da África. Espécimes fossilizados foram encontrados no arquipélago de Java e em Pequim, no Extremo Oriente e também no Oriente Médio, havendo ainda exemplares escavados no leste africano. Homo ergaster significa "homem trabalhador", já que produziu ferramentas primitivas com pedras. O Homo ergaster viveu entre 1,9 milhões de anos até cerca de 500.000 anos atrás.

Figura 3 - semana 10

Figura 3

O Homo habilis



Seus restos foram encontrados pelo famoso casal de paleoantropólogos Mary e Louis Leakey, na Tanzânia, entre 1962 e 1964. Essa espécie é considarada como a espécie ancestral do Homo ergaster, viveu entre 2,3 a 1,4 milhões de anos atrás, sendo encontrada exclusivamente na África. É o hominídio mais antigo a empregar ferramentas feitas com pedra.

Figura 4 - semana 10

Figura 4

Além dos fósseis



Uma linha de evidência para se estudar a evolução humana independe de fósseis. Atualmente é possível a comparação de macromoléculas de organismos atuais e chegar a conclusões sobre alguns processos que foram importantes na evolução que deu origem a nós. Um resultado bastante importante foi obtido quando, em 2005, foi obtida a sequência completa do genoma dos chimpanzés. Estimativas feitas bem antes, desde a década de 1980, de que os genomas de humanos e de chimpanzés eram semelhantes em mais de 95% foram completamente confirmadas com o sequenciamento completo. Além disso, outras características importantes relacionadas com nossa evolução puderam ser melhor compreendidas. Por exemplo, um gene sabidamente ligados à fala, chamado de FoxP2 (cujas deficiências provocam problemas relacionados à fala) apresentaram uma taxa de evolução bem mais alta nas linhagens que deram origem aos humanos do que nas linhagens que originaram os outros hominídeos recentes.

Outra linha de pesquisa une aquela feita com fósseis com aquela relacionada a comparação de moléculas. Essa linha de pesquisa se baseia no fato de que é possível, em certas situações, isolar-se DNA preservado internamente em ossos que não foram mineralizados. Recentemente, em 2010, foi possível se obter uma grande parte da sequência do genoma de exemplares do Homo neanderthalensis. Essa espécie viveu na Europa e no Oriente médio até uns 50 mil anos atrás e foi então extinta. Acredita-se que uma das causa dessa extinção tenha sido por causa da competição por recursos quando o Homo sapiens atingiu o continente europeu. Essa extinção, no entanto, não foi abrupta. Os fósseis mais recentes de H. neanderthalensis datam de somente 25.000 anos atrás, sendo que estes estão concentrados em poucas regiões da Europa, ao contrário daqueles mais antigos, que eram distribuídos em regiões geográficas mais amplamente distribuídas. O resultado mais interessante obtido com o sequenciamento do genoma do Homem de Neandertal foi, na verdade, obtido com o sequenciamento de indivíduos da nossa espécie. Os genomas de humanos obtidos na África não apresentam qualquer gene dos neandertais, mas esses são encontrados em populações de fora da África. O significado desse achado é bastante claro. Quando a nossa espécie, Homo sapiens deixou a África, não somente provocou a extinção dos neandertais, mas também intercruzou, em pequena escala, com eles. Assim, populações humans de fora da África possuem cerca de 1 a 4% do genoma neandertal.

Além do Homem de neandertal, foram também obtidas as sequências de DNA de outra espécie do gênero Homo, obtida através da extração de DNA de fragmentos de falanges de uma espécie que não havia sido descrita anteriormente. Esses fragmentos foram encontrados em uma caverna na Sibéria e datados de cerca de 40.000 anos atrás. Sequências genômicas de populações atuais de povos da Melanésia mostram que cerca de 4 a 6% do genoma delas provêm dessa espécie ainda não descrita morfologicamente, devido a intercruzamentos que ocorreram no passado. Tais dados permitem concluir que a evolução humana mais recente não foi permeada apenas por guerras, mas também por interlúdios amorosos!

Etapas chave na evolução humana



Algumas mudanças observadas ao longo desses poucos milhões de anos que levou à constituição da espécie humana nos permitem caracterizar alguns fatores importantes. A postura bípede é um desses fatores. Outros hominídeos tais como o Gorila, podem andar sobre duas patas por períodos curtos de tempo. Mas a sua anatomia é inteiramente baseada no apoio nas quatro patas. Nos hominídeos que podem ter dado origem à espécie humana há uma clara mudança em direção à postura ereta e ao bipedalismo. A capacidade de manipulação de objetos com o emprego do polegar oponível também é um atributo dos hominídeos atuais. Essa capacidade ficou bastante ampliada com a postura ereta, na linhagem que deu origem aos humanos, pois as mãos ficam liberadas por mais tempo.

O aumento de diversas capacidades cognitivas também é um fator chave na nossa evolução. O aumento da capacidade volumétrica craniana também é observado, mas isso não implica uma tendência, já que nossa espécie não é aquela que apresenta, entre os primatas, o maior volume interno craniano, um recorde pertencente aos neandertais.

Uma característica marcante da espécie humana em relação aos outros animais é o tempo bastante prolongado de convivência entre a prole e os pais. Isso talvez seja o fator responsável pela aquisição da cultura na espécie humana. Há relatos notáveis de transmissão de conhecimentos de uma geração a outra em vários outros animais, mas nossa cultura é transmitida em ordens de grandeza maior. Evidentemente a fala é uma das aquisições mais marcantes. Embora não seja propriedade exclusiva dos humanos em relação a outros hominídeos a nossa capacidade de articulação verbal é muito mais pronunciada.

A questão das raças humanas



É evidente que existe uma diferenciação geográfica entre as populações humanas, e essa questão nos remete ao tema do racismo. O racismo pode ser caracterizado como uma doutrina segundo a qual indivíduos pertencentes a raças diferentes devem ser tratados de forma diferente. Na história de nossa espécie, tal doutrina levou a resultados desastrosos, com enorme sofrimento impingido por pessoas em relação a outras. Infelizmente esse tipo de doutrina não pertence ao passado. Há muito pouco, genocídios foram impetrados em nome dessa doutrina. Um exemplo recente foi o conflito que houve em Ruanda em 1994, com o resultado de quase um milhão de pessoas mortas em um conflito de natureza étnica. Nosso papel, como educadores, é esclarecer as bases biológicas que existem por trás de doutrinas discriminatórias. Será que existem mesmo raças humanas? Podemos, com total certeza, afirmar que pertencemos a uma única espécie. Não existe qualquer mecanismo biológico que impeça a reprodução entre pessoas que se originam de lugares ou etnias diferentes. Compartilhamos, portanto, o mesmo conjunto de genes. No Brasil isso é mais que evidente, graças à grande quantidade de miscigenação que existe em todas nossas populações. E as raças, ou etnias, poderiam se consideradas como entidades biologicamente diferentes? A Genética nos permite responder essa questão também. Se existem algumas características morfológicas que são diferentes entre as etnias, existem também outras características de natureza fisiológica ou bioquímica que diferem entre elas. Mas essas diferenças são sempre quantitativas e não qualitativas.

A incidência de certas doenças e a sensibilidade a medicamentos, por exemplo, diferem somente em termos de frequência entre as diferentes etnias. E mais, do ponto de vista da variação genética, a diferença média entre quaisquer dois indivíduos de nossa espécie é muito maior do que a média da quantidade de diferenças entre indivíduos de etnias diferentes. Isso não ocorre, por exemplo, quando comparamos populações de chimpanzés, de gorilas ou de orangotangos! Estimativas feitas através da amostragem de genes de diferentes populações humanas mostram que nossa espécie passou por um severo gargalo populacional há cerca de 100.000 anos, quando tínhamos uma população equivalente a uns 10.000 indivíduos. Todos esses dados, em conjunto, nos permitem concluir que não há qualquer justificativa de natureza biológica para a prática do racismo.

Conclusões



A busca e a descoberta dos restos daqueles que podem ter sido os nossos ancestrais, além da comparação com os nossos parentes atualmente vivos em um nível de detalhe que chega a cada um dos nucleotídeos dos genomas é um dos sucessos mais espetaculares da teoria da evolução, justamente por ter previsto grande parte desses achados. Alguns deles foram surpreendentes, mas eles apenas contribuíram para o nosso aprimoramento para o conhecimento da evolução, nenhum deles chegou a invalidar qualquer um dos preceitos mais fundamentais da teoria evolutiva vigente. Mas, como se trata de uma área da Ciência que tem um componente histórico bastante pronunciado, é arriscado se tentar fazer qualquer previsão a respeito da evolução futura, seja humana seja de qualquer outra espécie atualmente vivente.

[Atividade] - Questionário



Questionário - semana 10


!!! [Questionário] - responda ao questionário para realizar a atividade.

Para saber mais



!!! Em português

  • A origem do homem

  • Teoria da evolução



!!! Em inglês

  • Evolution animation: linha do tempo geológico apresentando diversos eventos importantes relacionados à evolução biológica
  • Natural History Museum - O Museu de História Natural de Londres disponibiliza uma ferramenta que nos permite comparar, em três dimensões, alguns dos crânios dos hominídeos sobre os quais comentamos. Não se preocupe, você não precisará usar óculos para visão em 3D! A ilusão da tridimensionalidade é propiciada pela rotação dos crânios com o acionamento dos ícones correspondentes com o mouse do computador ou arrastando o próprio crânio também com o mouse (Pode demorar um pouco - são 3,5 MB - mas a espera vale a pena).

Material impresso


Semana 10


Material impresso - semana 9

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