Biodiversidade: conservação e importância

3. Conhecendo o nosso Porto - Parte I

Quando pensamos em conservação, primeiro devemos perguntar: conservar quem ou o quê?

Para que possamos ter medidas efetivas de conservação, é necessário, antes, conhecer muito bem as espécies e onde elas se encontram. Do contrário, nossas ações podem se tornar inócuas ou pouco efetivas.

Para tanto, é preciso perguntar: qual é a situação atual do conhecimento sobre a nossa diversidade?

Já tratamos um pouco sobre isso há algumas aulas; contudo, agora, o foco não estará nas espécies, mas em quem as estuda e as conhece.

Leia o texto a seguir, adaptado do livro Biodiversidade tropical (MARTINS; SANO, 2010).

A biodiversidade pouco conhecida

Como já lhe contamos, tanto a intensidade quanto a velocidade das mudanças ambientais causadas pelas atividades humanas têm sido muito maiores nos últimos dois séculos do que ao longo de toda a história da vida na Terra. Uma parte desses efeitos sobre a biodiversidade é irreversível, como a extinção definitiva de espécies animais e vegetais e a destruição de florestas tropicais – não há como plantar uma floresta tropical que seja idêntica à floresta original, ora bolas! Mas, felizmente, uma parte desses efeitos devastadores pode ser evitada.

Antes de apresentarmos as principais estratégias utilizadas para conservar a biodiversidade, é importante que você esteja atento para um fato: o estado precário do conhecimento sobre a biodiversidade mundial e especialmente sobre a biodiversidade tropical. Na verdade, muito do que tem sido dito sobre a biodiversidade nos trópicos baseia-se em relativamente poucos estudos. Isso principalmente se considerarmos a enorme biodiversidade tropical. Esses estudos geralmente referem-se a grupos cujas espécies possuem tamanho grande (plantas, animais vertebrados e alguns grupos de invertebrados) ou alguma característica de grande interesse para o homem. Como exemplo, estima-se que para cada 100 pesquisadores capacitados para classificar e descrever novas espécies de vertebrados existam 10 aptos para classificar e descrever novas espécies de plantas e 1, para invertebrados.

Mesmo para grupos de vertebrados, como peixes, répteis e anfíbios,  encontrar espécies, até então desconhecidas pela comunidade científica, é um acontecimento frequente, especialmente nos trópicos. Calcula-se que mais de 10 mil espécies de peixes, répteis e anfíbios tropicais sejam ainda desconhecidas. Além disso, mesmo para espécies tão evidentes, como árvores e grandes mamíferos tropicais, ainda conhecemos muito pouco sobre sua distribuição,  necessidades,  inimigos naturais, bem como o  tamanho e a variabilidade genética de suas populações. Sem esses conhecimentos básicos, torna-se difícil saber se essas espécies estão ameaçadas ou não.

E por que conhecemos tão pouco sobre a diversidade nos trópicos?

Em grande parte, tal falta de conhecimento deve-se ao número relativamente pequeno de pesquisadores capacitados para classificar e descrever as espécies tropicais. Calcula-se que atualmente existam, nos trópicos, menos de 2 mil  pesquisadores com tais capacidades. Existem mais especialistas capacitados para classificar e descrever novas espécies de plantas nos Estados Unidos do que em todos os países tropicais juntos. O tamanho real dessa limitação aparece quando lembramos que mais de dois terços da biodiversidade do mundo estão nos países tropicais.

Quer um exemplo? Existe um organismo internacional denominado “Organização para a Flora Neotropical”, que agrega pesquisadores do mundo todo (de trópicos e de não trópicos) interessados em conhecer e catalogar as espécies de angiospermas que ocorrem nos neotrópicos (os trópicos que ocorrem nas Américas). Se for mantida a velocidade de descrição dessa flora com o número de especialistas que temos hoje, calcula-se que as plantas neotropicais demorem cerca de 600 anos para serem totalmente descritas! Isso é mais tempo do que o decorrido desde a chegada de Cabral ao Brasil até os dias de hoje!

Então, não há solução? Claro que há! A solução para esse problema encontra-se na formação de um maior número de especialistas e um maior incentivo para inventários de organismos e sua catalogação. Programas como o Probio (Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira), do governo federal, e o Biota/Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) são iniciativas de grande importância nesse sentido.

Os primórdios da conservação da biodiversidade

A preocupação com a degradação de habitats e  ameaças a espécies é relativamente recente nos países tropicais. Entretanto, algumas vozes solitárias já tentavam alertar para a devastação das florestas tropicais há alguns séculos. Na passagem do século XVIII para o século XIX, o mineralogista José Vieira Couto descreveu a forma como os brasileiros destruíam a Mata Atlântica de Minas Gerais: “com o machado em uma mão e o tição em outra”, ou seja, derrubando tudo e colocando fogo! A agricultura de corte e queima praticada naquela época e nos séculos seguintes foi responsável pela substituição de grande parte da Mata Atlântica por canaviais e cafezais. Histórias semelhantes ocorreram em praticamente todos os países tropicais. Por muito tempo, as florestas densas foram vistas como obstáculos ao desenvolvimento das colônias europeias situadas nos trópicos.

No início do século XX, já havia uma preocupação generalizada com a degradação de habitats e com ameaças a espécies ao redor do mundo. Entretanto, um interesse mais profundo por esses assuntos só emergiu na década de 1970. A partir de então, governos e sociedade civil (representadas principalmente pelas organizações não governamentais, as ONGs) atentaram para a importância da biodiversidade e para os efeitos desastrosos das atividades humanas sobre ela. A conscientização e os esforços para reverter o quadro da perda de biodiversidade observado até então culminaram com a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 (a ECO 92).  Tal conferência enfatizou a importância da conservação para o desenvolvimento humano e consolidou a ideia de uso sustentável dos recursos naturais, ou seja, de que é possível usar tais recursos de forma mais inteligente, sem comprometer a disponibilidade deles no futuro. Sabe o que isso significou? A manutenção da biodiversidade passou a ser vista como pré-requisito para o desenvolvimento sustentável da humanidade, ao invés de fator que dificultava o progresso humano!

Um dos principais resultados da ECO 92 foi a Convenção sobre Diversidade Biológica, um tratado internacional que visava “à conservação da diversidade biológica, à utilização sustentável de seus componentes e à repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado”. Conservação você já sabe o que é; uso sustentável, também... Sobre a tal “repartição justa e equitativa dos benefícios”, gostaríamos que você meditasse debruçando-se em cada palavra dessa sentença. Temos certeza de que entenderá o recado!