[Apostila online] Tópico 10: Fotografando os animais

1. Início de Conversa

Imaginemos um curso de fotografia, no qual você pudesse ter acesso a uma excelente câmera e pudesse viajar como bem entendesse do Oiapoque ao Chuí e além! Mas antes disso, você começa a analisar as fotografias de outros amigos... Vamos ver no que isso pode dar? Ah, sim... E não esqueça sua máquina lá em cima da mesa!

 

 

Figura 10.1 Foto 1: Sabelídeo no fundo do mar.
Fonte: Thinkstock.

Como é que um animal que vive no fundo do mar, muitas vezes com pouca luz, e nem olhos tem, pode ser colorido? A produção de pigmentos é algo que consome recursos do animal, e evolutivamente pode ser muito custosa se não trouxer benefícios. Talvez o acaso tenha impedido o surgimento de mutantes descoloridos; talvez seja um caso de colorido aposemático (de advertência) — que, no caso, é um alarme falso, pois esse anelídeo não tem veneno; talvez seja uma cor de camuflagem — afinal, muitos corais e poríferos indigestos ou tóxicos são coloridos, e esse animal tenta seguir o padrão do ambiente... E você, o que acha?


Figura 10.2 Foto 2: Hidra verde.
Fonte: Thinkstock.

Hum... Foto difícil essa! O animal se encolhe se a água se mexe, então tem de ser de longe. Além disso, é tão... Fino! E está se dividindo, parece, por reprodução assexuada. Nesse tipo de reprodução, os filhos são idênticos à mãe, e... Espere um pouco. A mãe tem sete tentáculos; o broto, cinco... Bem. Poderíamos discutir a filosofia da reprodução (será que os dois organismos, após a separação, são organismos novos?), mas talvez devêssemos nos perguntar como é que um animal pode fazer fotossíntese e ter cloroplasto. Essa é fácil, não? Basta lembrar que nem sempre elas estão verdes (Ei! Com essa dica aposto que você se lembrou!).

Aliás, isso é observado não só nos Hydrozoa, mas também nos Anthozoa, conforme esta outra foto de um colega.


Figura 10.3 Foto 3: Mosca sirfídea.
Fonte: Thinkstock.

Essa abelha deve ter uma ferroada violenta, a julgar pela sua cor de advertência (aposematismo) e pelo seu abdome afilado. Não... Mais um engano! Reparemos nos tamanhos dos olhos, no tamanho das antenas, no número de asas... Pois se trata de uma mosca! Ainda está para nascer uma mosca com ferrão, mas essa engana muito bem. Esta situação é conhecida como mimetismo batesiano, no qual uma espécie perigosa e aposemática é “imitada” por outra. É o caso, também, das falsas corais.

Outro tipo de mimetismo é o mülleriano: nesse caso, várias espécies perigosas não aparentadas apresentam os mesmos padrões (geralmente aposemáticos), como se formassem um código para outros animais.

A nossa sorte é que você não confunde mimetismo com camuflagem. Aliás, falando em camuflagem, esqueça os camaleões e os louva-a-deus como exemplos principais: os são os reis do disfarce!

Foto 4: Peixe-pérola. Clique aqui para ver a foto.
Fonte: http://www.fishbase.us/Photos/PicturesSummary.php?ID=16829&what=species

Esse peixe está apenas saindo de seu refúgio. O local de saída é o ânus de um pepino-do-mar — olhe que coisa! Esses peixes (bem, quase todas as espécies que fazem isso) são inofensivos ao holoturoide e, portanto, são chamados e inquilinos. Muitas dessas relações no reino animal evoluíram para ou de situações de parasitismo.

Mas cautela ao dizer que essa é a “casa” do peixe-pérola! O conceito de “casa” é humano. Para o peixe, trata-se de um esconderijo, um refúgio. Às vezes, tendemos a considerar as tocas (como a de uma larva de besouro-tigre) e os ninhos (como os de algumas vespas) como casas, moradias; mas esse é um conceito inapropriado, pois essas estruturas têm as funções mais variadas possível, e muitas vezes não coincidentes com o conceito humano de “casa”.

Foto 5: Rato-toupeira-pelado. Clique aqui para ver a foto.
Fonte: http://cdn1.arkive.org/media/51/515F8BD6-C4EA-4BCE-BBBE-2D9235A81A95/Presentation.Large/Naked-mole-rat-queen-resting-on-workers.jpg

Na próxima vez em que você achar que o homem é um mamífero verdadeiramente social, é bom dar uma nova espiada na foto desse seu colega, que foi tirada após escavar o chão na Somália. Este roedor é um dos únicos mamíferos a terem comportamento eussocial (que, de forma simples, consiste em: divisão reprodutiva e de trabalho, gerações sobrepostas, e cuidado cooperativo dos mais jovens), como os insetos isópteros (cupins) e himenópteros (formigas, abelhas e vespas).

Essa regulação se efetiva por feromônios liberados na urina da fêmea dominante, que inibe as demais e mantém a estrutura de castas no ninho por anos a fio (além da fêmea reprodutiva, existem os machos reprodutores, os operários de defesa e os de trabalho).

Foto 6: Formiga-de-embaúba. Clique aqui para ver a foto..
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_8flEUDwr_So/TIqXSh4AhLI/AAAAAAAAAF4/63UZXKGDyOA/s1600/formiga_azteca1.JPG

Um amigo, ao quebrar um galho de embaúba na Mata Atlântica, teve o dedo mordido por formigas... Então, ele bateu uma foto do que observou: o galho estava oco, e repleto de pupas e larvas de formigas! Estariam elas acabando com a árvore de dentro para fora? Mas a árvore parece tão... Tão sadia...!

O que ocorre, aqui, é uma das relações de mutualismo mais eficientes: a formiga é atraída para a árvore, de onde ela obtém alimento e refúgio. Por outro lado, quando comparamos as folhas da embaúba com as das demais plantas ao redor, reparamos que elas têm muito menos sinal de herbivoria — imagine o motivo... Claro! As formigas atacam rapidamente os potenciais inimigos da planta, a exemplo do seu amigo fotógrafo!

Foto 7: Rúmen de gnu. Clique aqui para ver a foto.
Fonte: http://www.superstock.com/stock-photos-images/1890-83559

“Ah, finalmente”, alguém deve ter suspirado. De alguma forma, os leões parecem encantar as pessoas. Bem, pelo menos você não acha que esse é um típico animal mato-grossense...

Entretanto, essa imagem mostra algo além do leão. E era para ela que deveríamos estar olhando. Trata-se de uma carcaça de mais de um animal de mais de 100 kg, o gnu. Ora, não é difícil entender o tamanho de um leão, que come gnus; mas e o bovídeo, alimenta-se do quê? De capim. E o instigante é os animais, em geral, não conseguirem digerir celulose, e por isso fazem simbioses para escapar à sina de não digerir tecidos vegetais. Esse animal morto só atingiu esse tamanho graças a uma fantástica relação simbiótica com mais de 100 espécies de micro-organismos, entre bactérias, fungos e protozoários. Pode-se clamar, sem receio, que há um verdadeiro ecossistema no rúmen desses animais.

Quem diria que esses seres tão minúsculos e microscópios têm um papel tão fundamental logo na base da cadeia alimentar?

Apenas para ver que a coisa não para por aí, na pele humana saudável existe uma biota que conta com mais de 15 filos de bactérias!

Foto 8: Percevejo hematófago. Clique aqui para ver a foto.
Fonte: http://www.insecta.ufv.br/Entomologia/ent/disciplina/ban%20160/Importancia%20medica/triatoma%20infestans.jpg

A hematofagia é um comportamento bastante corriqueiro entre os animais, e não é à toa: o sangue é um tecido rico em água, nutrientes e energia (e por isso é mais frequentemente encontrado em fêmeas, as quais demandam grande quantidade de energia e proteínas na produção dos ovos). O percevejo da foto ilustra isso de maneira sublime: pode haver ladrão mais furtivo que um artrópode do tamanho de um polegar que pousa na face de alguém, introduz-lhe um rostro de mais de centímetro pele adentro, chupa sangue até não poder mais e sai rastejando calmamente? Isso quando ainda não te deixa um presentinho tripanossomatídeo...

Esse tipo de parasitismo é encontrado em vários filos: nematódeos, anelídeos, artrópodes, cordados (sim! Ou alguém se esqueceu dos morcegos vampiros e toda a lenda — exagerada — a eles associada? Afinal, menos de 0,5% das espécies de quirópteros são hematófagas).

Os estudos de coevolução em alguns casos de espécies específicas para a hematofagia são clássicos, e é impressionante ver como a filogenia do hospedeiro é compatível com a do parasita. É como se os hospedeiros fossem os continentes e os parasitas, as espécies a eles atreladas!


Figura 10.4 Foto 9: Araneídeo e a teia.
Fonte: Thinkstock.

Essa foto nos mostra quanto a relação de predação pode ser diferente da foto 7. Para aqueles acostumados a assistir à televisão e ver o predador pulando sobre a presa, gritos para cá, pedaços acolá, sangue espirrando na câmera, essa imagem parece bem apaziguadora. A aranha, após enrolar a presa, poderá cuspir suas enzimas digestivas no saquinho de teia e sugar lentamente (se fosse um macho poderia embrulhá-la direitinho e levar de presente a uma grande fêmea). A borboleta, previamente envenenada, nada pode fazer enquanto seu corpo se transforma em sopa.

Outros tipos de predação slow motion podem ser vistos quando um equinoide devora algas crostosas, ou quando uma estrela-do-mar leva horas para abrir uma ostra com seus fortes braços.

Além disso, essa foto nos faz lembrar da evolução sequencial, em que variedades de uma espécie são selecionadas conforme as restrições impostas pela outra espécie. Em relação a essa foto em particular, podemos pensar que as aranhas selecionadas devam ser aquelas que constroem teias maiores e mais pegajosas, em lugares melhores, e que possuem maior agilidade. Pelo lado dos lepidópteros, as borboletas selecionadas serão aquelas que percebam a teia em tempo hábil de evitá-la, e que possuam asas com mais escamas (as escamas se destacam, e assim as borboletas conseguiriam escapar da aranha). Essas duas pressões seletivas, mútuas, induzem a mudanças alternadas entre as gerações (agindo como respostas das dinâmicas populacionais).


Figura 10.5 Foto 10: Besouro-rinoceronte.
Fonte: Thinkstock.

Temos aqui um titã. Essa foto mostra um tanque-de-guerra preparado para a reprodução... Assim que ele jogar fora os machos competidores.

Esse comportamento de demonstração de força durante o período reprodutivo é encontrado em vários grupos animais, e tende a ser positivo para a espécie: o macho perdedor não é ferido, e o vencedor está intacto para a reprodução (olhe a foto de novo: tem quase mais chifre do que bicho! O “quase” fica porque o chifre, no caso, é parte do bicho!). Todavia... Existem trapaceiros. Em algumas espécies, o macho perdedor finge ir embora, mas fica na espreita; assim que o macho vencedor acasala com a fêmea e vai embora, o macho perdedor se aproxima, sorrateiramente, e fertiliza a mesma fêmea, de forma que às vezes o perdedor terá mais filhos que o macho dominante.

Quando analisamos o comportamento de uma forma evolutiva estamos lidando com a ecologia comportamental (mais abrangente que a etologia, que tende ao descritivo). A ecologia comportamental envolve bastantes modelos e exercícios teóricos, e um dos mais comuns são os jogos ou simulações. Nessas práticas, estabelece-se um modelo (no qual, geralmente, são considerados o sucesso reprodutivo, o valor adaptativo e o custo energético) que é aplicado durante várias “rodadas” (gerações) a partir de uma condição inicial, avaliando-se, assim, quais estratégias comportamentais tendem a ser selecionadas, dado um conjunto genético de base.

No final, nas sugestões de leitura, este link levará a um sítio com um jogo de simulação baseado na Teoria dos Jogos, com pombos, falcões e até uma espécie surpresa, se quiser.